Suzana pergunta tocando o braço do rapaz:
- E você,
Math, tem dançado muito?
- Muito.
Nada melhor do que a dança para fazer a gente fugir um pouco da realidade de um
dia de trabalho estressante, principalmente, quando se dança com aquela pessoa
que te dá prazer. Cura tudo, até
mau-humor.
-
Caramba! – exclama a mulher, dando uma risada.
- Em
qualquer compasso, rápido ou lento com as pernas enroscadas, é muito bom. Além
de trabalhar o corpo inteiro e a mente, melhora o metabolismo e leva a
autoestima lá para cima.
- Bacana!
- Sou um
pé de valsa nato – brinca Mathieu, balançando a cabeça.
- Hummmmm!
- Dos
bons, posso garantir.
- Meu
Deus, gosta tanto assim?
- Dançar
não trabalha com contraindicações, querida. Como disse, é uma atividade
extremamente prazerosa que só faz bem ao corpo. Areja a cabeça e dá mais ritmo
e alegria à vida. Quem dança espanta todos os males, combate a depressão,
inclusive. Dançar só faz bem, é muito importante.
- Sei.
- Por
isso mesmo, Suzana, que nossos instrumentos corporais se deliciam com uma boa
dança. Exercita vários grupos musculares, ameniza a rigidez anatômica e garante
boa dose de endorfina ao indivíduo, aumentando sua disposição para enfrentar o
dia a dia. Não tem melhor remédio contra o tédio, viu?
-
Terapia?
- Das
boas. Sem falar que é boa ginástica cerebral para estimular nossos neurônios, o
que é ótimo ao bem-estar.
-
Imagino.
- De
quebra, instiga a libido. Dançar é afrodisíaco, atiça inseguranças, sabia?
- Hum?
- Isso
mesmo. Enquanto dançamos, as fantasias pululam orquestrando verdadeiro colóquio
entre os dois corpos que bailam, um querendo o outro. É o diálogo do corpo, um
delírio hormonal!
Suzana
admirada:
- Diálogo
do corpo?!... De que está falando?
-
Querida, quando dançamos nossos corpos entram numa confabulação incrível. Não
sabia?
- Mama mia!
-
Incitados pelos hormônios da felicidade os ombros conversam com os ombros, as
mãos conversam com as mãos, as faces com as faces... E assim por diante, todos
os membros falando um só idioma, embalados pela cadência da música. Enfim, a
taxa de testosterona aumenta e o organismo todo festeja, celebrando o mais puro
jogo lúdico entre gêneros.
- Ah, é?
- Sem
malícias, viu?
- Vai me
dizer que não é o que pensei?
O rapaz
não responde, ri apenas. Acende outro cigarro, dá uma tragada e solta a fumaça.
Em seguida, esclarece:
- O
corpo, Suzana, é um grande portador de mensagens, de informações, de
sensações..., mil coisas. Muitas vezes, a linguagem corporal diz mais do que
qualquer palavra.
- Mesmo?
-
Verdade.
- Pelo
que vejo é sua diversão predileta.
- O quê?
-
Decifrar e sentir o diálogo do corpo feminino?
- Uma
delas, claro.
Risos.
Suzana:
- Não sei
dançar, acredita?
- Está no
prejuízo.
- Posso
imaginar.
- Dançar,
menina, é muito fácil, qualquer pessoa tira de letra. Só colocar um sorriso no
rosto e deixar que o corpo decifre o ritmo de uma boa melodia. Está no sangue
do ser humano, rola naturalmente. A boca canta e o corpo acompanha.
- É assim
mesmo.
- A dança
é algo tão íntimo das articulações do corpo humano, que diante de qualquer som
melodioso, uma pessoa começa a se articular no compasso da música, levando
alegria para o cérebro.
- Sem
dúvida.
- Então?
- Vou
correr atrás do prejuízo, me aguarde.
- Torço.
Risos. Em
tom divertido Suzana pergunta:
- Sai
para paquerar todo dia, rapaz?
- Todo o
dia não. Só à noite.
- Uma
noite sim. Outra, também?
- Para
mim todas as noites são especiais.
- Ah, é?
- Por aí.
