2011-01-03

17/XVII – GERAÇÃO DESCOLADA.

*

Marc Chagall

Les Temps Modernes, óleo sobre tela. 

 


Suzana pergunta tocando o braço do rapaz:

- E você, Math, tem dançado muito?

- Muito. Nada melhor do que a dança para fazer a gente fugir um pouco da realidade de um dia de trabalho estressante, principalmente, quando se dança com aquela pessoa que te dá prazer. Cura tudo, até mau-humor.

- Caramba! – exclama a mulher, dando uma risada.

- Em qualquer compasso, rápido ou lento com as pernas enroscadas, é muito bom. Além de trabalhar o corpo inteiro e a mente, melhora o metabolismo e leva a autoestima lá para cima.

- Bacana!

- Sou um pé de valsa nato – brinca Mathieu, balançando a cabeça.

- Hummmmm!

- Dos bons, posso garantir.

- Meu Deus, gosta tanto assim?

- Dançar não trabalha com contraindicações, querida. Como disse, é uma atividade extremamente prazerosa que só faz bem ao corpo. Areja a cabeça e dá mais ritmo e alegria à vida. Quem dança espanta todos os males, combate a depressão, inclusive. Dançar só faz bem, é muito importante.

- Sei.

- Por isso mesmo, Suzana, que nossos instrumentos corporais se deliciam com uma boa dança. Exercita vários grupos musculares, ameniza a rigidez anatômica e garante boa dose de endorfina ao indivíduo, aumentando sua disposição para enfrentar o dia a dia. Não tem melhor remédio contra o tédio, viu?

- Terapia?

- Das boas. Sem falar que é boa ginástica cerebral para estimular nossos neurônios, o que é ótimo ao bem-estar.

- Imagino.

- De quebra, instiga a libido. Dançar é afrodisíaco, atiça inseguranças, sabia?

- Hum?

- Isso mesmo. Enquanto dançamos, as fantasias pululam orquestrando verdadeiro colóquio entre os dois corpos que bailam, um querendo o outro. É o diálogo do corpo, um delírio hormonal!

Suzana admirada:

- Diálogo do corpo?!... De que está falando?

- Querida, quando dançamos nossos corpos entram numa confabulação incrível. Não sabia?

- Mama mia!

- Incitados pelos hormônios da felicidade os ombros conversam com os ombros, as mãos conversam com as mãos, as faces com as faces... E assim por diante, todos os membros falando um só idioma, embalados pela cadência da música. Enfim, a taxa de testosterona aumenta e o organismo todo festeja, celebrando o mais puro jogo lúdico entre gêneros.

- Ah, é?

- Sem malícias, viu?

- Vai me dizer que não é o que pensei?

O rapaz não responde, ri apenas. Acende outro cigarro, dá uma tragada e solta a fumaça. Em seguida, esclarece:

- O corpo, Suzana, é um grande portador de mensagens, de informações, de sensações..., mil coisas. Muitas vezes, a linguagem corporal diz mais do que qualquer palavra.

- Mesmo?

- Verdade.

- Pelo que vejo é sua diversão predileta.

- O quê?

- Decifrar e sentir o diálogo do corpo feminino?

- Uma delas, claro.

Risos. Suzana:

- Não sei dançar, acredita?

- Está no prejuízo.

- Posso imaginar.

- Dançar, menina, é muito fácil, qualquer pessoa tira de letra. Só colocar um sorriso no rosto e deixar que o corpo decifre o ritmo de uma boa melodia. Está no sangue do ser humano, rola naturalmente. A boca canta e o corpo acompanha.

- É assim mesmo.

- A dança é algo tão íntimo das articulações do corpo humano, que diante de qualquer som melodioso, uma pessoa começa a se articular no compasso da música, levando alegria para o cérebro.

- Sem dúvida.

- Então?

- Vou correr atrás do prejuízo, me aguarde.

- Torço.

Risos. Em tom divertido Suzana pergunta:

- Sai para paquerar todo dia, rapaz?

- Todo o dia não. Só à noite.

- Uma noite sim. Outra, também?

- Para mim todas as noites são especiais.

- Ah, é?

