2011-01-03

23/XXIII - O SEGREDO DE SEUS OLHOS


*
Lasar Segall


O Amor -  Óleo  sobre tela.
                     




 

        A mulher aplaca das faces o sorriso, pensa um pouco e pergunta:

        - Desencantado comigo?

- Um pouco.

- Me acha ultrapassada, bitolada, não é?

- Imagino que precisa rever a direção de sua bússola, alterar o foco do olhar e tomar consciência do avanço social no planeta. Sobretudo, estabelecer uma conexão positiva com suas transformações. Como diria o velho Darwin, só sobrevive quem se adapta melhor aos desafios da evolução.

- Ã-Hã.

- Suzana, está passando da hora de mudar sua maneira de ver as coisas, atualizar. A gente não pode ficar presa ao passado, porque o futuro está aí para nos reservar grandes surpresas, pode crer.

- Quer dizer que devo mudar meus valores em relação a minha cabeça, é isso?

- Até porque a sexualidade da mulher, cada vez mais, se torna assunto obrigatório diante dos ventos de liberdade que sopram sobre todos os lados. Ser mulher hoje é muito diferente. No meio desse processo de mudanças é um desafio que temos que encarar querendo ou não. Liberte-se do sistema, veja o mundo de hoje sem barreiras, desacelere.

- Olha aqui: Eça de Queiroz escrevia no primeiro número de As Farpas, em 1871, o seguinte texto: ... O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Faço das palavras do escritor português minhas também. É isso.

- Outro país, outra época, querida.


– Olha aqui, Suzana: Pela primeira vez na história, o conforto do sexo é algo igualmente acessível a homens e mulheres de nosso país. Finalmente, nossa gente vem se libertando da moral católica, das convenções sociais e de uma repressão histórica.

- Acho isso meio perigoso.

- Suzana, o que antes era encarado como um prêmio de casamento, o sexo livre passou a ser um direito da juventude que se inicia cada vez mais cedo na vida sexual, acumula mais parceiros e se casa mais tarde.

– O que a gente mais vê é aquele jovem que fica com alguém e não estabelece nenhum tipo de compromisso ou vínculo. Ninguém quer nada sério. O sexo virou um prazer que a juventude pratica como um direito e não como um laurel de uma história afetiva construída. Só sei que ninguém volta de uma festa para casa sem um “beijo na boca” ou mesmo uma transinha desatinada.

 Risos. Mathieu:

- Sim, e daí? De uns tempos para cá levantar a bandeira do feminismo faz parte do cotidiano, querida.

- Ã-Hã.

- Ora, bolas, até parece que vive com um pé na idade média. Ou, ainda mais longe: nos templos bíblicos. Destrave, Suzana, faz o quê aí no passado?

- Ah!

- Seja como for, descobrir o século XX é necessário.

- Será?

- Uma mulher fina, inteligente como você precisa se engajar. Fazer parte. O passado está na sua cabeça e o futuro nas suas mãos, viu?

- Ah, Math!

- Ah o quê?

- Quer saber: eu ainda alimento desconfianças quanto ao futuro da mulher.

- Ora, Suzana, tudo está muito claro.

- Não sei.

- Portanto, trocar de posição não é o fim do mundo. A mente é como um paraquedas, só funciona aberto. Esse é o grande desafio do século.

- Defendo essa onda de mudanças, sim. Mas não faço apologia à prática de sexo com tamanha irresponsabilidade, cada vez, mais simplificado e demoníaco entre a juventude.  Passa dos limites. Eles acham a coisa mais normal do mundo passar a mão e beijar em qualquer lugar, entretenimento apenas. Bolas, a sexualidade não é mais o que era!

- Nem poderia ser.

- O problema maior, meu amigo, é a obsessão pela felicidade. Ser feliz virou obrigação a qualquer custo numa sociedade de excessos compulsivos. Ora, Math, não pode ser assim.

Depois de uma pausa, Suzana completa:

- Hoje em dia, nossas fantasias não são moldadas pelo amor romântico, mas pela cultura do excesso. Temos tudo, queremos mais, nunca estamos satisfeitos. Dá para perceber?

- Não é bem assim.

- Lamento que o modernismo se encante, cada vez mais, com a fantasia de reduzir o passado aos seus próprios valores e medidas. Isso não é bom. Minha geração exacerbava menos, tinha limites e noção de respeito aos princípios éticos. Sexo era coisa reservada.

- Avanços, querida. Inclusive da ciência...