Há homens que são da noite, há homens que são do dia. Para os da noite, a
agenda é cheia. Para os do dia, nem sempre. Como normalmente são comprometidos,
eles paqueram em pontos de ônibus, shoppings,
lanchonetes, et cétera e tal.
- Vixe!
- Em
resumo: nunca quis ser santo. Viver com prazeres resumidos não bate com meu
personagem, pode crer.
- Tipo
caçador.
-
Caçador?
- Aquele
chegado a andar pela noite atrás de um rabo de saia para se divertir na
penumbra das madrugadas, provando para todas as mulheres que as noites são exclusivas,
não é?
-
Caramba!
- Imagino
que é escolado o suficiente para abordar garotas que ambiciona para um
romancezinho relâmpago. Deve tirar de letra todo truque na hora da conquista.
- Talvez.
-
Exatamente por isso que você não para, vive fazendo arte.
-
Caramba!
Suzana,
depois de uma longa tragada no cigarro mentolado:
- Pelo
que se vê, você aproveita bem a vida de solteiro.
- Tento.
- Vive em
três conexões: para você mesmo, para as outras e para a vida de prazeres. Não é
assim?
- Uai!
- Haja
pique, cara!
Depois de
retirar da carteira um cigarro e começa a fumar, o rapaz ressalta:
- A vida
de solteiro, Suzana, é algo muito valiosa. Na cidade, onde anuncia dança estou
lá, sim. Raramente perco as horas-dançantes do Caape.
Suzana com cara de surpresa:
Suzana com cara de surpresa:
- Caape?
- Centro
Acadêmico Afonso Pena, da Escola de Direito. Lá a noite vibra mais. Ignoro
melhor lugar para exercitar o AA.
- Que
isso?
– Ansiedade
de Aproximação.
- Háháhá!
- Conhece
o Caape?
- Da sala
do meu apartamento vejo a zoeira noturna da moçada no pátio da Escola de
Direito, só não sabia que o lugar chamava-se Caape.
Risos.
Mathieu:
-
Incomoda?
- Até
gosto, mas José Renato rezinga o tempo todo. Fica puto de raiva com tantos
decibéis que vem dali todos os sábados. Gandaia geral até o amanhecer! Reclama
que a algazarra é como de uma matilha de cães solta sobre ele.
- Sei
como é, conheço a figura.
- Um
‘mala’, não é mesmo?
- Olha,
Suzana, não existe melhor opção de lazer para os estudantes engajados na onda
das mudanças sociais dos anos 60. Todos defendem a bandeira do ‘faça amor não
faça guerra’,
- Vish!
- O que
acho bacana no Caape é que lá sopra o vento da contracultura com toda força.
Tudo cabe ali! Nessa relação de deleite noturno entre os jovens, tudo é motivo
para valorizar e dar mais sabor à liberdade. Lá dentro qualquer um pode achar
uma pessoa cheia de convicções modernas para curtir tudo no maior clima e na
potência máxima, sem ter que abandonar a farra antes esgotar todos os prazeres
da noite. São muitas as emoções, viu?
- Poxa!
- É que, no auge das emoções, as pessoas se tornam mais
abertas, conversam umas com as outras. Até se abraçam mesmo sem se conhecer. As meninas do Caape são mais Cult, desencanadas.
- Mais
oferecidas também.
- Não é
por aí. Mesmo lá, uma cantada só funciona quando há reciprocidade, química. Se a reação é
boa, pode continuar investindo com
sedução e ousadia. Caso contrário melhor tirar o corpo fora.
- Háháhá!
- Ser
diferente é o que importa. Depois que a pílula liberou de vez o útero da
mulher, elas estão tendo mais prazer, dando mais prazer.
-
Imagino. Deixa a ideia de que muito, se não quase tudo, é permitido.
-
Mordidas pela curiosidade, as garotas até seguem um determinado rapaz, por
todos os lados, só para testar sua alta cotação na praça. Acredita?
Suzana
bebe um gole de cerveja e estende o olhar ao rapaz:
- Topam
qualquer ‘parada’?
- Como o
prédio da Direito está em obras, todo lugar na área favorece bom momento para
um agarramento, um ‘amasso’ legal. Aí, aí quando a efervescência emocional se
junta à hiperestimulação, não tem nada que segura um casal se curtindo pelos cantos
mais escuros. É normal, tudo em cima.
