2011-01-03

33/XXXIII – O VOO DO PÁSSARO DOURADO.



*

Irene Sheri

                                                                              
                                                                       O Beijo no Calor da Noite - óleo sobre tela




 
            Diante do espelho do banheiro do seu quarto, Suzana faz a maquilagem sem pressa. Solta os cabelos, ainda úmidos, deixando o penteado um pouco desmanchado sobre as costas – o intuito era acender um pouco mais o visual. Do colo, remove o escapulário e pulveriza um pouco do perfume Heure Intime na pele, sem disfarçar um risinho cheio de intenções nas faces.
Enrolada apenas numa toalha, ela tira do armário um conjunto de lingerie de renda francesa em tons dourados, e se veste. Em seguida, entra no quarto do filho, tomando o cuidado para não provocar barulho.
Ao ver a criança em sono profundo, inclina-se para tatear seus cabelos. Após afagar-lhe o rosto, sai com os cotovelos rentes ao corpo, como se quisesse diminuir de tamanho para não ser notada. Em absoluto silêncio, com a mão esquerda gira levemente a maçaneta, e tranca a porta pelo lado de fora.
Ao virar o corpo, detém-se surpresa:
- Minha aliança! A aliança...
Espantada com o descuido, volta a passos rápidos até o seu quarto para guardar o pequeno objeto de ouro no pote de joias. Mesmo com o coração acelerado e um friozinho subindo e descendo pelas pernas, Suzana deixa os seus aposentos e caminha até o quarto de hóspedes.
Percebendo que a porta não estava trancada por dentro, abre-a e se planta na entrada apenas de calcinha e sutiã. Imóvel no umbral, permanece ali por alguns segundos, observando o rapaz que dormia sobre os lençóis com o tronco nu, cabelos desalinhados e apenas uma toalha que lhe servia de short. Ela suspira:
- Uauuuu!
Nesse momento, inundada de expectativas, cerra atrás de si a porta, arfa o peito e, com a graça e a leveza de uma bailarina, caminha até a cama do amigo, que continuava de olhos cerrados.  Ajoelha-se ao lado dele e, com especial carinho, começa a resvalar os lábios pelo seu rosto, enquanto afundavam os dedos em seus cabelos de forma serena e sensual.
Mathieu desperta, surpreso. Ao sentir o toque da mulher e o perfume de tabaco mentolado, mesclado com o doce cheiro da cerveja, o rapaz estende-se um pouco mais na cama e, sem dizer nada, toma-a nos braços e cobre suas faces de beijos. E, entre sussurros amorosos, como dois corpos incontroláveis, trocam ardentes carícias, até que, doida para desfrutar afagos em cada pedaço de sua carne, ela afasta a boca da boca dele e, no calor da chama de uma louca cobiça, balbucia-lhe um pedido ao ouvido.
Mathieu sorri. Logo, tira as roupas de baixo da amiga e roça-lhe as nádegas com o rosto, nutrindo aqui e ali o corpo secreto de uma mulher alheia. Em seguida, já pousada de costas a oferecer o ventre magro, ele escorrega a ponta do nariz pela cútis delicada do seu colo, mordisca-lhe os seios e passeia-lhe a língua pelo ventre e pelas coxas sólidas e quentes, ligeiramente, separadas por um triangulo de uma relva clara e macia, maliciosamente, molhada.
A mulher suspira. Sem temores, ela abre um pouco mais as pernas à libertina ambição de uma forte cobiça carnal. Assim, seduzida pelo toque úmido e voraz da juventude adulta, Suzana se entrega às sensações prazerosas do seu corpo por longos minutos, nunca antes sentidas nem por sua alma.
          Saciada, segreda numa voz rouquenha:
- More, more, more... Agora, vem?
Mathieu sorri novamente. Com os lábios embriagados pelo sabor de líquidos misturados e a volúpia irradiada pelos corpos suados, de novo, engolfa a mulher nos braços. Sentindo o peso na ponta dos braços, rodeia e abarca o dorso da amiga, enquanto enfiava as pernas entre as suas coxas.  E assim, envolvidos por um apetite irrefreável, gemidos, murmúrios, arrepios e gritinhos cada vez mais intensos, eles cavalgam juntos até o ápice total, experimentando um gozo que deixa rastro de incrível encanto e magia.
Em seguida ela alonga o corpo na cama de barriga para baixo, agora oferecendo suas costas. E, silenciosamente, conforta a cabeça sobre o peito do rapaz.
- Tudo bem, querida? – pergunta o amigo.