- Por aí. Há homens que são da noite, há homens que são do dia. Para os da noite, a agenda é cheia. Para os do dia, nem sempre. Como normalmente são comprometidos, eles paqueram em pontos de ônibus, shoppings, lanchonetes, et cétera e tal.

- Vixe!

- Em resumo: nunca quis ser santo. Viver com prazeres resumidos não bate com meu personagem, pode crer.  

- Tipo caçador.

- Caçador?

- Aquele chegado a andar pela noite atrás de um rabo de saia para se divertir na penumbra das madrugadas, provando para todas as mulheres que as noites são exclusivas, não é?

- Caramba!

- Imagino que é escolado o suficiente para abordar garotas que ambiciona para um romancezinho relâmpago. Deve tirar de letra todo truque na hora da conquista.

- Talvez.

- Exatamente por isso que você não para, vive fazendo arte.

- Caramba!

Suzana, depois de uma longa tragada no cigarro mentolado:

- Pelo que se vê, você aproveita bem a vida de solteiro.

- Tento.

- Vive em três conexões: para você mesmo, para as outras e para a vida de prazeres. Não é assim?

- Uai!

- Haja pique, cara!

Depois de retirar da carteira um cigarro e começa a fumar, o rapaz ressalta:

- A vida de solteiro, Suzana, é algo muito valiosa. Na cidade, onde anuncia dança estou lá, sim. Raramente perco as horas-dançantes do Caape.

             Suzana com cara de surpresa:

- Caape?

- Centro Acadêmico Afonso Pena, da Escola de Direito. Lá a noite vibra mais. Ignoro melhor lugar para exercitar o AA.

- Que isso?

– Ansiedade de Aproximação.

- Háháhá!

- Conhece o Caape?

- Da sala do meu apartamento vejo a zoeira noturna da moçada no pátio da Escola de Direito, só não sabia que o lugar chamava-se Caape.

Risos. Mathieu:

- Incomoda?

- Até gosto, mas José Renato rezinga o tempo todo. Fica puto de raiva com tantos decibéis que vem dali todos os sábados. Gandaia geral até o amanhecer! Reclama que a algazarra é como de uma matilha de cães solta sobre ele.

- Sei como é, conheço a figura.

- Um ‘mala’, não é mesmo?

- Olha, Suzana, não existe melhor opção de lazer para os estudantes engajados na onda das mudanças sociais dos anos 60. Todos defendem a bandeira do ‘faça amor não faça guerra’,

  - Vish!

- O que acho bacana no Caape é que lá sopra o vento da contracultura com toda força. Tudo cabe ali! Nessa relação de deleite noturno entre os jovens, tudo é motivo para valorizar e dar mais sabor à liberdade. Lá dentro qualquer um pode achar uma pessoa cheia de convicções modernas para curtir tudo no maior clima e na potência máxima, sem ter que abandonar a farra antes esgotar todos os prazeres da noite. São muitas as emoções, viu?

- Poxa!

- É que, no auge das emoções, as pessoas se tornam mais abertas, conversam umas com as outras. Até se abraçam mesmo sem se conhecer. As meninas do Caape são mais Cult, desencanadas.

- Mais oferecidas também.

- Não é por aí. Mesmo lá, uma cantada só funciona quando há reciprocidade, química. Se a reação é boa, pode continuar investindo com  sedução e ousadia. Caso contrário melhor tirar o corpo fora.

- Háháhá!

- Ser diferente é o que importa. Depois que a pílula liberou de vez o útero da mulher, elas estão tendo mais prazer, dando mais prazer.

- Imagino. Deixa a ideia de que muito, se não quase tudo, é permitido.

- Mordidas pela curiosidade, as garotas até seguem um determinado rapaz, por todos os lados, só para testar sua alta cotação na praça. Acredita?

Suzana bebe um gole de cerveja e estende o olhar ao rapaz:

- Topam qualquer ‘parada’?

- Como o prédio da Direito está em obras, todo lugar na área favorece bom momento para um agarramento, um ‘amasso’ legal. Aí, aí quando a efervescência emocional se junta à hiperestimulação, não tem nada que segura um casal se curtindo pelos cantos mais escuros. É normal, tudo em cima.