- A verdade, querido, é que a juventude de hoje quer modificar as coisas muito rápido. Tudo ao mesmo tempo. Nada mais.

- Não importa. O que importa é que você é uma mulher politizada, estudiosa e sensível. Tem tudo para ver que o duelo das mulheres contra o preconceito é o mais valioso símbolo de uma transformação social que o mundo já viu. Põe isso na cabecinha, criatura. Ainda dá tempo.

Pausa. Suzana:

- Não sei... Não sei... Ah, Math, como estou passando pela fase mais crítica da minha vida, tudo me inquieta.

- Eu sei.

- Insinua que eu vivo a ilusão de que a vida é um eterno conto de fadas? Antiquada demais, quadradona?

O rapaz em tom filosófico:

- Em tempos de mudanças, temos que se ligar em tudo ao nosso redor. Caso contrário, meu anjo, o trem passa e a gente perde a viagem.

- Hummm!

- Quer ouvir um conselho de Mark Twain?

- Sim.

- Daqui a alguns anos você estará mais arrependido pelas coisas que não fez do que pelas que fez. Então solte suas amarras. Explore. Sonhe. Descubra.

- Arre!

- Sintonize um pouco mais suas antenas e abrace, com vigor, o mundo novo que se desponta cheio de avanços sociais. Você muda. O mundo muda, tudo muda. Certo?

- Acha muito fácil, não é, rapazinho?

Mathieu responde, solfejando um verso de uma canção de Milton Nascimento:

- Mas é preciso ter força. É preciso ter raça. É preciso ter gana sempre. Quem traz no corpo a marca Maria, Maria.

Suzana contrai o rosto.

- Bem, me desculpe.

- Desculpar de quê?

- Desse jeito ranzinza, meio intolerante de ser.

- Ora, menina.

- Prometo rever meus conceitos, viu?

- Melhor assim. Também faço meu um pensamento do escritor argentino Jorge Luiz Borges, para quem só os idiotas não mudam de ideia.

Pausa. Depois de tomar um pouco de cerveja, ela muda o tom da conversa:

- Quero trabalhar também na parte da tarde. Não sabe que coisa mais chata é ficar em casa sozinha, pensando. Enche o saco.

 - Imagino.

- Certamente vai me ajudar a ampliar a visão do mundo lá fora.

- Sem dúvida. Pensa fazer o quê?

- Tudo, menos enfrentar outra sala de aula num segundo turno, apesar de amar o que eu faço.

- Por que não? Professora é uma das mais nobres profissões, se não a mais. Não há ofício mais comprometido em formar cidadão, preocupado com o mundo do que o educar.

- Mas...

- Eu, por exemplo, sou muito grato aos meus mestres. Principalmente às educadoras do curso primário. Graça ao empenho delas, que não mediam esforços para me ensinar a ler que aprendi a lidar com a escrita, estou onde estou.

- Sim, sim. Mas prefiro diversificar.

- Certo.

- Lá fora a gente depara com tanta coisa para fazer, não é mesmo?

- Claro.

- Pois então vou atrás de mais um emprego, mesmo sabendo que José Renato nunca gostou que eu trabalhasse fora. Nunca escondeu isso. Até como professora, ele implica, torce o nariz. Acredita?

- Estranho – observa Mathieu, abanando a cabeça.

Suzana, depois de soltar a fumaça do mentolado que fumava, ressalta:

- Se ainda não percebeu, lamento dizer que seu amiguinho é meio fingido. Imagina uma coisa e fala outra.

- Nunca notei.

- Para ele, eu deveria parar de trabalhar fora para ser apenas mãe. Apenas dona de casa, totalmente, limitada à esfera doméstica. Desde o início do casamento me pressiona a largar a sala de aula. Demais, não?

- Como um gato tomando conta dos peixes – brinca o rapaz, sorrindo.

- Isso mesmo. O cara me tolhe de tudo, até de visitar a casa de meus pais no interior com o garoto ele implica.

- Sério?

- Não sei por quê? Nunca fiz nada de errado.

- Penso o contrário. Em minha opinião, a mulher deve trabalhar fora, mesmo que não precise. Desse jeito desfruta sua vida com mais independência. Se viver só para o lar, nunca terá vida própria.

Ela sacode os ombros:

- Mas é isso que seu amigo quer de mim. Se depender dele, eu deveria passar o resto da vida com medo de perdê-lo.

- Triste!

- Verdade.

