2011-01-03

12/XII – NA MANHÃ SEGUINTE

*
 
 
Édouard Manet
 

Domingo no Parque, óleo sobre tela.



             Mathieu põe o copo quase vazio sobre a mesinha, abre mais o sorriso e pergunta:

- Suzana, cadê o Juninho?

 - Dormiu cedo. No meio da novela das oito, apagou.

- Ele vê Beto Rockfeller?

         - Adora. Para tudo que tem de fazer e liga a tevê. Nem sempre chega ao fim do capítulo, acaba adormecendo no sofá mesmo.

         - Surpreendente a audiência dessa novela. Mesmo sendo considerada um pouco libertina, milhares de crianças também assistem.

- Fico dividida...

         - Por isso mesmo a Divisão de Censura e Diversões Pública permanece de plantão nos bastidores da emissora. Todo dia, seus agentes cortam as cenas mais audaciosas, mais picantes.

- Ainda bem.

- Os autores Cassiano Gabus Mendes e Bráulio Pedroso, consideram que o sucesso está na fórmula simples de produzir telenovela no Brasil: enredo mais ousado e menos enfadonho. Beto Rockfeller é um divisor de águas na linguagem da teledramaturgia mundial. Percebeu?

- Claro. Pelo que se vê, está dando certo. Um sucesso!

- A meta da Tupi é romper com os padrões dos folhetins melodramáticos até então produzidos, e apostar em uma nova forma de ver e fazer televisão no Brasil. Abandonar o tom dramático e artificial de interpretação das telenovelas e adotar a linguagem coloquial nos diálogos.  Enfim, retratar cenas de um país mais próximo do real.

- Bem mais original.

         Pausa. Mathieu:

         - O certo é que essa novela, versão do donjuanismo contemporâneo, vem atraindo tantos espectadores para frente da telinha que justifica o choro do pessoal de palco. Eles culpam a TV pela falta de público nos espetáculos teatrais.

         - Não é para menos. Afinal, a gente tem em casa uma atração que atrai e que, apesar de outra linguagem, é teatro. Bem mais cômodo de assistir, e de graça – afirma Suzana.

         - Por aí.

         - Gosto de Teatro, mas acho teatro no Brasil muito caro, não acha?

         - Ah, sim. Defendem os produtores que faltam políticas públicas para facilitar o acesso do público ao teatro. Só para se ter ideia, o preço de bilheteria para tornar um espetáculo acessível ao povão, não pagaria a produção da montagem.

         - Talvez.

         Mathieu olha para o relógio de pulso, lastimando:

         - Queria levar um papo com o Júnior.

         - Amanhã, querido. Podemos ir ao clube logo cedo, topa?

         - Claro.

A mulher curiosa:

         - O que você faz aos domingos quando não está namorando?

         - Vejo televisão. Dona Marianinha, dona da pensão, depois da jantarada domingueira, liga o aparelho para turma assistir Buzina do Chacrinha.

         - Chacrinha?!

         - Divirto à beça.

         - Atraído pelo apresentador ou pelos atributos físicos de suas dançarinas?

         Mathieu ri. Logo exalta a voz, imitando Abelardo Chacrinha:

         - Alô, alô, velho guerreiro! Alô, alô, Terezinha!

         - Bobo!

         - Tem coisa melhor do que ver o Chacrinha rodeado de mulheres bonitas, saradíssimas, atirando abacaxis e nacos de bacalhau na plateia? Ou, com todo aquele visual escalafobético, cheio de bordões na boca, arrochar o nariz de um calouro? Não, não tem. Quase morro de tanto de rir.

         - Vem não, sô, não vejo a menor graça.

         - Ah, cada figurinha!

         - Repete as mesmas coisas, um escracho. Embrulha-me o estômago ver Chacrinha lançar bordões de tremendo mau gosto. Além de tudo, sem o menor pudor, fere a todo momento o nosso português através da extinção pura e simples de boa parte dos pronomes oblíquos. É de chorar!  – reprime Suzana.   

         - Ô, querida, brincadeiras de auditório! Fazem parte do show.

          A mulher retrai o rosto:

         - Para mim é demais! Nosso povo não merece tanto entulho, despejado em cima de suas cabeças. Fico incomodada em ver milhares de telespectadores que se nutrem dessa sopa de sandices. Coisa mais estúpida!