- Absurdo, meu Deus!

- Ora, querida, se liga.  Grande parte da inquieta população jovem de hoje, movida pela revolução comportamental, vem alterando suas sequências e ritmos de viver o amor. Regular o sexo está fora de moda, rebeldia total.

- Háháhá!

 - É por ai mesmo! O que de fato está acontecendo é uma liberação amorosa, resgatada pelo nobre sentimento do amor sem tanto compromisso sentimental. Sexo é bom, mas a intimidade é a grande sacanagem, dizem os mais afoitos.

- Pelo que vejo, com a ausência de controle policial, os jovens aproveitam e aprontam de tudo nessa festa. Como donos do pedaço, sexo-drogas-e-rock-and-roll deve rolar solto para queimar o juízo da moçada mais empolgada.

Mathieu abana a cabeça.

- Não posso dizer. Mas que a galera da Escola de Direito é mais para frente, isso é. Dopados pela obstinação da juventude contemporânea, tudo pode acontecer no meio da noite. O que não pode é ser comportado demais.

Suzana em tom crítico:

- Tipo ‘liberou geral’?

- São garotas e garotos que amam o delírio dos Rolling Stones, a lascívia de Elvis e a reverência dos Beatles, com aquela caricatura de bons mocinhos, embalados por sonhos de paz e amor. É isso.

- Absurdo! – desaprova a mulher.

Pausa. Mathieu:

 - As Universidades Públicas ainda não têm política eficaz para combater o uso das drogas psicotrópicas ou alucinógenas dentro de suas instalações. Sabe disso, ‘né?

- Passa da hora de ter, criar um enfrentamento diário nessas bocas de fumo. Tem de ser assim, uma batalha permanente. Ou será que os reitores não sabem que o cérebro do usuário de droga pode ficar bombardeado pela substância para o resto da vida?

- Sabem, sim. 

- E não fazem nada para inibir o uso de drogas nas Universidades?

- Pior que, cada dia mais cresce o número de alunos que, sem cautela alguma, fuma o baseado que o diabo enrola, vicia em heroína ou ingere Pervitin e Gardenal. Maconha é a ‘coisa’. A moçada puxa a erva, ou então não é cool o bastante. Curtição pura!

- Que coisa! – admira Suzana escandalizada.

- Droga é uma substância divina para a moçada. Potencializa as ideias, abre a mente e ajuda a ampliar os horizontes da percepção. Acredite ou não, para essa gente é um instrumento valioso para conhecer e contestar o mundo.

- Ai, meu Deus!

Mathieu com meio sorriso:

- Nessa maluquice que os ‘bichos-grilos’, ao som de Pink Floyd, misturam drogas capazes de provocar curtos-circuitos cerebrais com o intuito de protestar contra o status quo. Ou embarcar numa viagem de ácido em busca de comunhão cósmica da Idade de Aquário. Ou ainda versejar contra a Guerra do Vietnã. Bobeira!

- Triste.

- No fundo, no fundo cada usuário tem seu roteiro para se entorpecer. Alguns entram nessa onda por ‘zuação’ mesmo, outros por rebeldia ou por surto psicótico. Na verdade, todo usuário tem sua história para justificar o vício.

- Então a situação é mais grave do que a gente pensa. Pelo visto, para o Governo nossos drogados são absolutamente ninguéns.

- Por aí.

- Ah, Math, repito: não posso entender a razão do poder público não interferir com firmeza nesse problema. Sei lá, até mesmo lançar uma campanha de conscientização contra as drogas, principalmente, dentro das Universidades. Tratar do dependente químico é uma questão de saúde pública, não acha?

Mathieu abana a cabeça, concordando. Depois de tomar um pouco de cerveja, admite:

- Outro problema é o álcool com o mesmo efeito devastador, apesar de ser uma droga lícita.

- Sem dúvida.

- Na euforia das festas de fim de semana, tilinta nas garrafas de cerveja um sofrimento imensurável de muita gente por esse Brasil afora. O mapa da violência mostra que o álcool mata, aleija, destrói sem dó nem piedade todo santo dia.

