*
Édouard Manet
Domingo no Parque, óleo sobre tela.
Mathieu põe o copo quase vazio
sobre a mesinha, abre mais o sorriso e pergunta:
- Suzana,
cadê o Juninho?
-
Dormiu cedo. No meio da novela das oito, apagou.
- Ele vê
Beto Rockfeller?
-
Adora. Para tudo que tem de fazer e liga a tevê. Nem sempre chega ao fim do
capítulo, acaba adormecendo no sofá mesmo.
-
Surpreendente a audiência dessa novela. Mesmo sendo considerada um pouco
libertina, milhares de crianças também assistem.
- Fico
dividida...
-
Por isso mesmo a Divisão de Censura e Diversões Pública permanece de plantão
nos bastidores da emissora. Todo dia, seus agentes cortam as cenas mais
audaciosas, mais picantes.
- Ainda
bem.
- Os
autores Cassiano Gabus Mendes e Bráulio Pedroso, consideram que o sucesso está
na fórmula simples de produzir telenovela no Brasil: enredo mais ousado e menos
enfadonho. Beto Rockfeller é um divisor de águas na linguagem da
teledramaturgia mundial. Percebeu?
- Claro.
Pelo que se vê, está dando certo. Um sucesso!
- A meta
da Tupi é romper com os padrões dos folhetins melodramáticos até então
produzidos, e apostar em uma nova forma de ver e fazer televisão no Brasil. Abandonar
o tom dramático e artificial de interpretação das telenovelas e adotar a
linguagem coloquial nos diálogos. Enfim, retratar cenas de um país mais próximo
do real.
- Bem
mais original.
Pausa.
Mathieu:
-
O certo é que essa novela, versão do donjuanismo contemporâneo, vem atraindo
tantos espectadores para frente da telinha que justifica o choro do pessoal de
palco. Eles culpam a TV pela falta de público nos espetáculos teatrais.
-
Não é para menos. Afinal, a gente tem em casa uma atração que atrai e que,
apesar de outra linguagem, é teatro. Bem mais cômodo de assistir, e de graça –
afirma Suzana.
-
Por aí.
-
Gosto de Teatro, mas acho teatro no Brasil muito caro, não acha?
-
Ah, sim. Defendem os produtores que faltam políticas públicas para
facilitar o acesso do público ao teatro. Só para se ter ideia, o preço de
bilheteria para tornar um espetáculo acessível ao povão, não pagaria a produção
da montagem.
-
Talvez.
Mathieu
olha para o relógio de pulso, lastimando:
-
Queria levar um papo com o Júnior.
-
Amanhã, querido. Podemos ir ao clube logo cedo, topa?
-
Claro.
A mulher
curiosa:
-
O que você faz aos domingos quando não está namorando?
-
Vejo televisão. Dona Marianinha, dona da pensão, depois da jantarada
domingueira, liga o aparelho para turma assistir Buzina do Chacrinha.
-
Chacrinha?!
-
Divirto à beça.
-
Atraído pelo apresentador ou pelos atributos físicos de suas dançarinas?
Mathieu
ri. Logo exalta a voz, imitando Abelardo Chacrinha:
-
Alô, alô, velho guerreiro! Alô, alô, Terezinha!
-
Bobo!
-
Tem coisa melhor do que ver o Chacrinha rodeado de mulheres bonitas,
saradíssimas, atirando abacaxis e nacos de bacalhau na plateia? Ou, com todo
aquele visual escalafobético, cheio de bordões na boca, arrochar o nariz de um
calouro? Não, não tem. Quase morro de tanto de rir.
-
Vem não, sô, não vejo a menor graça.
-
Ah, cada figurinha!
-
Repete as mesmas coisas, um escracho. Embrulha-me o estômago ver Chacrinha
lançar bordões de tremendo mau gosto. Além de tudo, sem o menor pudor, fere a
todo momento o nosso português através da extinção pura e simples de boa parte dos
pronomes oblíquos. É de chorar! – reprime Suzana.
-
Ô, querida, brincadeiras de auditório! Fazem parte do show.
A
mulher retrai o rosto:
-
Para mim é demais! Nosso povo não merece tanto entulho, despejado em cima de
suas cabeças. Fico incomodada em ver milhares de telespectadores que se nutrem
dessa sopa de sandices. Coisa mais estúpida!
-
Acha?