         - Acha?

- Não acrescenta nada a ninguém, principalmente, às crianças que ficam expostas a imagens de mulheres-objeto, usadas de maneira escancarada e ostensiva. Atração de baixo nível. Não é a TV ideal, pode crer.

         - Menos, querida.

         Pausa. Suzana:

         - Metanfetamina pura!... O que é para divertir acaba por descambar em sadismo, crueldade, sei lá mais o quê? Deprime ver tantos calouros chacoteados e humilhados no palco, uma judiação.

         - Ora, Suzana, esse tipo de formato nas televisões é o grande segredo para fisgar novos telespectadores.

         - Precisa de tanta baixaria?

         - Quem se submete a subir ao palco, conhece o esquema. Não está nem aí p’ra nada, porque quer mesmo é divertir e garantir seu minuto de fama na telinha iluminada da tevê.

- Ah, Math, burrice alheia não me diverte. Pelo contrário, me entristece.

- O velho guerreiro sabe o faz. Não há quem não goste de ver essas mulheres, enchendo a telinha com seus pares de coxas, graduadas em coreografias ousadas. Ufa! De tirar o fôlego, principalmente, quando o close da câmara foca uma delas. Não há coração de macho que não dispara como louco, diante de seus saradíssimos atributos físicos. Olha eu aqui, gente!

         - Bobo!

         - Duplas perfeitas: Rita Cadilac e Marlene Morbeck, Índia Poti e Edilma Campos, Lúcia Apache e Regina Polivalente, Sandra Toda Pura e Cleópatra, Cléo e Cris Saint Tropez ficaram famosas com pouca roupa e muito talento físico para exibir. Além de gostosas, são bem safadinhas.

         - Ai, meu Deus! Torço para que, em 1969, esse canal de TV prefira abolir a premissa de que produzir escrachos é a melhor programação. Chega! Ninguém aguenta mais aquelas dançarinas amadoras vestidas de colegiais, usando vocabulário da hora do recreio!

- Ora, Suzana, em matéria de ousadia rebolativa, as Chacretes elevam o índice de capsaicina a níveis incendiários, enchendo nossa memória com um arquivo incrível de imagens sensuais.

         - Chega a babar?

- Diversão elevada ao cubo, não acha?

         - Não acho nada.

         - O importante, querida, é que a televisão está no ar para entreter as pessoas o tempo todo. Nada é melhor, hoje, para temperar o clima político de repressão em que vivemos no Brasil.

- Arre!

- Ora, bolas, quem não gostar de um programa assim, é só mudar de canal.

- Simples, não é mesmo?

         Mathieu não replica. Muda a direção do bate-papo:

         - Quando não vejo tevê e não tenho nada programado para fazer, costumo visitar a casa de uma tia para pegar um almoço mais caprichado.

         - Que tia?

         - Tenho várias que moram aqui.

         - Sei.

         A moça depois de pensar um pouco, ressalta:

         - Tive uma ideia.

         - Boa ou ruim?

         - Coisa boa.

         - Ir a Sabará? – antecipa o rapaz, interessado.

         - Melhor.

         - Levar o Juninho para andar de carrossel no Parque Municipal?

         - Mais.

         - Então, fala logo.

         - Que tal um passeio ao Zoológico?

         - Êba! Nada mais pitoresco para uma recreação dominical, longe da bagunça urbana, onde mal temos tempo para ver o tempo passar!

         - Verdade. Belo Horizonte está cada dia pior até para respirar, com a qualidade do ar cada vez mais poluída. Um caos!

         - Sim.

         - Podemos ir amanhã bem cedo, topa? 

- No que depender de mim, tudo certo.

         - Imagino que vai gostar de um passeio com gostinho de infância.

         - Tipo piquenique?

         - Com direito a uma cesta de quitutes – anima Suzana, rindo.

         - Estilo francês?

- Por que não? Nada mais perfeito para celebrar o domingo do que um almoço na relva, entre borboletas e muitos outros bichos ao redor.

- Maravilha!