-
Absurdo, meu Deus!
- Ora, querida,
se liga. Grande parte da inquieta população jovem de hoje, movida pela
revolução comportamental, vem alterando suas sequências e ritmos de viver o
amor. Regular o sexo está fora de moda, rebeldia total.
- Háháhá!
- É por ai mesmo! O que de fato está acontecendo é uma liberação
amorosa, resgatada pelo nobre sentimento do amor sem tanto compromisso
sentimental. Sexo é bom, mas a intimidade é a grande sacanagem, dizem os mais
afoitos.
- Pelo
que vejo, com a ausência de controle policial, os jovens aproveitam e aprontam
de tudo nessa festa. Como donos do pedaço, sexo-drogas-e-rock-and-roll deve
rolar solto para queimar o juízo da moçada mais empolgada.
Mathieu
abana a cabeça.
- Não
posso dizer. Mas que a galera da Escola de Direito é mais para frente, isso é. Dopados
pela obstinação da juventude contemporânea, tudo pode acontecer no meio da
noite. O que não pode é ser comportado demais.
Suzana em
tom crítico:
- Tipo
‘liberou geral’?
- São
garotas e garotos que amam o delírio dos Rolling Stones, a lascívia de Elvis e
a reverência dos Beatles, com aquela caricatura de bons mocinhos, embalados por
sonhos de paz e amor. É isso.
- Absurdo!
– desaprova a mulher.
Pausa.
Mathieu:
- As Universidades Públicas ainda não têm
política eficaz para combater o uso das drogas psicotrópicas ou alucinógenas
dentro de suas instalações. Sabe disso, ‘né?
- Passa
da hora de ter, criar um enfrentamento diário nessas bocas de fumo. Tem de ser
assim, uma batalha permanente. Ou será que os reitores não sabem que o cérebro
do usuário de droga pode ficar bombardeado pela substância para o resto da
vida?
- Sabem,
sim.
- E não
fazem nada para inibir o uso de drogas nas Universidades?
- Pior
que, cada dia mais cresce o número de alunos que, sem cautela alguma, fuma o
baseado que o diabo enrola, vicia em heroína ou ingere Pervitin e Gardenal.
Maconha é a ‘coisa’. A moçada puxa a erva, ou então não é cool o bastante. Curtição pura!
- Que
coisa! – admira Suzana escandalizada.
- Droga é
uma substância divina para a moçada. Potencializa as ideias, abre a mente e
ajuda a ampliar os horizontes da percepção. Acredite ou não, para essa gente é
um instrumento valioso para conhecer e contestar o mundo.
- Ai, meu
Deus!
Mathieu
com meio sorriso:
- Nessa
maluquice que os ‘bichos-grilos’, ao som de Pink Floyd, misturam drogas capazes
de provocar curtos-circuitos cerebrais com o intuito de protestar contra o status quo. Ou embarcar numa
viagem de ácido em busca de comunhão cósmica da Idade de Aquário. Ou ainda versejar
contra a Guerra do Vietnã. Bobeira!
- Triste.
- No
fundo, no fundo cada usuário tem seu roteiro para se entorpecer. Alguns entram
nessa onda por ‘zuação’ mesmo, outros por rebeldia ou por surto psicótico. Na
verdade, todo usuário tem sua história para justificar o vício.
- Então a
situação é mais grave do que a gente pensa. Pelo visto, para o Governo nossos
drogados são absolutamente ninguéns.
- Por aí.
- Ah,
Math, repito: não posso entender a razão do poder público não interferir com
firmeza nesse problema. Sei lá, até mesmo lançar uma campanha de
conscientização contra as drogas, principalmente, dentro das Universidades.
Tratar do dependente químico é uma questão de saúde pública, não acha?
Mathieu
abana a cabeça, concordando. Depois de tomar um pouco de cerveja, admite:
- Outro
problema é o álcool com o mesmo efeito devastador, apesar de ser uma droga
lícita.
- Sem
dúvida.
- Na
euforia das festas de fim de semana, tilinta nas garrafas de cerveja um
sofrimento imensurável de muita gente por esse Brasil afora. O mapa da
violência mostra que o álcool mata, aleija, destrói sem dó nem piedade todo
santo dia.
- Pior
que é.