- Tudo.
- Por quê?
- Porque é de noite, estamos a sós e meu corpo é todo seu..., momento é tão nosso!
- É?
- Nunca pensei que a noite seria tão boa assim, nunca tinha deliciado tanto desse jeito! Amamos sem parar. Uma vez, duas vezes. Ou mais. Êxtase total. Viva Lacan!
Mathieu ri, balançando a cabeça. Em tom suspirado, completa:
- Mais. Muito mais. Muita coisa boa numa noite só, deixou-me totalmente sem forças, mas é um cansaço prazeroso, viu?
- Sim, sim, sim, sim... Você soube me dar prazer numa hora em que estava sendo queimada pelo fogo do silêncio. Pela primeira vez na vida experimentei aquela sensação gostosa de voar e pousar, tomada por um turbilhão colorido de luzes. Ai, estou tão feliz!
- Merece um Cravo Vermelho.
- Por quê?
- Representa o amor vivo, intenso. Parece um sonho.
- Você não está sonhando, estou gostando da história de ser sua. Uma delícia perigosa, mas...
- Linda! – expressa o rapaz com um sorriso nos olhos.
- Posso dizer, Math, que foi um momento inesquecível com alguém que me mostrou o verdadeiro significado da palavra felicidade, pulsando dentro de mim.
- Bom ouvir isso.
Suzana enxuga novamente a testa, e diz em voz profunda:
- Obrigada, você me fez bem. Estou em estado de graça, com sabor de paraíso nos lábios.
- Paraíso?
- Ã-Hã!
- Meu coração está a mil. E o seu?
- Se tocou o seu coração, tocou o meu também.
- De repente, Math, você colocou a mão por dentro de mim e arrancou o mal que me perturbava pela raiz.
- Hein?
- Você me tirou do poço, mudou meu destino.
- Bom ouvir isso.
- A última vez que fiz sexo, eu via milhares de cores girando agressivas em torno de mim, sentia vontade de vomitar. Era como brincar num parque de diversões cheio de monstros selvagens. A perturbação foi tanta que, a partir daí, uma forte náusea não me deixou mais, apossou-se de mim. Aí comecei a pensar que era o fim.
Mathieu espalma a mão esquerda na face da amiga, dizendo:
- Bobagens, a situação era outra. Quando a gente está bem, tudo vai bem.
- Claro. É um homem romântico, poderoso. Tem uma voz que sossega e acalenta, tanto que me sinto bem à vontade ao seu lado, viu?
- Também é uma mulher bastante afetuosa. Deliciosamente, atrevida.
- Hummmmm! - expressa Suzana, com as pupilas brilhando como dois fósforos acesos.
Mathieu aproxima os lábios do rosto dela, dizendo:
- Que energia, hein?
- Deixou-me louca. Estou nas nuvens, não é o máximo? - revela a mulher com os olhos marejados de emoção.
- Dizem os especialistas que o corpo de uma pessoa contente produz maior quantidade de hormônios do bem-estar, como serotonina e a dopamina. Sabia disso?
- Então minha produção está nos limites – brinca Suzana.
- A minha também.
Risos. Suzana:
- Math, me fala uma coisa: quando vê uma mulher o que repara nela em primeiro lugar?
- Já falamos disso.
- Acha meus seios bonitos, os mamilos?
- Graciosíssimos! Bicos durinhos, sensíveis.
- O que mais?
- Tanta coisa bonita em você. Seu nariz, sua boca... Gosto de seus olhos que dizem muito do seu universo interior. Tudo perfeito.
- Jura?
- Juro – ele repete lentamente.
Movida pela iluminada traição que a libertava, Suzana toma o pulso de Mathieu e, a meia voz, cochicha aos seus ouvidos: já nem sei que horas são dentro de minha pele. Arre! O que seria senão o amor que, desse jeito, se revela na expressão maior da vontade entre um homem e uma mulher?
- Nada. Nada, querida. Esse é o grande segredo do amor que desafia os limites do corpo e da mente, quando dois corações batem na mesma sintonia.
Deitados frente a frente, um com as mãos no corpo do outro, igualmente seus rostos se uniam sobre o travesseiro, ainda sedentos de beber na mesma taça. Suzana baixa as pálpebras, e assim o rapaz pôde contemplar à vontade seus belos cílios recurvos por um longo tempo.
 




* FBN© - 2012 – O Voo do Pássaro Dourado..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Conto - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: O Beijo’, de Irene Sheri - óleo sobre tela de.  Link:
http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/34xxxiv-o-voo-do-passaro-dourado.html?zx=bf79c30cc5717de7    

 

 


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