Risos. Suzana satisfeita:

- Tenho em casa um kit piquenique com comidinhas secas. Nele, levo biscoitos e uma cesta de frutas variadas, além de guardanapos, talheres, toalhas para sentar, cravo para espantar insetos, saquinhos de lixo – um kit super fundamental. Tudo acomodado num engradado que depois vira mesinha. Levo também uma seleção de discos para tocar na vitrolinha Phillips do Junior. 

- Déjeuner sur l’herbe!

         - Como no quadro de Manet, só que sem a moça nua.

         - Naturalmente.

         - Refeição ao ar livre, todos naturalmente sentados num tapete verde. Ah, nada mais lírico para um poeta, não é mesmo?

         - Nada.

         - A onda agora é fazer festa nos parques ecológicos, sabia?

         - Uma delícia!

         - Cerveja gelada também inclui esse cardápio domingueiro. Pode ficar sossegado, viu?

         - Ah, sim. A bebida a gente compra lá, certo?

         - Certo.

         - Antes, Suzana, queria propor a você um pacto.

         - O quê?

         - Falar de problemas domésticos fica proibido, pode ser?

- Está bom, se você faz questão. Do resto, prometo esquecer para não lembrar – ironiza a mulher.

         - Legal.

- Vai ser ótimo. O Juninho é fascinado pelos bichos – revela a mãe sem conter o entusiasmo.

- Eu também.

         - Se der sorte, podemos até admirar o mais antigo par de arquitetos trabalhando, um casal de João de Barro.

         Pausa. Mathieu:

- Sempre que posso dou um pulo até o Zoológico. Meu jeito rural de relaxar na cidade grande. Lá é como se fosse meu tablado de sossego e contemplação de bichos do mato, um pedaço do paraíso onde encontro a natureza em estado quase puro. Um convite a desacelerar, não?

         - Sem dúvida.

- Nasci e cresci no interior. Aproveitei como pude.

         - Bacana!

         - Quando menino, eu revezava meu tempo entre a escola, brincadeiras de rua e a mania de apanhar passarinhos com o alçapão, só para vê-los cantar em gaiolas dependuradas no alpendre de minha casa.

         - Coitados!

- Nada mais prazeroso!

 - Mas tinha o maior cuidado com eles, viu?

- Ainda assim.

- Mesmo sendo uma criança sapeca, cheia de energia, nunca mirei uma ave com um bodoque. Nunca matei nem uma rolinha.

         - Ainda bem.

         - Meu pássaro cantor predileto era o Chapinha, com a sua plumagem colorida. É o nosso Canário da Terra. Basta ouvi-lo cantar que, rapidamente, o bichinho entra na alma da gente e não sai mais. Adoro seu trinado.

         - Olha!

         Mathieu bate as palmas das mãos. Com um olhar cômico, revela:

         - Sabia que arremedo o canto de alguns pássaros?

         - Legal. Com certeza o Juninho vai adorar.

         - Pois então, no Zoológico vou soltar o molequinho de dentro de mim. Seu garotão vai se dar bem com ele, garanto. Vamos soltar muitas risadas juntos.

         - Criança atrai criança, sim?

         - Vamos ver.

         - Dizem que os poetas são eternas crianças em devaneio.

         - Tudo a ver, sim. Segundo o Candomblé sou filho de Oxalá e vivo cercado de orixás vaidosos e moleques ao mesmo tempo, para mostrar que a fantasia dos curumins tem embutida a pureza e a alegria ao mesmo tempo.

         - Saravá! Saravá! – exclama Suzana com um risinho crítico no rosto.

         - Nossos meninos maluquinhos cresceram, querida. Mas, nunca vamos esquecer do tempo em que brincávamos de ‘marcha soldado’ com um caldeirão na cabeça – revela o rapaz com um olhar divertido.

- Háháhá!

- O adulto, Suzana, que perde a criança dentro de si, perde boas oportunidades de aprender com a própria existência. Certo?

- Certíssimo.

         -Thomas Henry Huxley reforça a ideia, dizendo que o segredo da genialidade é carregar o espírito da infância na maturidade. Não tem melhor maneira para perceber, em menor grau, as marcas do tempo atuando em seu corpo.

         - Ah, sim.

         - Minha mãe ainda vive dizendo que, ao invés de ser jornalista, deveria trabalhar num Zoológico.

         - É mesmo?