- Por mais incrível que pareça, sei que ainda existem homens que aprisionam esposas em casa para sua eterna subserviência. Insegurança. Medo do mundo, o mais certo.

Pausa. A mulher ergue a sobrancelha:

- Nunca dei ouvidos. Sabe por quê?

- Diz.

- Porque não abro mão de ganhar meu dinheirinho e fazer, na medida do possível, o que me deixa feliz. Sempre quis virar a página e descobrir o mundo, ampliar meus horizontes.

- Isso mesmo.

- Assim sendo, não adianta ele me encher a cabeça. Não cola.

O rapaz animado toma um gole de cerveja, e festeja:

- Isso, menina, é assim que se fala. Bola para frente!

- Pode não parecer, Math, mas torço pela liberação da mulher, sim.

- Não é o que me passa.

- Meu feminismo não é o do ódio, nem o do ressentimento. Muito menos sou de ficar valorizando comportamentos transgressivos. Não bate comigo. Milito numa resistência menos barulhenta. Detesto movimentos alvoroçados.

- É?

- Sempre que posso, coloco o tema para discutir com meus alunos. A turma participa com a mais silenciosa atenção, precisa ver.  Coisa que um professor, dificilmente, observa no rosto de seus alunos sala de aula.

- Parabéns.

- Eu penso que o professor não deve ser um simples informador, mas um auxiliar na formação de consciências para transformar seus alunos. Certo?

- Certo.

- Mas, para que isso aconteça, temos que fazer de tudo para transformar as aulas trabalhando atividades de autoconhecimento, principalmente, por meio da literatura.

 - Claro, claro.

Suzana reflete ainda um instante. Só depois diz, com afabilidade:

- Aprecio, sim, a luta de Simone de Beauvoir como porta voz dos anseios femininos por mais respeito e liberdade no mundo de hoje. Como também de Françoise Giroud, de Simone Adolphine Weil e de tantas outras pensadoras engajadas, que batalham pela autonomia da mulher.

- Folgo em saber – admite o rapaz, rindo.

- Clarice Lispector e Virginia Wolf também têm um papel decisivo na emancipação feminina.

- Bravo! 

- Na verdade, o que me fascina nessas pensadoras é o sentimento libertário com racionalidade e disciplina, estimulando ação não violenta pelos nossos direitos.

- Já leu O Segundo Sexo, de Simone?

- Várias vezes. Imaginariamente, o livro continua na cabeceira de minha cama.  

- Boa pedida. Com suas 936 páginas, a obra é como bíblia do movimento feminista que luta pela igualdade de sexos. Foi escrito por uma mulher que nunca se limitou a ser apenas esposa de Jean-Paul Sartre. Depois de longos estudos e análises, Simone denunciou a condição feminina com tanta firmeza que o Vaticano, de forma irracional, proibiu a publicação para os católicos.

- Erro do Pontífice – aceita a mulher.

- Mas, o tiro saiu pela culatra e acertou os pés do papa, porque ele não foi nem vai tão cedo ser rejeitado pelas as mulheres dos quatro cantos do mundo, independente do credo que praticam.

- Sim.

- Desde 1949, quando lançado na França, continua sendo um sucesso de vendas. Impregnado de conteúdo focado na sexualidade, aclamado pela crítica americana e europeia, o livro foi traduzido para todas as línguas ocidentais. Leitura obrigatória para mulheres e homens.

- Ã-Hã.

- Simone é considerada um elétron livre no cenário intelectual francês contemporâneo.

- Merecidamente.

- Como esposa de Jean-Paul Sartre, os dois acompanham seu ideário moldar o rosto da modernidade do Ocidente, principalmente, dando exemplos da liberdade sexual e da emancipação feminina.

- É.

Pausa. Mathieu com um sorriso sarcástico:

- Coisa parecida aconteceu com a escritora irlandesa Edna O’Brien.

- Autora de Garota do Campo?

- Sim. Embora defendesse uma posição religiosa firme, pelo teor sexual do texto, essa obra foi massacrada pela censura da Igreja. Como também pela perseguição estúpida do aparelho de segurança irlandês que proibiu sua venda no país, mesmo com a prosa essencialmente poética da romancista. E pior: exemplares de Garota do Campo foram queimados em praça pública. Quer coisa mais burlesca?

Suzana deixa escapar um ‘ah’ de decepção.

- Aberração!

- Tão absurdo, que numa calçada de Bebelplatz, onde o episódio ocorreu, está gravada a seguinte frase para ninguém esquecer do fato: ... Onde se queima livros, cedo ou tarde, queima-se homens.