- Não
acrescenta nada a ninguém, principalmente, às crianças que ficam expostas a
imagens de mulheres-objeto, usadas de maneira escancarada e ostensiva. Atração
de baixo nível. Não é a TV ideal, pode crer.
-
Menos, querida.
Pausa.
Suzana:
-
Metanfetamina pura!... O que é para divertir acaba por descambar em sadismo,
crueldade, sei lá mais o quê? Deprime ver tantos calouros chacoteados e
humilhados no palco, uma judiação.
-
Ora, Suzana, esse tipo de formato nas televisões é o grande segredo para fisgar
novos telespectadores.
-
Precisa de tanta baixaria?
-
Quem se submete a subir ao palco, conhece o esquema. Não está nem aí p’ra nada,
porque quer mesmo é divertir e garantir seu minuto de fama na telinha iluminada
da tevê.
- Ah,
Math, burrice alheia não me diverte. Pelo contrário, me entristece.
- O velho
guerreiro sabe o faz. Não há quem não goste de ver essas mulheres, enchendo a
telinha com seus pares de coxas, graduadas em coreografias ousadas. Ufa! De
tirar o fôlego, principalmente, quando o close da câmara foca uma delas. Não há
coração de macho que não dispara como louco, diante de seus saradíssimos
atributos físicos. Olha eu aqui, gente!
-
Bobo!
- Duplas perfeitas: Rita Cadilac e
Marlene Morbeck, Índia Poti e Edilma Campos, Lúcia Apache e Regina Polivalente,
Sandra Toda Pura e Cleópatra, Cléo e Cris Saint Tropez ficaram famosas com
pouca roupa e muito talento físico para exibir. Além de gostosas, são bem safadinhas.
-
Ai, meu Deus! Torço para que, em 1969, esse canal de TV prefira abolir a
premissa de que produzir escrachos é a melhor programação. Chega! Ninguém
aguenta mais aquelas dançarinas amadoras vestidas de colegiais, usando
vocabulário da hora do recreio!
- Ora,
Suzana, em matéria de ousadia rebolativa, as Chacretes elevam o índice de capsaicina
a níveis incendiários, enchendo nossa memória com um arquivo incrível de imagens
sensuais.
-
Chega a babar?
-
Diversão elevada ao cubo, não acha?
-
Não acho nada.
-
O importante, querida, é que a televisão está no ar para entreter as pessoas o
tempo todo. Nada é melhor, hoje, para temperar o clima político de repressão em
que vivemos no Brasil.
- Arre!
- Ora,
bolas, quem não gostar de um programa assim, é só mudar de canal.
-
Simples, não é mesmo?
Mathieu
não replica. Muda a direção do bate-papo:
-
Quando não vejo tevê e não tenho nada programado para fazer, costumo visitar a
casa de uma tia para pegar um almoço mais caprichado.
-
Que tia?
-
Tenho várias que moram aqui.
-
Sei.
A
moça depois de pensar um pouco, ressalta:
-
Tive uma ideia.
-
Boa ou ruim?
-
Coisa boa.
-
Ir a Sabará? – antecipa o rapaz, interessado.
-
Melhor.
-
Levar o Juninho para andar de carrossel no Parque Municipal?
-
Mais.
-
Então, fala logo.
-
Que tal um passeio ao Zoológico?
-
Êba! Nada mais pitoresco para uma recreação dominical, longe da bagunça urbana,
onde mal temos tempo para ver o tempo passar!
-
Verdade. Belo Horizonte está cada dia pior até para respirar, com a qualidade
do ar cada vez mais poluída. Um caos!
-
Sim.
-
Podemos ir amanhã bem cedo, topa?
- No que
depender de mim, tudo certo.
-
Imagino que vai gostar de um passeio com gostinho de infância.
-
Tipo piquenique?
-
Com direito a uma cesta de quitutes – anima Suzana, rindo.
-
Estilo francês?
- Por que
não? Nada mais perfeito para celebrar o domingo do que um almoço na relva,
entre borboletas e muitos outros bichos ao redor.
- Maravilha!
Risos.
Suzana satisfeita:
- Tenho
em casa um kit piquenique com comidinhas secas. Nele, levo biscoitos e uma
cesta de frutas variadas, além de guardanapos, talheres, toalhas para sentar,
cravo para espantar insetos, saquinhos de lixo – um kit super fundamental. Tudo acomodado num engradado que depois vira
mesinha. Levo também uma seleção de discos para tocar na vitrolinha Phillips do
Junior.
