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Manifestations.
Estudantes em protesto na França
Paris 1968 - É Proibido Proibir
Depois de um pequeno silêncio, Mathieu toma mais um pouco de cerveja. Faz um gesto de mão para que Suzana o ouvisse com atenção:
-
Em maio último, a insurreição protagonizada pelos estudantes da margem esquerda
do Rio Sena, contra o autoritarismo do governo francês, marcou um dos maiores
protestos sociais da história da civilização. Abandonaram as salas de aula e,
durante 30 dias, foram às ruas levantar barricadas e trincheiras de guerra para
confrontar a polícia.
- Ã-Hã.
- Com
aquela voracidade juvenil, empunhando faixas com frases ousadas e gritos dentro
e fora das universidades, realizaram a maior revolução cultural que a França e
o mundo já viram.
- Une aventure de la pensée critique! –
adverte a professora.
- Aventura?!...
- Aventura?!...
- Sim.
- Ora,
Suzana, estudantes de Sorbonne e Nanterre viveram uma onda gigantesca de
manifestações anti-governo, repudiando a política paquidérmica e repressora de
Charles de Gaulle. Ameaçaram até desencadear campanhas de desobediência civil,
caso não fossem ouvidos.
-
Protagonismo juvenil, Math, não vê? Nada mais nada menos do que aquela coisa de
jovem achar que ele deve ser sempre o ator principal em tudo na vida!
Risos.
Mathieu:
- Protagonismo
de jovens que querem se colocar no cenário público, reivindicando e assumindo
lideranças. Manifestação de uma juventude que quer participar e intervir no
planejamento social da sociedade, na sua avaliação e na apropriação dos
resultados. Querem mudar o mundo, sim.
- Háháhá!
- Isso
mesmo. Manifestações de rua, em confronto com a polícia, fazem parte da equação
política em que o povo reivindica o direito de participar. Protestaram contra a
ordem estabelecida, contra o ‘sistema’, protestaram pela liberdade de fazer
protestos.
- Ã-Hã!
- Continuam
unidos, têm ponto de encontro, destemor, otimismo e confiança. Enfim, a voz da
juventude de Sorbonne já ecoou de Paris para o resto do planeta, dando força à
maior revolução de costumes da história da humanidade.
- Arre!
-
Empurrados por esse ideal, sem trégua milhares de rostos jovens e vozes firmes
se multiplicaram nas ruas de Paris com seus cartazes, suas reivindicações.
Cartéis com frases atacando a polícia e políticos de todos os partidos foram
uma das marcas dos protestos. Abaixo às imposições!
-
Háháhá... Até agora não vi nenhuma cabeça no chão. Sinal que não há nenhum
Robespierre por lá.
- Ora...
- Coisa
dos franceses, com sua fala carregada de ‘erres’, querendo impor suas teorias
conspiratórias. Brigam-se. Depois do vendaval, voltam-se à paz. E tudo acaba em
croissant.
- Ai que
você se engana. O que a gente vê hoje é uma geração de universitários
extremamente crítica que briga por direitos iguais para todos. Mais ainda para
as mulheres. A causa é de todos, qual o problema?
- Ora,
Math, ainda não percebeu que a juventude francesa se mobiliza a favor de uma
revolução dos desejos individuais, contra a austeridade das universidades?
-
Certíssimo.
- No
fundo, no fundo os estudantes de Sorbonne desejam mesmo é a abolição dos freios
sociais. Bagunça sem fim. Vê se cola?
- Salve!
-
Abençoados pelas ideias do filósofo Michel Foucault, que vive entre a política
e a vida nua, com suas obras iluminando questões contemporâneas baseadas em
manifestações populares.
- Sem
dúvida. Foucault, conhecido pelo espírito liberal que tanto anima a juventude,
prega uma forma superior de educação para a cidadania.
- Por
isso mesmo que seus alunos ambicionam o direito de transar com as colegas nos
dormitórios universitários, de não ter que arrumar os quartos e, muito menos,
de não precisar fazer provas nas Faculdades. Posam de angry young kids contra o status
quo. Ah, vê se pode?
Mathieu
solta uma gargalhada. Levanta o copo e toma gole de cerveja, bradando:
- Senhor da Sabedoria, atenda a voz
dessa mocidade!!!!...
- Ah,
Math, tem cabimento?
-
Autênticos baby-boomer.
- Baby-boomer?
- Jovens
nascidos após a Segunda Guerra que lutaram pelo estabelecimento de uma nova
conduta para a sexualidade, para o corpo e para a constituição familiar.
- Juro
que não sabia.
- Celebraram
o espírito de liberdade sob influência do rock e de ideologias libertadoras.