- Coisa boa!

- Freud também questionou a humanidade ao saber que suas obras estavam alimentando lareiras em alguns lugares da Europa.

- Qual a reação dele?

- Questionando, simplesmente: Que progresso estamos fazendo? Na Idade Média ter-me-iam queimado. Agora estão contentes em queimar meus livros.

- Bravo! - aplaude Suzana.

Depois uma pequena pausa, ela:

- Math, sabia que o Brasil do século XIX teve uma escritora que também levantou a bandeira da emancipação feminina?

- Quem? – pergunta interessado o rapaz.

- A ilustre desconhecida Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto.

- Nísia Floresta?!

- Nasceu em 12 de outubro de 1810 em Papari, no Estado do Rio Grande do Norte. Morreu em 24 de abril de 1885 em Rouen, na França.

- Olha!
           - Autora do livro Direitos das Mulheres e a Injustiça dos Homens, publicado em 1832.

- Nunca ouvi falar dela e de sua vida. Nunca li nada a seu respeito.

- Obra avançada para a época, ainda que sem grande apuro literário, tentou elevar a mulher a um lugar de destaque no trabalho, afrontando séculos de opressão e machismo. O ideal firme e inovador da autora teve tanta repercussão que abalou até as estruturas do poder clerical da época.

- Sério?

- O objetivo era acender a chama da discussão do papel da mulher na sociedade brasileira.  Nísia repudiava a condição inferiorizada e a desigualdade de renda das mulheres, inseridas no mercado informal de trabalho.

- Interessante!

- Questionava por que seres humanos, sujeitos à gravidez e a indisposições passageiras, não poderiam exercer direitos que nunca se imaginou privar aos homens que, constantemente, sofriam de gota e se resfriam durante o inverno.

- Bom saber. Nem sequer imaginava que, naquela ocasião no Brasil, quando a busca pela emancipação da mulher começava a coçar a cabeça das mocinhas pensantes da Europa, pudesse ter existido uma brasileira exigindo mais respeito para o sexo feminino. Legal. Muito legal.

- Imagino que foi a primeira feminista brasileira a publicar artigos nos jornais, estimulando a luta pela emancipação da mulher em solo tupiniquim.

- Viva! – expressa Mathieu, exultante.

- Na verdade, o livro foi uma tradução adaptada para a nossa realidade das ideias avançadas que circulavam na Europa, desde a Revolução Francesa – esclarece Suzana.

- Tudo a ver, sim – confirma o rapaz. - Nísia deve ter se inspirado no ‘Clube Patriótico de Mulheres’, fundado em Paris logo após a Revolução Francesa, sob o lema: por que a mulher não teria o direito de subir à tribuna já que ela tem o direito de subir ao cadafalso?

- Provavelmente.

- Quem liderou esse movimento foi a escritora Olympes de Gouges que, em 1791, apresentou a ‘Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã’, em rebeldia à ‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’, de 26 de agosto de 1789, que não reconheceu a igualdade das mulheres. Muito menos lhes concedeu pleno direito de cidadania.

Suzana levanta os olhos, surpresa:

- Difícil de acreditar.

- Olympes foi uma líder famosa do século 20, tal a modernidade de seu ideário, a ousadia de seu modo de vida e a lucidez crítica do seu pensamento.

- Maravilha.

- Ela pôs o dedo na ferida ao perceber que os Constituintes Revolucionários franceses violaram o princípio da igualdade, ao privar o gênero feminino de direitos elementares nas cláusulas pétreas da ‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’. Não foi legal.

- Claro que não – aquiesce Suzana.

- Pegou mal. Ainda mais vindo de um país de vanguarda, como sempre foi a França.

 - Nada mais descabido.

- É isso, querida. Então podemos dizer que Nísia foi nossa primeira tropa de choque de uma pessoa só a mostrar, publicamente, que a mulher precisava sair do imenso e pavoroso guarda-chuva de preconceitos da pacata sociedade brasileira?

Suzana esboça um sorriso.

- Ah, claro.

E conclui:

- Está vendo, não sou tão desentenada assim. Na verdade, eu jogo naquele time de mulheres que promove uma revolução menos barulhenta, mesmo estando à frente de seu tempo.

- Parabéns.

- Não nego que muitos costumes sociais precisam evoluir, sim. Hábitos também. Mudar a maneira de pensar, a maneira de ser. Nisso eu estou de acordo, mas com algumas reservas.