- Para se
ter ideia, Suzana, enquanto conversamos, nessa hora da noite, várias mulheres e
crianças foram espancadas e violentadas por causa do excesso de bebida alcoólica.
-
Imagino.
- Coberto
de razão quando Oscar Wilde, no século passado disse que a história da mulher é
a história da pior tirania que o mundo conheceu: a tirania do mais forte sobre
o mais fraco.
- Infelizmente.
Pouca coisa mudou de lá para cá.
O rapaz depois
outro gole de cerveja:
-
Mergulhados numa realidade machista, restam aos bêbados brincar com o que
apreciam melhor: menosprezar as mulheres e as crianças ao seu redor, sem nenhum
pingo de remorso. Embriagados, sentem-se todo-poderosos, onipotentes dentro de
casa, ou em qualquer lugar.
- Bem, de
qualquer forma, não concordo com o consumo irresponsável do álcool, muito menos
das drogas ilícitas. Acho tudo isso deplorável – finaliza a mulher.
O rapaz
sorri compreensivo.
- Não tem
besteira maior do que dizer que álcool, ópio e haxixe ajudam na criação
intelectual. Conversa fiada! A criação, por si só, é um tipo de transe que
requer lucidez. Sem lucidez é impossível criar, pode crer.
- Claro.
- Não preciso me drogar para ser um gênio, não
preciso ser um gênio para ser humano. Mas preciso do seu sorriso para ser
feliz. Certo? Palavras de Chaplin.
- E você, Math, já puxou seu fuminho?
- Usei
algumas vezes maconha, sim, mas deixei quando percebi que não me excitava em
nada. Preferi não continuar.
- Maravilha.
- Quer
saber, Suzana, não me preocupa muito se alguém puxa marijuana, cheira ‘loló’ da
Rhodia ou coisa parecida. Isso é onda. É a geração Paz e Amor que faz apologia
à irreverência comportamental. Geração que trocou o whisky pelo baseado, acreditando que a maconha promove a expansão
da consciência. É onda, vai passar com o tempo – resume Mathieu.
E acrescenta
com sorriso envaidecido:
-
Importante é que as garotas com seus corpos cobertos por estampas indianas,
mandalas psicodélicas e cheias de doses de paz e amor na alma continuem
cometendo suas extravagâncias comportamentais, vivendo tudo que a juventude vem
conquistando, dia após dia.
-
Anarquia geral?!...
- Nem
tanto. Nem tanto.
- O que a
gente vê é a juventude atual, cada vez mais fora dos eixos, abandonada à
ausência de significados morais.
- Sinal
dos tempos, querida. Mulher moderna que se preza é feita dos asteriscos da
Leila Diniz, da sabedoria de Simone de Beauvoir e da beleza perspicaz de
Brigitte Bardot.
- Do
jeitinho que você gosta?
Mathieu
levanta um braço com o copo de cerveja na mão e grita eufórico:
- Viva a
nova mulher! Viva o admirável mundo novo! Viva a geração Paz e Amor!
- Lá vem
ele!
- Os
tempos são outros, criatura, a história do nosso século deu uma grande virada.
Hoje, soa em nossos ouvidos o apito estridente do não ao não, porque modernidade
é o tempo das rupturas. Basta de repressões.
- Ah,
Math!
- Por isso
mesmo que as garotas conscientizadas, que não são nada bobas, nunca saem de
casa sem uma cartela de anticoncepcional na bolsa, compradas até nos Campus das
Universidades.
-
Assim... Assim... Sem receita médica, nem nada?
- Não
estão nem aí. São mulheres que lutam pelo desregramento e desejam evitar
embaraços com o nascimento de um filho não planejado. Elas querem mudar o mundo,
sem abrir mão das realizações pessoais.
- Não
acha que estão indo muito depressa com o andor?
- Ora,
criatura, o amor livre é o grande salto para a igualdade de direitos entre as
pessoas. Portanto, fazer da castidade um slogan de comportamento é uma atitude
muito do século 19. Alguma coisa contra?
Suzana abaixa a cabeça. Meio atrapalhada,
murmura:
- Quem
sou eu para julgar. Quem sou eu.
- Com a
descoberta da pílula, vivemos uma profunda transformação na forma de pensar, de
viver o amor e o sexo. A mulher agora pode provar de tudo que achar que deve, a
barra está limpa.