         - Como a vida tem outras exigências, meu caminho dobrou outra esquina. Mas, não abandonei o grande conselho de Rosa: amar os animais é aprendizado da humanidade.

Pausa. Suzana:

- Olha, rapaz, se gosta tanto assim por não se dedica também à zooliteratura, passando para o papel as fantasias de menino do interior como você foi na infância?

- Misturar alegorias e realidade?

- Por que não?

- Caso a pensar.

- Com muito carinho, viu?

- Viu.

- As histórias infantis precisam de você para fazer parte das histórias de vida das crianças atuais, escrevendo livros sem aquele tom didático, muitos, até meios abobalhados. A literatura só tem a ganhar com suas ideias inovadoras que, com certeza, vão produzir grande impacto na vida de todos nós. Pense nisso.

Risos. Mathieu:

- Tem razão. Gabriel García Márquez vive dizendo que a vida não é só o que se vive, mas o que se lembra para a gente poder contar isso para o mundo.

- Ã-Hã!

Pausa. O rapaz, após um gole de cerveja:

- Curtia p’ra ‘caramba’ as fábulas dos animais falantes. Guimarães Rosa, inspirado no seu tio, Vicente Guimarães, povoou seus livros de bichos de todas as espécies, misturando fantasias e realidade, num jogo de vivências e lembranças.

- Rosa?!...

- Em Sagarana, Rosa mostra como os humanos convivem e se misturam o tempo todo com os bichos, criam vínculos. Mais ainda com os animais que sempre foram máquinas a serviço da humanidade, como os burros, os cavalos, os bois, as vacas, sem falar das cabras e dos bodes. Muito legal! No conto Meu tio o Iauaretê, apontado por alguns críticos como auto anulação do homem e seu desejo de zoomorficação, Guimarães atinge o ápice de sua experimentação com a linguagem. Muito legal.

- Concordo, Math.

         - Admiro também as obras de Vovô Felício e de Monteiro Lobato. Quantas memórias deixaram na memória das crianças desse mundo encantado que, certamente, vão encantar gerações e mais gerações Brasil afora?

- Li todos na infância. Para mim o conto de fadas nunca vai acabar, é um verdadeiro mergulho na imaginação.

Pausa. Mathieu:

- Sabia que o gênero fábula até La Fontaine, no século 17, era considerado menor?

- Sério?

- Mesmo exercido por autores clássicos, quase sempre se tratava de uma forma artificial de dizer o que se quer falar pela boca dos animais, tornando próprio dessas criaturas as virtudes e defeitos dos humanos. Dessa forma, a fábula com toda sua dimensão fantasiosa, tinha como destinatário a atenção das crianças.

- Então é por isso que se tornou parte de um arsenal mais pedagógico do que literário?

Mathieu balança a testa, aquiescendo.

- La Fontaine, em vez de humanizar os animais, animalizou os homens ao mostrar que o homem é o lobo do próprio homem. O escritor francês, vocacionado por uma habilidade lírica imensa, ofereceu substância poética a um material, aparentemente, de menores possibilidades expressivas. Foi o maior sucesso.

- Amo La Fontaine!

- Muito bom mesmo!

- Voltando... Voltando a agulha... Nesse gênero, Math, você pode inventar seu mundo possível de bichos e converter, a seu modo e estilo, os não humanos em símbolos, metáforas e alegorias das pessoas.

- Lógico que sim – assegura o rapaz.

- Clarice Lispector também produziu literatura infantil de qualidade. No conto O Búfalo, enfoca o tema da animalidade no humano.

- Não conheço a história. Mas, suponho que sim – observa o rapaz.

Pausa. Suzana:

- Histórias de ontem, mas sempre atuais. Vez ou outra me vejo com um livro infantil nas mãos. Resgata a infância e me deixa mais light para enfrentar a correria do mundo de hoje.

Mathieu pega o copo e toma um pouco de cerveja, afirmando:

- Um dia, querida, vou começar a escrever histórias infantis, sim. Recuar na memória e dar asas a lembranças mais afastadas para contar coisas que, desde muito cedo, ficaram acumuladas dentro de mim. As imagens da infância não saem da gente, não é mesmo?

- Não.