Sua filosofia se baseia em novos conceitos de amor, harmonia, paz, liberdade e
cuidados com o planeta.
-
Interessante.
- Viva a
França! – expressa o rapaz, elevando o copo de cerveja no ar.
Descrente,
a mulher rebate:
- O
governo francês não vai ceder tão fácil a tudo que pede esse grupo de
anarquistas.
- Ah,
vai. Vai, sim. De Gaulle vai ter que ouvir o que tem a dizer os estudantes de
seu país e deixar de jogar gás lacrimogêneo neles toda que vez que se
manifestarem pelas ruas de Paris. As vozes das ruas assustam os políticos,
porque se impõem e mostram que vieram para ficar. Sabe o presidente que, para
fabricar um incêndio basta uma fagulha e um pouco de oxigênio. E a faísca pode
ser sua intransigência, parada no sinal vermelho.
- Será?
- Não adianta. Vão continuar com suas caras expostas, enquanto não forem atendidos em todas as suas reivindicações. Intelectuais franceses engrossam as fileiras de protestos dos universitários, somando peso nesse duelo que tem como fim o desejo de transformar o mundo. Entendem eles que o movimento não visa o poder estatal mas, sim, explorar os sentidos da vida.
- Não adianta. Vão continuar com suas caras expostas, enquanto não forem atendidos em todas as suas reivindicações. Intelectuais franceses engrossam as fileiras de protestos dos universitários, somando peso nesse duelo que tem como fim o desejo de transformar o mundo. Entendem eles que o movimento não visa o poder estatal mas, sim, explorar os sentidos da vida.
- Mesmo
assim, o governo francês não cederá tão fácil, pode crer.
- Paul
Valéry, de quem Charles De Gaulle é confesso admirador, consagrou as manifestações
estudantis de Sorbonne. Sempre muito lúcido, ele continua oferecendo boas doses
de pólvora aos universitários. O
pensador francês há muito defende que as ideias de tempo e futuro também passam
por mutações. Portanto, o Presidente da França não deve confrontar com o
pensamento de um homem com a estatura científica de Valéry. Até porque, politicamente
falando, isso não seria de bom tom numa nação que sempre se destacou no mundo
das mudanças.
- Sei
não! Sei não!
- Acorda,
Suzana, acorda. Esses protestos não são movimentos da extrema esquerda, nem uma
rebelião puramente de adolescentes. E, muito menos, uma manifestação isolada. É
de todos os franceses, de todos os cidadãos do mundo.
- Sim.
- Olha
aqui: existem dois os modelos de protagonismo juvenil. O primeiro, quando os
jovens praticam a ação de maneira autônoma. O outro, quando as pessoas do mundo
adulto apoiam e participam junto com os jovens. É o caso. Tanto que pensadores
como o casal das letras Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Guy Debord, André
Gorz e Dorine, partidários de opiniões democráticas até a medula, estão aí
engrossando essa rede de indignação e de esperança. Não tivessem consciência
absoluta dos benefícios dessa luta para a humanidade, jamais jogariam luz sobre
o ideário de uma geração que sonha mudar o mundo, que confronta por uma nova
mentalidade social.
-
Política intelectual, não vê?
- É o
levante da parte mais intelectualizada da sociedade francesa que quer pôr um
fim a essas questões. A classe intelectual, que sempre esteve insatisfeita com
o obscurecimento político, agora desperta. Entende?
- Sonhos
de grandeza teórica..., proselitismo ideológico..., contemplação de umbigo...,
sei lá o que mais. Muita gente aproveita e se projeta sobre isso até para
atrair a atenção da mídia.
- Nada
disso. Estão ai para defender a união dos ‘pequenos’ contra a opressão política
dos grandes. E, por tabela, criticar também a grande influência da
religião na sociedade atual.
- Ah,
Math!
- Mais do
que nunca querem que os efeitos da luta da juventude francesa não sejam
menosprezados. São pensadores da esquerda progressista que, na essência, pregam
socialismo com face mais humana, baseado no respeito ao indivíduo, na paz e no
desenvolvimento social.
- Grupo
de visionários?!...
- Não é
não.
Suzana
balanceia a cabeça, enquanto tragava a fumaça de um cigarro.
- Se você
pensa assim?
- Por
isso mesmo, querida, que a luta saiu das Universidades e chegou às ruas de Paris
como um rastro de fogo. Cheios de bravura os jovens, à sua maneira, pintaram
muros, brandiram cartazes com mensagens aterrorizantes para De Gaulle e seu
exército de ministros. Uma lição valiosa, não acha?
