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Irene Sheri
O Beijo no Calor da Noite - óleo sobre tela
Diante do espelho do banheiro do
seu quarto, Suzana faz a maquilagem sem pressa. Solta os cabelos, ainda úmidos,
deixando o penteado um pouco desmanchado sobre as costas – o intuito era
acender um pouco mais o visual. Do colo, remove o escapulário e pulveriza um
pouco do perfume Heure Intime na pele, sem disfarçar um risinho cheio de
intenções nas faces.
Enrolada
apenas numa toalha, ela tira do armário um conjunto de lingerie de renda
francesa em tons dourados, e se veste. Em seguida, entra no quarto do filho,
tomando o cuidado para não provocar barulho.
Ao ver a
criança em sono profundo, inclina-se para tatear seus cabelos. Após afagar-lhe
o rosto, sai com os cotovelos rentes ao corpo, como se quisesse diminuir de
tamanho para não ser notada. Em absoluto silêncio, com a mão esquerda gira
levemente a maçaneta, e tranca a porta pelo lado de fora.
Ao virar
o corpo, detém-se surpresa:
- Minha
aliança! A aliança...
Espantada
com o descuido, volta a passos rápidos até o seu quarto para
guardar o pequeno objeto de ouro no pote de joias. Mesmo com o coração
acelerado e um friozinho subindo e descendo pelas pernas, Suzana deixa os seus
aposentos e caminha até o quarto de hóspedes.
Percebendo
que a porta não estava trancada por dentro, abre-a e se planta na entrada
apenas de calcinha e sutiã. Imóvel no umbral, permanece ali por alguns
segundos, observando o rapaz que dormia sobre os lençóis com o tronco nu,
cabelos desalinhados e apenas uma toalha que lhe servia de short. Ela suspira:
- Uauuuu!
Nesse
momento, inundada de expectativas, cerra atrás de si a porta, arfa o peito e,
com a graça e a leveza de uma bailarina, caminha até a cama do amigo, que
continuava de olhos cerrados. Ajoelha-se ao lado dele e, com especial
carinho, começa a resvalar os lábios pelo seu rosto, enquanto afundavam os
dedos em seus cabelos de forma serena e sensual.
Mathieu
desperta, surpreso. Ao sentir o toque da mulher e o perfume de tabaco mentolado,
mesclado com o doce cheiro da cerveja, o rapaz estende-se um pouco mais na cama
e, sem dizer nada, toma-a nos braços e cobre suas faces de beijos. E, entre
sussurros amorosos, como dois corpos incontroláveis, trocam ardentes carícias,
até que, doida para desfrutar afagos em cada pedaço de sua carne, ela afasta a
boca da boca dele e, no calor da chama de uma louca cobiça, balbucia-lhe um
pedido ao ouvido.
Mathieu
sorri. Logo, tira as roupas de baixo da amiga e roça-lhe as nádegas com o
rosto, nutrindo aqui e ali o corpo secreto de uma mulher alheia. Em seguida, já
pousada de costas a oferecer o ventre magro, ele escorrega a ponta do nariz
pela cútis delicada do seu colo, mordisca-lhe os seios e passeia-lhe a língua
pelo ventre e pelas coxas sólidas e quentes, ligeiramente, separadas por um
triangulo de uma relva clara e macia, maliciosamente, molhada.
A mulher
suspira. Sem temores, ela abre um pouco mais as pernas à libertina ambição de
uma forte cobiça carnal. Assim, seduzida pelo toque úmido e voraz da juventude
adulta, Suzana se entrega às sensações prazerosas do seu corpo por longos
minutos, nunca antes sentidas nem por sua alma.
Saciada, segreda numa voz rouquenha:
- More, more, more... Agora, vem?
Mathieu
sorri novamente. Com os lábios embriagados pelo sabor de líquidos misturados e
a volúpia irradiada pelos corpos suados, de novo, engolfa a mulher nos braços.
Sentindo o peso na ponta dos braços, rodeia e abarca o dorso da amiga, enquanto
enfiava as pernas entre as suas coxas. E
assim, envolvidos por um apetite irrefreável, gemidos, murmúrios, arrepios e
gritinhos cada vez mais intensos, eles cavalgam juntos até o ápice total,
experimentando um gozo que deixa rastro de incrível encanto e magia.
Em
seguida ela alonga o corpo na cama de barriga para baixo, agora oferecendo suas
costas. E, silenciosamente, conforta a cabeça sobre o peito do rapaz.
- Tudo
bem, querida? – pergunta o amigo.
- Tudo.
- Por
quê?
- Porque
é de noite, estamos a sós e meu corpo é todo seu..., momento é tão nosso!