- Pior que é.

- Para se ter ideia, Suzana, enquanto conversamos, nessa hora da noite, várias mulheres e crianças foram espancadas e violentadas por causa do excesso de bebida alcoólica.

- Imagino.

- Coberto de razão quando Oscar Wilde, no século passado disse que a história da mulher é a história da pior tirania que o mundo conheceu: a tirania do mais forte sobre o mais fraco.

- Infelizmente. Pouca coisa mudou de lá para cá.

O rapaz depois outro gole de cerveja:

- Mergulhados numa realidade machista, restam aos bêbados brincar com o que apreciam melhor: menosprezar as mulheres e as crianças ao seu redor, sem nenhum pingo de remorso. Embriagados, sentem-se todo-poderosos, onipotentes dentro de casa, ou em qualquer lugar.

- Bem, de qualquer forma, não concordo com o consumo irresponsável do álcool, muito menos das drogas ilícitas. Acho tudo isso deplorável – finaliza a mulher.  

O rapaz sorri compreensivo.

- Não tem besteira maior do que dizer que álcool, ópio e haxixe ajudam na criação intelectual. Conversa fiada! A criação, por si só, é um tipo de transe que requer lucidez. Sem lucidez é impossível criar, pode crer.

- Claro.

- Não preciso me drogar para ser um gênio, não preciso ser um gênio para ser humano. Mas preciso do seu sorriso para ser feliz. Certo? Palavras de Chaplin.

 - E você, Math, já puxou seu fuminho?

- Usei algumas vezes maconha, sim, mas deixei quando percebi que não me excitava em nada. Preferi não continuar.

- Maravilha.

- Quer saber, Suzana, não me preocupa muito se alguém puxa marijuana, cheira ‘loló’ da Rhodia ou coisa parecida. Isso é onda. É a geração Paz e Amor que faz apologia à irreverência comportamental. Geração que trocou o whisky pelo baseado, acreditando que a maconha promove a expansão da consciência. É onda, vai passar com o tempo – resume Mathieu.

E acrescenta com sorriso envaidecido:

- Importante é que as garotas com seus corpos cobertos por estampas indianas, mandalas psicodélicas e cheias de doses de paz e amor na alma continuem cometendo suas extravagâncias comportamentais, vivendo tudo que a juventude vem conquistando, dia após dia.

- Anarquia geral?!...

- Nem tanto. Nem tanto.

- O que a gente vê é a juventude atual, cada vez mais fora dos eixos, abandonada à ausência de significados morais.

- Sinal dos tempos, querida. Mulher moderna que se preza é feita dos asteriscos da Leila Diniz, da sabedoria de Simone de Beauvoir e da beleza perspicaz de Brigitte Bardot.

- Do jeitinho que você gosta?

Mathieu levanta um braço com o copo de cerveja na mão e grita eufórico:

- Viva a nova mulher! Viva o admirável mundo novo! Viva a geração Paz e Amor!

- Lá vem ele!

- Os tempos são outros, criatura, a história do nosso século deu uma grande virada. Hoje, soa em nossos ouvidos o apito estridente do não ao não, porque modernidade é o tempo das rupturas. Basta de repressões.

- Ah, Math!

- Por isso mesmo que as garotas conscientizadas, que não são nada bobas, nunca saem de casa sem uma cartela de anticoncepcional na bolsa, compradas até nos Campus das Universidades.

- Assim... Assim... Sem receita médica, nem nada?

- Não estão nem aí. São mulheres que lutam pelo desregramento e desejam evitar embaraços com o nascimento de um filho não planejado. Elas querem mudar o mundo, sem abrir mão das realizações pessoais.

- Não acha que estão indo muito depressa com o andor?

- Ora, criatura, o amor livre é o grande salto para a igualdade de direitos entre as pessoas. Portanto, fazer da castidade um slogan de comportamento é uma atitude muito do século 19. Alguma coisa contra?

 Suzana abaixa a cabeça. Meio atrapalhada, murmura:

- Quem sou eu para julgar. Quem sou eu.