- Maravilha – aplaude o rapaz. – A ONU, para dar mais visibilidade à importância do gênero feminino na sociedade, e mostrar que elas precisam de mais espaço, pretende criar um dia em homenagem à mulher.

Suzana interfere com humor:

- Rainha do lar?

- Lógico que não. Um dia para refletir e lembrar sua importância social no planeta.

- Bom mesmo.

- Então continue, a seu jeito, perdendo o medo do espelho e de ter seus desejos, toda mulher tem o direito de ser feliz, viu?

- Tudo bem. Tudo Bem. Por isso mesmo, vou batalhar pelo meu novo emprego e tomar posse definitiva de mim.

- Claro. Ainda não me disse com o que quer trabalhar.

- Pensei um emprego de secretária bilíngue, falo inglês fluentemente.

- Boa pedida.

- Mesmo sem experiência acha que dou conta?

- Vale correr o risco. Se não é melhor rasgar seu diploma universitário e abrir uma quitanda.
         Risos. Suzana brinca:

- Seria uma boa quitandeira?

- Demais!

- Hummmmm!

Mathieu, contorcendo-se na poltrona.

- Charmosa desse jeito ia logo quebrar seus concorrentes.

- Tolo.

- Falo sério.

 - Muito bem, como arrumar um emprego assim?

- Correndo atrás.

- Sem querer abusar já abusando, você me ajuda?

- Dou a maior força. Não sei se o Zé...

- Ai, socorro!

- Pode não gostar.

- Chiiiiii!!!!

Mathieu com o cenho apertado:

- Há questões éticas que dão contorno de drama a assuntos dessa envergadura. Podemos ser vítimas de invejosos. Pode não prestar, dar treta.

- It’s a puzzlement.

- Encrenca na certa que logo ganha força. Há sempre um bisbilhoteiro invisível por perto, para dizer por aí que alguém está querendo botar arreio na égua de outro. Arre!

- Não, não, não, não. Detesto fofocas!

- De uma pessoa como você sempre há comentários, ‘né? Todo cuidado é pouco. A língua ferina da futrica destrói mais do que fogo.

- Ai, só de pensar no estrago que isso pode fazer, me dá um frio na espinha. Com a cabeça que seu amigo tem, vai até achar que temos um caso. Oh, não, obrigada. Melhor evitar fuxicos, muito menos caçar infuca entre a gente - alerta a mulher.

- Sim.

- Tudo bem, tudo bem, retire o que lhe pedi. Vou batalhar sozinha. Se não der, azar o meu.

- Claro. Quem tem rumo até o vento contra é a favor.

Risos. Suzana:

- Tomara.

- As exigências são muitas. Vai desde o figurino até a voz macia para falar com os clientes. Ser comunicativa faz a diferença, querida.

- Ai, será que me enquadro?

- Tudo vai dar certo. Um poder que você tem é a aparência física. Além de inteligente, bonita, agradável e bem-vestida, é dona de um rostinho bem formatado, o que pode ser bom atalho para ser bem sucedida em qualquer atividade. Características físicas pesam, e muito, no ambiente de trabalho.

- Puxa!

- Há de convir que um rostinho assim não é tudo, mas que abre portas, abre. Mostra poder, força. No teatro da existência, como disse Platão, a beleza pesa na balança.

- Tiro e queda?

- Querida, isso é capital indispensável no mercado de trabalho de hoje no Brasil, viu? 

- Viu.

- Aristóteles também insinuava que a beleza é mais do que qualquer carta de apresentação. Centenas de anos depois, Shopenhauer corroborou dizendo que a beleza é uma carta aberta de recomendação.

- Vish!

- Não é tudo, mas atratividade é fundamental para a ascensão profissional das pessoas nas sociedades modernas. Quanto às mulheres..., quanto às mulheres, de maneira geral, os patrões reconhecem e valorizam o capital erótico delas no ambiente de trabalho também. Pode crer.

- É.

- O importante é saber juntar beleza com atitude para conquistar o que quiser. Eva Braun foi um bom exemplo disso.

Risos. Suzana satisfeita:

- Obrigada pela força. Quanto ao Zé, que se dane!





* FBN© - 2012 – O Segredo de seus Olhos..., NUMA NOITE  EM  68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: O amor depois do Amor - Lazar Segal. Link:
http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/24xxiii-o-segredo-de-seus-olhos.html?zx=a5856ddc7946e437


                                          - 23 -