- É?
- Nunca
pensei que a noite seria tão boa assim, nunca tinha deliciado tanto desse
jeito! Amamos sem parar. Uma vez, duas vezes. Ou mais. Êxtase total. Viva
Lacan!
Mathieu
ri, balançando a cabeça. Em tom suspirado, completa:
- Mais.
Muito mais. Muita coisa boa numa noite só, deixou-me totalmente sem forças, mas
é um cansaço prazeroso, viu?
- Sim,
sim, sim, sim... Você soube me dar prazer numa hora em que estava sendo queimada
pelo fogo do silêncio. Pela primeira vez na vida experimentei aquela sensação
gostosa de voar e pousar, tomada por um turbilhão colorido de luzes. Ai, estou
tão feliz!
- Merece um
Cravo Vermelho.
- Por
quê?
-
Representa o amor vivo, intenso. Parece um sonho.
- Você
não está sonhando, estou gostando da história de ser sua. Uma delícia perigosa,
mas...
- Linda!
– expressa o rapaz com um sorriso nos olhos.
- Posso
dizer, Math, que foi um momento inesquecível com alguém que me mostrou o
verdadeiro significado da palavra felicidade, pulsando dentro de mim.
- Bom
ouvir isso.
Suzana enxuga novamente a testa, e diz em voz profunda:
-
Obrigada, você me fez bem. Estou em estado de graça, com sabor de paraíso nos
lábios.
-
Paraíso?
- Ã-Hã!
- Meu
coração está a mil. E o seu?
- Se
tocou o seu coração, tocou o meu também.
- De
repente, Math, você colocou a mão por dentro de mim e arrancou o mal que me
perturbava pela raiz.
- Hein?
- Você me
tirou do poço, mudou meu destino.
- Bom
ouvir isso.
- A
última vez que fiz sexo, eu via milhares de cores girando agressivas em torno
de mim, sentia vontade de vomitar. Era como brincar num parque de diversões
cheio de monstros selvagens. A perturbação foi tanta que, a partir daí, uma
forte náusea não me deixou mais, apossou-se de mim. Aí comecei a pensar que era
o fim.
Mathieu
espalma a mão esquerda na face da amiga, dizendo:
-
Bobagens, a situação era outra. Quando a gente está bem, tudo vai bem.
- Claro.
É um homem romântico, poderoso. Tem uma voz que sossega e acalenta, tanto que
me sinto bem à vontade ao seu lado, viu?
- Também
é uma mulher bastante afetuosa. Deliciosamente, atrevida.
- Hummmmm!
- expressa Suzana, com as pupilas brilhando como dois fósforos acesos.
Mathieu
aproxima os lábios do rosto dela, dizendo:
- Que
energia, hein?
- Deixou-me
louca. Estou nas nuvens, não é o máximo? - revela a mulher com os olhos marejados
de emoção.
- Dizem
os especialistas que o corpo de uma pessoa contente produz maior quantidade de
hormônios do bem-estar, como serotonina e a dopamina. Sabia disso?
- Então
minha produção está nos limites – brinca Suzana.
- A minha
também.
Risos. Suzana:
- Math,
me fala uma coisa: quando vê uma mulher o que repara nela em primeiro lugar?
- Já
falamos disso.
- Acha
meus seios bonitos, os mamilos?
-
Graciosíssimos! Bicos durinhos, sensíveis.
- O que
mais?
- Tanta
coisa bonita em você. Seu nariz, sua boca... Gosto de seus olhos que dizem
muito do seu universo interior. Tudo perfeito.
- Jura?
- Juro –
ele repete lentamente.
Movida
pela iluminada traição que a libertava, Suzana toma o pulso de Mathieu e, a
meia voz, cochicha aos seus ouvidos: já nem sei que horas são dentro de minha
pele. Arre! O que seria senão o amor que, desse jeito, se revela na expressão
maior da vontade entre um homem e uma mulher?
- Nada.
Nada, querida. Esse é o grande segredo do amor que desafia os limites do corpo
e da mente, quando dois corações batem na mesma sintonia.
Deitados
frente a frente, um com as mãos no corpo do outro, igualmente seus rostos se
uniam sobre o travesseiro, ainda sedentos de beber na mesma taça. Suzana baixa as
pálpebras, e assim o rapaz pôde contemplar à vontade seus belos cílios recurvos
por um longo tempo.
* FBN© - 2012 – O Voo do Pássaro Dourado..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Conto - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: O Beijo’, de Irene Sheri - óleo sobre tela de. Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/34xxxiv-o-voo-do-passaro-dourado.html?zx=bf79c30cc5717de7
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