- Com a descoberta da pílula, vivemos uma profunda transformação na forma de pensar, de viver o amor e o sexo. A mulher agora pode provar de tudo que achar que deve, a barra está limpa.

- Ai, meu Deus! Como é que fica a cabeça delas nesse exagero dos relacionamentos fast-food?

- Relaxa. Na esfera social, desde quando a mulher conquistou o direito de votar e ser votada no Brasil, consagrando vitória ao movimento liderado pela ativista Bertha Lutz, o pensamento feminino vem evoluindo, principalmente, no combate à condição de sexo frágil, moldado por uma sociedade falocêntrica como a nossa.

- Sei.

Em tom jocoso, Mathieu:

- Pode apostar. A maioria das universitárias de hoje já devoraram obras marcadas por rupturas e erotismo, escritas por autores que têm cacife para produzir joias tratadas com arte. Basta ler os livros de Cassandra Rios, Nelson Rodrigues, Adelaide Carraro, Jorge Amado, Hilda Hilst, Anais Nin, Marquês de Sade, Baudelaire, Boccaccio, Nabokov, Apollinaire, Breton, Júlio Diniz e outros escritores que não abriram mão da qualidade literária, só porque estavam escrevendo pornografia. Na pena deles, o erotismo ganhou nova tradução com personagens em carne viva.

- É.

- São autores que, de uma forma ou de outra, imprimiram palavras incendiárias em seus ensaios de temática sexual, capazes de levar o leitor a zonas escaldantes de delírio.

- Ã-Hã!

- É sério. Considerados até hoje os autores mais espantosos que já foram publicados a respeito da arte de seduzir mulheres, seus livros apresentam uma quantidade de detalhes psicológicos e práticos que permitem o garanhão levar para a sua alcova quantas mulheres sonhar.

- Meu Deus do céu!

- Cada um a seu estilo, estão aí para mostrar a sexualidade explicitamente viva, acreditando que a sociedade moderna não pode dar as costas para as problemáticas sociais e políticas do mundo. Pode crer

- Ah, Math!

- E, pelo que sei, as mulheres estão cada dia lendo mais essas publicações, costuradas com cenas de sexo fetichista e sadomasoquismo. O que deixou de ser problema para muitas delas. Preferem ler histórias que abordam temas apimentados, recheadas de boa dose de lubricidade, do que ver atores em cenas românticas numa tela de cinema - conclui o rapaz.

Suzana incrédula rebate:

- Esse lance de revolução sexual..., sei não! Tenho minhas dúvidas se vai colar no Brasil tão cedo, ainda estamos presos a uma série de tabus.

- Talvez demore um pouco, mas um dia é certo. 

- Aposto que os estudantes de Direito só apoiam a liberação da mulher da boca para fora ou quando estão fazendo amor com as ativistas. Na hora de casar vão logo atrás das mais ingênuas.

- Não é bem assim. Os rapazes sabem que as moças estão assumindo a sexualidade numa boa e, ao lado deles. Transar para elas já não é mais uma maldade e, sim, um ato de sedução, de amor e liberdade. Isso é a melhor parte do caminho, tudo que a mulher moderna sonha.

- Tenho minha desconfiança.

- Estão noutra, querida.  Batalham para viver a vida real de uma forma desencanada e não careta. O segredo está emoções de cada pessoa. Qual o erro?

- Ah!

- Sem o menor acanhamento e medo de parecerem ridículas, as mais eufóricas se mostram apaixonadas por sexo, vivendo um futuro que já chegou e está bem diante de nossos olhos. Sem o menor constrangimento, algumas tomam até a iniciativa de seduzir o cara.

Suzana começa a rir, ironicamente:

- Ah, essa é boa! Agora elas que arrastam os homens pelos cabelos até as cavernas? Melhor dizendo: pela gravata até o quarto?

- Se tiver a fim, por que não? O que antes as mulheres confidenciavam entre elas, hoje é exposto abertamente, porque o sexo anda livre e solto em qualquer lugar.

- Lamentavelmente.

- Querem homens apenas para usar depois da balada noturna. Depois, descartar o objeto de desejo numa boa, sem traumas.

- Háháhá! Têm de ser muito cara de pau. Meu Deus, onde é que estão com a cabeça?