- Lembro que, em época de chuvas, até as poças d’água me divertiam. Quanto mais fundas e barrentas, mais sedutoras se tornavam. Vê se pode?

- Legal.

- Sem falar que é uma boa chance de resgatar os valores apurados na infância com meus pais e avós - outros tempos, outra realidade, não é mesmo? Nunca vou deixar essa criança ir embora, pode crer. Nunca!

Suzana, depois de tomar um pouco de cerveja e acender outro cigarro.

- Até Sartre nos brindou com narrativas nesse seguimento. Em 1964, o filósofo francês publicou sua admirável incursão literária à infância, registrada no livro As Palavras. Leu?

- Também não.

- É o único ensaio autobiográfico do filósofo francês, dividido em apenas dois capítulos: Ler e Escrever. No primeiro, o autor narra o admirável relacionamento com sua jovem mãe. No segundo, ele fala de sua adolescência.

- Obrigado pela dica, vou comprar.

- Não precisa, tenho o livro em casa. Empresto para você, quer?

- Quero sim. Obrigado.

- Ah, foi sua última obra publicada em vida, sabia?

- Sim. O interessante é que, no mesmo ano do lançamento, Jean-Paul Sartre recusou o Prêmio Nobel, alegando as ambiguidades políticas do troféu e a incompetência dos juízes.

Suzana, depois de uma longa tragada no cigarro:

- O mais belo triunfo do escritor é fazer pensar o que podemos pensar, ensina Delacroix.

- Claro.

- Nada mais filosófico. Certo?

O rapaz, depois de mais um gole de cerveja, promete:

         - Lá no Zoológico vou pagar sorvetes de ameixa para nós todos.

         - Ai, que delícia..., adoro vaca-preta!

         - Pois bem.

  - Desde minha mocidade ninguém me convida para tomar um sorvete, acredita?

- Ô, dó!

         - Amanhã às 8 horas, tudo bem?

         - Combinado. Será um domingo inesquecível, pode crer – adianta Suzana.

         - Ã-Hã. Como o Zoo fica na região da Pampulha, já emendo outro pedido.

- Qual?

- A gente aproveita para fazer uma visita à igrejinha de São Francisco de Assis, pode ser?

- Bem pensado. Meu filho acha meio esquisito a Via Sacra pintada por Portinari. Toda vez que lá fomos, o Juninho passava um tempão procurando entender alguma coisa do que o artista quis dizer com aqueles traços disformes. Depois me enchia de perguntas.

- Garoto esperto!

- O menino mostra muita afinidade com as artes - enaltece Suzana, satisfeita.

- Força do sangue, não me surpreende. Além do mais, ele convive com uma pinacoteca em casa, formada por nomes de ponta da arte brasileira.

- Ajuda a apurar a sensibilidade, claro. Deve auxiliar na formação do adulto, não é mesmo?

- Evidente.

- Eu me preocupo muito com o adulto que meu filho se tornará.

- Ah, sim.

- A gente não manda nas atitudes dos filhos, mas o que a gente quer é que eles sejam felizes.

Pausa. O rapaz puxa uma tragada no cigarro, expele a fumaça e pergunta:

- E você, criatura, quando não tem o clube ou o passeio ao Zoológico, o que costuma fazer aos domingos?

- Quase nada. José Renato sempre inventa alguma coisa fora de casa para fazer. Para variar, só para ele.

- Perguntei por você.

Suzana com um brilho comovido nos olhos, responde:

- Enterrada dentro de casa, tiro uma parte do domingo para fazer uma boa leitura. Os livros nos ajudam a não se sentir tão só no mundo, não é mesmo?

- Claro.

- No mais é ficar quieta em meu canto, revendo minha existência como mulher e como mãe numa família que se destroça. Não importa. Sempre gostei de momentos assim para refletir, principalmente, naqueles dias que não consigo me concentrar em nada de tão entediada – revela Suzana.

Houve um silêncio. O rapaz curva-se e pousa-lhe um longo beijo na mão direita, com doce pressão, dizendo em tom macio:

- O que tem seu lado positivo, claro. Ajuda a se assumir em outro cosmo.






* FBN© - 2012 – Domingo no Parque..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.:  óleo de Manet – ‘Domingo no Parque’.  Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/13xiii-domingo-no-parque.html
 
 
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