- Ai, meu
Deus! Como é que fica a cabeça delas nesse exagero dos relacionamentos fast-food?
- Relaxa.
Na esfera social, desde quando a mulher conquistou o direito de votar e ser
votada no Brasil, consagrando vitória ao movimento liderado pela ativista
Bertha Lutz, o pensamento feminino vem evoluindo, principalmente, no combate à
condição de sexo frágil, moldado por uma sociedade falocêntrica como a nossa.
- Sei.
Em tom
jocoso, Mathieu:
- Pode
apostar. A maioria das universitárias de hoje já devoraram obras marcadas por
rupturas e erotismo, escritas por autores que têm cacife para produzir joias
tratadas com arte. Basta ler os livros de Cassandra Rios, Nelson Rodrigues,
Adelaide Carraro, Jorge Amado, Hilda Hilst, Anais Nin, Marquês de Sade,
Baudelaire, Boccaccio, Nabokov, Apollinaire, Breton, Júlio Diniz e outros
escritores que não abriram mão da qualidade literária, só porque estavam
escrevendo pornografia. Na pena deles, o erotismo ganhou nova tradução com
personagens em carne viva.
- É.
- São
autores que, de uma forma ou de outra, imprimiram palavras incendiárias em seus
ensaios de temática sexual, capazes de levar o leitor a zonas escaldantes de
delírio.
- Ã-Hã!
- É
sério. Considerados até hoje os autores mais espantosos que já foram publicados
a respeito da arte de seduzir mulheres, seus livros apresentam uma quantidade
de detalhes psicológicos e práticos que permitem o garanhão levar para a sua
alcova quantas mulheres sonhar.
- Meu
Deus do céu!
- Cada um
a seu estilo, estão aí para mostrar a sexualidade explicitamente viva,
acreditando que a sociedade moderna não pode dar as costas para as problemáticas
sociais e políticas do mundo. Pode crer
- Ah,
Math!
- E, pelo
que sei, as mulheres estão cada dia lendo mais essas publicações, costuradas
com cenas de sexo fetichista e sadomasoquismo. O que deixou de ser problema
para muitas delas. Preferem ler histórias que abordam temas apimentados,
recheadas de boa dose de lubricidade, do que ver atores em cenas românticas
numa tela de cinema - conclui o rapaz.
Suzana
incrédula rebate:
- Esse
lance de revolução sexual..., sei não! Tenho minhas dúvidas se vai colar no
Brasil tão cedo, ainda estamos presos a uma série de tabus.
- Talvez
demore um pouco, mas um dia é certo.
- Aposto
que os estudantes de Direito só apoiam a liberação da mulher da boca para fora
ou quando estão fazendo amor com as ativistas. Na hora de casar vão logo atrás
das mais ingênuas.
- Não é
bem assim. Os rapazes sabem que as moças estão assumindo a sexualidade numa boa
e, ao lado deles. Transar para elas já não é mais uma maldade e, sim, um ato de
sedução, de amor e liberdade. Isso é a melhor parte do caminho, tudo que a
mulher moderna sonha.
- Tenho
minha desconfiança.
- Estão
noutra, querida. Batalham para viver a vida real de uma forma desencanada
e não careta. O segredo está emoções de cada pessoa. Qual o erro?
- Ah!
- Sem o
menor acanhamento e medo de parecerem ridículas, as mais eufóricas se mostram
apaixonadas por sexo, vivendo um futuro que já chegou e está bem diante de
nossos olhos. Sem o menor constrangimento, algumas tomam até a iniciativa de seduzir
o cara.
Suzana
começa a rir, ironicamente:
- Ah,
essa é boa! Agora elas que arrastam os homens pelos cabelos até as cavernas?
Melhor dizendo: pela gravata até o quarto?
- Se
tiver a fim, por que não? O que antes as mulheres confidenciavam entre elas,
hoje é exposto abertamente, porque o sexo anda livre e solto em qualquer lugar.
-
Lamentavelmente.
- Querem
homens apenas para usar depois da balada noturna. Depois, descartar o objeto de
desejo numa boa, sem traumas.
- Háháhá!
Têm de ser muito cara de pau. Meu Deus, onde é que estão com a cabeça?