- A palavra de ordem é chegar junto à presa e pagam para ver se Adão vai mesmo matar a cobra. Ou, sem metáfora, mostrar o cajado. São elas as pegadoras de minissaia e salto Luiz XV nos pés, levantando a bandeira da neossexualidade. Hoje em dia as mulheres vão à luta com tudo em cima, não dá mais para esperar serem cantadas.

- Pouca vergonha!

- Autonomia, querida! Mulher de hoje que achar que não pode tomar a frente numa conquista ou que não deve demonstrar que gosta muito de sexo é considerada ‘careta’. Fora da moda.

- Absurdo!

- Não falta mulher querendo essa troca de papéis, virar o barco. Um monte, viu?

- Arre!

- Les Temps Modernes, mon amour!

- Assim... Assim... Uma hora fica com um, outra com outro só porque o ‘barato’ agora é transar e logo partir para nova aventura. Ave Maria, a mulherada anda fácil demais! Não, não pode ser assim. Sexo está virando item de consumo, extremamente, reduzido a produto.

- Nada disso. A moçada pede sexo num jogo mais leve, longe de se aprofundar na esfera do sentimental, do drama e do patético.

- Decência e ética passam longe, não é?

- Novos tempos. A onda é essa, querida.

- Penso que sexo só depois do casamento. Para a Igreja, a virgindade é sagrada.

- Coisa mais antiga, amiga. Cai na real.

 - Precisa de limites.

- Alô! Alô, Suzana, acorda!

- Longe de mim de ser puritana ou moralista, muito menos maniqueísta, mas certas coisas, sinceramente...

- Vai dizer que...

- Vou dizer que sustentar essas práticas descomedidas é, na verdade, acionar o motor da depravação. É o fim. Se isso é revolução, confesso, eu não sei falar. Estou fora. Vou morrer sem entender a cachola desses militantes da hora.

Mathieu levanta os braços – as palmas das mãos para cima – e cantarola com ar sarcástico:

- Quem sabe faz a hora não espera acontecer.

- Sinto muito, não dá – exclama a mulher aborrecida.

- Fazer a hora tem sentido amplo. Vai desde ingressar na luta contra o governo militar, separar o sexo da reprodução, usar drogas, vestir-se com calças boca de sino, minivestidos ou saias indianas.

- Aqui ó!

- Abaixo a intolerância! Viva a liberdade sexual!

- Aberração?!

- Viva Hair na Broadway!

Pausa. Suzana ensaia um sorriso:

- Hair?!... Amo as canções Aquarius e Let the Sunshine In.

- O musical faz ode ao pacifismo. À liberação da mulher ao colocar todo o elenco nu no palco como símbolo de liberdade. Salve!

- Espero que quando for montado no Brasil, tenho a oportunidade de ver a peça – admite Suzana em tom mais leve.

- Joia.

- Quando?

- Ano que vem. A versão brasileira está sendo ensaiada em São Paulo com a direção de Ademar Guerra. No elenco Sônia Braga, Maria Helena, Arnaldo Bogus, Altair Lima, José França, Benê Silva, Neusa Maria, Marilene Silva, Aracy Balabanian, Laerte Morrone, Gilda Vandenbrande, Acácio Gonçalves e Bibi Vogel... Promete um bom espetáculo.

- Nossa!

O rapaz olha a mulher nos olhos e, descontraidamente, adverte:

- Querida, estressa não. Diz um velho ditado que a tristeza é para meditar e a dor é o fundo da existência. Portanto...

- Ah!

Mathieu, descontraidamente, abre de novo os braços e brinca:

- Quer dançar comigo?

- Não sei dançar.

- Te ensino os primeiros passos. É remelexo mais eficaz contra a depressão, viu?

- Vou pensar.

Suzana descontrai-se. Nos seus olhos, aos poucos, volta a brincar a mesma expressão afetuosa e divertida de uma mulher cheia de expectativas, apesar de tudo.



 


* FBN© - 2012 – Geração Descolada..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.:  Amores, de  Marc Chagall –Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/18xviii-geracao-descolada-de-1968.html?zx=231e4774de28dc83





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