- Déjeuner sur l’herbe!
-
Como no quadro de Manet, só que sem a moça nua.
-
Naturalmente.
-
Refeição ao ar livre, todos naturalmente sentados num tapete verde. Ah, nada
mais lírico para um poeta, não é mesmo?
-
Nada.
-
A onda agora é fazer festa nos parques ecológicos, sabia?
-
Uma delícia!
-
Cerveja gelada também inclui esse cardápio domingueiro. Pode ficar sossegado,
viu?
-
Ah, sim. A bebida a gente compra lá, certo?
-
Certo.
-
Antes, Suzana, queria propor a você um pacto.
-
O quê?
-
Falar de problemas domésticos fica proibido, pode ser?
- Está
bom, se você faz questão. Do resto, prometo esquecer para não lembrar – ironiza
a mulher.
-
Legal.
- Vai ser
ótimo. O Juninho é fascinado pelos bichos – revela a mãe sem conter o
entusiasmo.
- Eu
também.
-
Se der sorte, podemos até admirar o mais antigo par de arquitetos trabalhando, um
casal de João de Barro.
Pausa.
Mathieu:
- Sempre
que posso dou um pulo até o Zoológico. Meu jeito rural de relaxar na cidade
grande. Lá é como se fosse meu tablado de sossego e contemplação de bichos do
mato, um pedaço do paraíso onde encontro a natureza em estado quase puro.
Um convite a desacelerar, não?
-
Sem dúvida.
- Nasci e
cresci no interior. Aproveitei como pude.
-
Bacana!
-
Quando menino, eu revezava meu tempo entre a escola, brincadeiras de rua e
a mania de apanhar passarinhos com o alçapão, só para vê-los cantar em gaiolas
dependuradas no alpendre de minha casa.
-
Coitados!
- Nada
mais prazeroso!
- Mas
tinha o maior cuidado com eles, viu?
- Ainda
assim.
- Mesmo
sendo uma criança sapeca, cheia de energia, nunca mirei uma ave com um bodoque.
Nunca matei nem uma rolinha.
-
Ainda bem.
-
Meu pássaro cantor predileto era o Chapinha, com a sua plumagem colorida. É o
nosso Canário da Terra. Basta ouvi-lo cantar que, rapidamente, o bichinho entra
na alma da gente e não sai mais. Adoro seu trinado.
-
Olha!
Mathieu
bate as palmas das mãos. Com um olhar cômico, revela:
-
Sabia que arremedo o canto de alguns pássaros?
-
Legal. Com certeza o Juninho vai adorar.
-
Pois então, no Zoológico vou soltar o molequinho de dentro de mim. Seu garotão
vai se dar bem com ele, garanto. Vamos soltar muitas risadas juntos.
-
Criança atrai criança, sim?
-
Vamos ver.
-
Dizem que os poetas são eternas crianças em devaneio.
-
Tudo a ver, sim. Segundo o Candomblé sou filho de Oxalá e vivo cercado de
orixás vaidosos e moleques ao mesmo tempo, para mostrar que a fantasia dos
curumins tem embutida a pureza e a alegria ao mesmo tempo.
-
Saravá! Saravá! – exclama Suzana com um risinho crítico no rosto.
-
Nossos meninos maluquinhos cresceram, querida. Mas, nunca vamos esquecer do
tempo em que brincávamos de ‘marcha soldado’ com um caldeirão na cabeça –
revela o rapaz com um olhar divertido.
- Háháhá!
- O
adulto, Suzana, que perde a criança dentro de si, perde boas oportunidades de
aprender com a própria existência. Certo?
- Certíssimo.
-Thomas
Henry Huxley reforça a ideia, dizendo que o
segredo da genialidade é carregar o espírito da infância na maturidade. Não
tem melhor maneira para perceber, em menor grau, as marcas do tempo atuando em
seu corpo.
-
Ah, sim.
-
Minha mãe ainda vive dizendo que, ao invés de ser jornalista, deveria trabalhar
num Zoológico.
-
É mesmo?
-
Como a vida tem outras exigências, meu caminho dobrou outra esquina. Mas, não
abandonei o grande conselho de Rosa: amar
os animais é aprendizado da humanidade.