- A
palavra de ordem é chegar junto à presa e pagam para ver se Adão vai mesmo
matar a cobra. Ou, sem metáfora, mostrar o cajado. São elas as pegadoras de
minissaia e salto Luiz XV nos pés, levantando a bandeira da neossexualidade.
Hoje em dia as mulheres vão à luta com tudo em cima, não dá mais para esperar
serem cantadas.
- Pouca
vergonha!
-
Autonomia, querida! Mulher de hoje que achar que não pode tomar a frente numa
conquista ou que não deve demonstrar que gosta muito de sexo é considerada
‘careta’. Fora da moda.
-
Absurdo!
- Não
falta mulher querendo essa troca de papéis, virar o barco. Um monte, viu?
- Arre!
- Les Temps Modernes, mon amour!
-
Assim... Assim... Uma hora fica com um, outra com outro só porque o ‘barato’
agora é transar e logo partir para nova aventura. Ave Maria, a mulherada anda
fácil demais! Não, não pode ser assim. Sexo está virando item de consumo, extremamente,
reduzido a produto.
- Nada
disso. A moçada pede sexo num jogo mais leve, longe de se aprofundar na esfera
do sentimental, do drama e do patético.
- Decência
e ética passam longe, não é?
- Novos tempos.
A onda é essa, querida.
- Penso
que sexo só depois do casamento. Para a Igreja, a virgindade é sagrada.
- Coisa
mais antiga, amiga. Cai na real.
-
Precisa de limites.
- Alô!
Alô, Suzana, acorda!
- Longe
de mim de ser puritana ou moralista, muito menos maniqueísta, mas certas coisas,
sinceramente...
- Vai
dizer que...
- Vou
dizer que sustentar essas práticas descomedidas é, na verdade, acionar o motor
da depravação. É o fim. Se isso é revolução, confesso, eu não sei falar. Estou
fora. Vou morrer sem entender a cachola desses militantes da hora.
Mathieu
levanta os braços – as palmas das mãos para cima – e cantarola com ar
sarcástico:
- Quem sabe faz a hora não espera acontecer.
- Sinto
muito, não dá – exclama a mulher aborrecida.
- Fazer a
hora tem sentido amplo. Vai desde ingressar na luta contra o governo militar,
separar o sexo da reprodução, usar drogas, vestir-se com calças boca de sino,
minivestidos ou saias indianas.
- Aqui ó!
- Abaixo
a intolerância! Viva a liberdade sexual!
-
Aberração?!
- Viva Hair na Broadway!
Pausa.
Suzana ensaia um sorriso:
- Hair?!... Amo as canções Aquarius e Let
the Sunshine In.
- O
musical faz ode ao pacifismo. À liberação da mulher ao colocar todo o elenco nu
no palco como símbolo de liberdade. Salve!
- Espero que
quando for montado no Brasil, tenho a oportunidade de ver a peça – admite
Suzana em tom mais leve.
- Joia.
- Quando?
- Ano que
vem. A versão brasileira está sendo ensaiada em São Paulo com a direção de
Ademar Guerra. No elenco Sônia Braga, Maria Helena, Arnaldo Bogus, Altair Lima,
José França, Benê Silva, Neusa Maria, Marilene Silva, Aracy Balabanian, Laerte
Morrone, Gilda Vandenbrande, Acácio Gonçalves e Bibi Vogel... Promete um bom
espetáculo.
- Nossa!
O rapaz
olha a mulher nos olhos e, descontraidamente, adverte:
-
Querida, estressa não. Diz um velho ditado que a tristeza é para meditar e a dor é o fundo da existência.
Portanto...
- Ah!
Mathieu,
descontraidamente, abre de novo os braços e brinca:
- Quer
dançar comigo?
- Não sei
dançar.
- Te ensino os primeiros passos. É
remelexo mais eficaz contra a depressão, viu?
- Vou
pensar.
Suzana
descontrai-se. Nos seus olhos, aos poucos, volta a brincar a mesma expressão
afetuosa e divertida de uma mulher cheia de expectativas, apesar de tudo.
* FBN© - 2012 – Geração Descolada..., NUMA NOITE EM 68 -
Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.:
Amores, de Marc Chagall –Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/18xviii-geracao-descolada-de-1968.html?zx=231e4774de28dc83
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