-
Háháhá... Até hoje quando me falam de Paris, nem champagne, nem croissant ou
Champion visualizo. O que me vem à cabeça quando penso na França são nuvens de
fumaça, correria, jovens, quebra-quebra, rostos encobertos, polícia em estado
bruto aterrorizando todo mundo.
- Não
seja dramática.
- Ora,
Math, o que a gente viu durante aqueles dias foi muita baderna, pichações com
dizeres desconexos e palavras de ordens utópicas. Poluição visual pura. Nada
muito além disso.
- Ora,
ora... Mensagens que guardavam a razão legítima camuflada atrás delas, isso sim
- com um olhar mais atento qualquer um percebeu surtos de aversão da juventude
ao poder político constituído na França. Na verdade, cada manifestante com sua
caligrafia, humor e indignação, levou para os muros e para a cartolina
conceitos que já não cabiam dentro das faculdades francesas, exigindo mudanças
sociais imediatas no país. É o novo jeito de mobilizar e protestar, um novo
jeito da juventude dar seu recado.
- É.
- Não viu
a paralisação de protesto do dia 20, quando estudantes se aliaram aos trabalhadores
para impor greve geral de 24 horas em Paris? Cerca de seis milhões de grevistas
ocuparam fábricas e fizeram a cidade-luz amanhecer apagada, praticamente, sem
metrô, ônibus, telefones e outros serviços públicos?
- Bagunça
de vândalos, transgressores! Vi pela televisão a baderna o que os rebeldes
fizeram, arruaça total.
- Eu
adorei, Suzana.
-
Quebraram vitrines de lojas, puseram fogo em carros, depredaram calçadas, tudo.
Precisava de tanta violência?
- Adorei
a anarquia na cidade, mostrou força. Torci até para as estudantes francesas
fazer topless em praça pública, tirando e queimando sutiãs para mostrar
autonomia sobre o próprio corpo – brinca o rapaz sorrindo.
- Vixe!
- Nada
mal. Topless com causa.
- Aí já
seria demais, não?
-
Perderam a chance de serem as primeiras no mundo a destruir sutiãs,
publicamente, em sinal de protesto contra a condição subalterna das mulheres na
sociedade.
-
Caramba!
- O
pioneirismo coube à ativista Robin Morgan. Ela protagonizou esse ato em
setembro último, bem no meio da apresentação do Concurso Miss América, em Nova York. Seu intento foi chamar atenção do
mundo no combate ao patriarcado, ou seja, modelo de organização da sociedade em
que o homem prevalece sobre tudo.
Depois de
tomar mais um pouco de cerveja e acender outro mentolado, Suzana eleva o copo
no ar com um sorriso ligeiro no rosto.
-
Parabéns. Um brinde a ela.
Risos.
Mathieu:
- Maio de
68 forneceu substrato social para mudar as relações entre raças, sexos e
gerações no final dos anos 1960. Tanto que, após a explosão do movimento
francês, de uma forma direta e imediata, as ocupações de universidades se
multiplicaram e os conflitos se espalharam por dezenas de cidades na Europa e
no resto do mundo.
- Eu sei.
- Na
Universidade de Frankfurt, estudantes da esquerda e da direita entraram em
choque, quebraram o pau. Em junho, universitários de Milão tomaram a sede de um
jornal, impedindo sua circulação. Nos países do Leste Europeu como Polônia,
Tchecoslováquia e Iugoslávia, a juventude protestou pelo afrouxamento do comunismo
de influência soviética. Pena que, em todos os lugares, as greves nas
universidades foram reprimidas com selvageria pela polícia.
- Você
queria o quê?
O rapaz
exalta-se:
- Vida
longa a Sorbonne! Vida longa a Nanterre!
- Hummm!
- Vive la
démocratie! Viva Paris!
- E viva
o que mais?
- Viva
Suzana que contesta Sartre..., que contesta Foucault..., que contesta
Sorbonne..., que contesta sexo livre..., que contesta o sonho de liberdade que
vem deixando traços e marcas no planeta como a maior revolução comportamental
que o mundo já viu.
- Chega.
Nem tanto.
Mathieu
mais entusiasmado:
- Viva
Suzana, do alto de sua beleza e inteligência, exultante mulher de faces
levemente douradas!
- Ora,
Math!
- Salve!
Ela
suspira longamente e volta a sorrir, dizendo:
- Ah, se
é assim..., se é assim... Mon Dieu,
quem sou eu para contestar? Saúde!
* FBN© - 2012 – Primavera de 68 na França..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: Paris, 1968 - É Proibido Proibir – Manifestations – vídeo YouTube – Link: http://numanoiteem68.blogspot.com/2011/01/21xx-as-barricadas-estudantis-de-maio.html?zx=6f01b9ffbf6742b
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