Pausa.
Suzana:
- Olha,
rapaz, se gosta tanto assim por não se dedica também à zooliteratura, passando
para o papel as fantasias de menino do interior como você foi na infância?
- Misturar
alegorias e realidade?
- Por que
não?
- Caso a pensar.
- Com
muito carinho, viu?
- Viu.
- As
histórias infantis precisam de você para fazer parte das histórias de vida das
crianças atuais, escrevendo livros sem aquele tom didático, muitos, até meios
abobalhados. A literatura só tem a ganhar com suas ideias inovadoras que, com
certeza, vão produzir grande impacto na vida de todos nós. Pense nisso.
Risos.
Mathieu:
- Tem
razão. Gabriel García Márquez vive dizendo que a vida não é só o que se vive, mas o que se lembra para a gente poder
contar isso para o mundo.
- Ã-Hã!
Pausa. O
rapaz, após um gole de cerveja:
- Curtia
p’ra ‘caramba’ as fábulas dos animais falantes. Guimarães Rosa, inspirado no
seu tio, Vicente Guimarães, povoou seus livros de bichos de todas as espécies,
misturando fantasias e realidade, num jogo de vivências e lembranças.
- Rosa?!...
- Em
Sagarana, Rosa mostra como os humanos convivem e se misturam o tempo todo com
os bichos, criam vínculos. Mais ainda com os animais que sempre foram máquinas
a serviço da humanidade, como os burros, os cavalos, os bois, as vacas, sem
falar das cabras e dos bodes. Muito legal! No conto Meu tio
o Iauaretê, apontado por alguns críticos como auto anulação do homem
e seu desejo de zoomorficação, Guimarães atinge o ápice de sua experimentação
com a linguagem. Muito legal.
-
Concordo, Math.
-
Admiro também as obras de Vovô Felício e de Monteiro Lobato. Quantas memórias deixaram
na memória das crianças desse mundo encantado que, certamente, vão encantar
gerações e mais gerações Brasil afora?
- Li
todos na infância. Para mim o conto de fadas nunca vai acabar, é um verdadeiro
mergulho na imaginação.
Pausa.
Mathieu:
- Sabia
que o gênero fábula até La Fontaine, no século 17, era considerado menor?
- Sério?
- Mesmo
exercido por autores clássicos, quase sempre se tratava de uma forma artificial
de dizer o que se quer falar pela boca dos animais, tornando próprio dessas
criaturas as virtudes e defeitos dos humanos. Dessa forma, a fábula com toda
sua dimensão fantasiosa, tinha como destinatário a atenção das crianças.
- Então é
por isso que se tornou parte de um arsenal mais pedagógico do que literário?
Mathieu
balança a testa, aquiescendo.
- La
Fontaine, em vez de humanizar os animais, animalizou os homens ao mostrar que o
homem é o lobo do próprio homem. O escritor francês, vocacionado por uma
habilidade lírica imensa, ofereceu substância poética a um material,
aparentemente, de menores possibilidades expressivas. Foi o maior sucesso.
- Amo La
Fontaine!
- Muito
bom mesmo!
-
Voltando... Voltando a agulha... Nesse gênero, Math, você pode inventar seu
mundo possível de bichos e converter, a seu modo e estilo, os não humanos em
símbolos, metáforas e alegorias das pessoas.
- Lógico
que sim – assegura o rapaz.
- Clarice
Lispector também produziu literatura infantil de qualidade. No conto O Búfalo,
enfoca o tema da animalidade no humano.
- Não
conheço a história. Mas, suponho que sim – observa o rapaz.
Pausa.
Suzana:
-
Histórias de ontem, mas sempre atuais. Vez ou outra me vejo com um livro
infantil nas mãos. Resgata a infância e me deixa mais light para enfrentar a correria do mundo de hoje.
Mathieu
pega o copo e toma um pouco de cerveja, afirmando:
- Um dia,
querida, vou começar a escrever histórias infantis, sim. Recuar na memória e
dar asas a lembranças mais afastadas para contar coisas que, desde muito cedo,
ficaram acumuladas dentro de mim. As imagens da infância não saem da gente, não
é mesmo?
- Não.
- Lembro
que, em época de chuvas, até as poças d’água me divertiam. Quanto mais fundas e
barrentas, mais sedutoras se tornavam. Vê se pode?
- Legal.
- Sem
falar que é uma boa chance de resgatar os valores apurados na infância com meus
pais e avós
- outros tempos, outra realidade, não é mesmo? Nunca vou deixar essa
criança ir embora, pode crer. Nunca!
Suzana,
depois de tomar um pouco de cerveja e acender outro cigarro.
- Até
Sartre nos brindou com narrativas nesse seguimento. Em 1964, o filósofo francês
publicou sua admirável incursão literária à infância, registrada no livro As
Palavras. Leu?
- Também
não.
- É o
único ensaio autobiográfico do filósofo francês, dividido em apenas dois
capítulos: Ler e Escrever. No primeiro, o autor narra o admirável
relacionamento com sua jovem mãe. No segundo, ele fala de sua adolescência.
-
Obrigado pela dica, vou comprar.
- Não
precisa, tenho o livro em casa. Empresto para você, quer?
- Quero
sim. Obrigado.
- Ah, foi
sua última obra publicada em vida, sabia?
- Sim. O
interessante é que, no mesmo ano do lançamento, Jean-Paul Sartre recusou o
Prêmio Nobel, alegando as ambiguidades políticas do troféu e a incompetência
dos juízes.
Suzana,
depois de uma longa tragada no cigarro:
- O mais belo triunfo do escritor é fazer
pensar o que podemos pensar, ensina Delacroix.
- Claro.
- Nada
mais filosófico. Certo?
O rapaz,
depois de mais um gole de cerveja, promete:
-
Lá no Zoológico vou pagar sorvetes de ameixa para nós todos.
-
Ai, que delícia..., adoro vaca-preta!
-
Pois bem.
- Desde minha mocidade ninguém me convida
para tomar um sorvete, acredita?
- Ô, dó!
-
Amanhã às 8 horas, tudo bem?
-
Combinado. Será um domingo inesquecível, pode crer – adianta Suzana.
-
Ã-Hã. Como o Zoo fica na região da Pampulha, já emendo outro pedido.
- Qual?
- A gente
aproveita para fazer uma visita à igrejinha de São Francisco de Assis, pode
ser?
- Bem
pensado. Meu filho acha meio esquisito a Via Sacra pintada por Portinari. Toda
vez que lá fomos, o Juninho passava um tempão procurando entender alguma coisa
do que o artista quis dizer com aqueles traços disformes. Depois me enchia de
perguntas.
- Garoto
esperto!
- O
menino mostra muita afinidade com as artes - enaltece Suzana, satisfeita.
- Força
do sangue, não me surpreende. Além do mais, ele convive com uma pinacoteca em
casa, formada por nomes de ponta da arte brasileira.
- Ajuda a
apurar a sensibilidade, claro. Deve auxiliar na formação do adulto, não é
mesmo?
-
Evidente.
- Eu me
preocupo muito com o adulto que meu filho se tornará.
- Ah,
sim.
- A gente
não manda nas atitudes dos filhos, mas o que a gente quer é que eles sejam
felizes.
Pausa. O
rapaz puxa uma tragada no cigarro, expele a fumaça e pergunta:
- E você,
criatura, quando não tem o clube ou o passeio ao Zoológico, o que costuma fazer
aos domingos?
- Quase
nada. José Renato sempre inventa alguma coisa fora de casa para fazer. Para
variar, só para ele.
-
Perguntei por você.
Suzana
com um brilho comovido nos olhos, responde:
-
Enterrada dentro de casa, tiro uma parte do domingo para fazer uma boa leitura.
Os livros nos ajudam a não se sentir tão só no mundo, não é mesmo?
- Claro.
- No mais
é ficar quieta em meu canto, revendo minha existência como mulher e como mãe
numa família que se destroça. Não importa. Sempre gostei de momentos assim para
refletir, principalmente, naqueles dias que não consigo me concentrar em nada
de tão entediada – revela Suzana.
Houve um
silêncio. O rapaz curva-se e pousa-lhe um longo beijo na mão direita, com doce
pressão, dizendo em tom macio:
- O que
tem seu lado positivo, claro. Ajuda a se assumir em outro cosmo.
* FBN© - 2012 – Domingo no Parque..., NUMA NOITE EM 68
- Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.:
óleo de Manet – ‘Domingo no Parque’. Link:
http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/13xiii-domingo-no-parque.html
- 13 -
-