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LOUIS DAGUERRE
LOUIS DAGUERRE
Duas Mulheres em Pé, Paris, 1839.
Primeiro Nu registrado no mundo da fotografia
SALVADOR DALI
Playmate after Rokeby Venus, 1966.
Imagem publicada na revista Playboy.
Imagem publicada na revista Playboy.
Suzana
com um sorriso indiscreto:
-
Sabe de uma coisa, Math, confesso que tenho curiosidade de folhear uma revista
masculina.
- Sério?
- Quem
disse que mulher não gosta de falar de sexo?
- Eu não
fui, posso garantir – brinca Mathieu.
- Nunca
reuni coragem para tal, acredita?
- ‘Quadrinhos’
ou revistas?
- Qual a
diferença?
- Os
‘quadrinhos’ são conhecidos como revistinhas de sacanagem que se ajustam ao
erotismo esquizofrênico. Gibis que não são gibis! Aquela baboseira que pinga
sexo a cada virada de página. Nem sempre bem desenhados, mas chegam a ser
divertidos. Vendem adoidados.
- É?
-
Apreciadíssimas por adolescentes na faixa dos 14,15 anos que, no banheiro,
estão sempre com uma delas nas mãos. Sabe como é?
-
Imagino.
- As
revistas, pelo contrário, dentro e fora da Europa adotam uma postura menos
agressiva, mas sem perder o foco do estímulo sexual. Além de boas fotos, costumam
trazer matéria jornalística de qualidade.
-
Alguma produzida
aqui?
-
Revistas somente as importadas. ‘Quadrinhos’ têm edição nacional, em preto e
branco, desde os anos 50. Nas Bancas, escondidinhas encontramos também os
exemplares desenhados pelo Zéfiro, artista responsável pelo pornô Made in Brazil.
- Legal.
-
Historicamente, os primeiros ‘quadrinhos’ chegaram ao Brasil no início do
século 18, com a família real. Mais tarde apareceram os ‘dirty comics’, criados
por desenhistas norte-americanos e impressos no México, também conhecidos por
‘tijuana bibles’. Depois, foi vez das fotonovelas eróticas suecas, fomentando a
explosão da indústria do sexo explícito no planeta. Enfim, diferentes culturas
celebrando o sexo cru como grande paixão nos quatro cantos do mundo!
-
Entendido do assunto, hein?
- Curto
todo tipo de publicação. Meu ofício, esqueceu?
Suzana
abaixa a cabeça, em silêncio. O rapaz:
- Ôiiii!
O que está pensando aí?
- Nada. É
que..., bem..., só por curiosidade tenho mesmo vontade de folhear uma dessas
revistas. ‘Quadrinhos’ nem pensar.
- Sim,
senhora.
- Ou é
perigoso querer?
- Lógico
que não.
- Então?
- Vale a
pena, rendem bons momentos de entretimento. Impressas em papel nobre, as
revistas nos levam ao prazer tátil de abrir suas páginas e se perder nelas. A
gente passa de uma folha à outra com os dedos tinindo de prazer.
- Posso
imaginar.
- Quer
ver Playboy ou Men Only?
-
Qualquer uma.
- Estou
lendo a Playboy de setembro, pode ser?
Suzana
delira com a proposta. Solta um grito de alegria.
- Claro,
claro.
- De
longe, a mais badalada. Sem falar que é a melhor que traduz as miragens
masculinistas do corpo feminino. Domina como nenhuma outra a arte de editar
revistas para homens!
- Háháhá!
- Desde
seu lançamento com um ensaio de Marilyn Monroe, a presença das divas da telona
nas suas páginas, eroticamente, bem fotografadas, é uma constante. Cumpre direitinho
seu objetivo editorial de abrir as portas do desejo dos homens com o maior vigor.
Por aí.
- Vixe!
- Além de
uma jovem beldade em cada número, Playboy traz conteúdo que atrai as mulheres
também. Publica contos e matérias sobre os mais variados temas de interesse
geral.
- Legal.
- Esse
número que vou te passar, por exemplo, traz ensaios fotografados Helmut Newton.
- Helmut
Newton?
-
Documentarista por excelência. Mostra o corpo exuberante das modelos em
atitudes rebeldes, filtrando qualquer lance de pieguice no olhar crítico para a
nudez feminina. Fabuloso!
- Top das
tops?
Para ele,
a base de uma boa fotografia de nu é mais do que um simples registro das
qualidades visuais. É, sobre tudo, o poder de transmitir a natureza
indefinível, e muitas vezes, ilusória da beleza e da atração sexual da mulher.
-
Imagino.
- Vai
gostar. Em vez de estúdios, Newton contextualiza a nudez em cenários
impactantes. Por exemplo, em ruas marcadas por composições extravagantes, o que
torna suas imagens bem mais provocativas, insinuantes. É a sua marca.
Pausa.
Suzana admirada:
- Deve
rolar muita intimidade entre fotógrafos e modelos, não?
- Não.
Não. Profissional de verdade fotografa mulheres de perto, mas nunca se envolve
com elas. Nada de amadorismo.
-
Santíssima! Imagino que não deve ser fácil arrancar a roupa para um fotógrafo
e, depois, ficar dependurada numa banca de revistas.
- Não se
preocupe. Diante de um profissional sério, qualquer modelo tira o assunto de
letra. Marylin Monroe tinha na arte um dom divino. Com sua deslumbrante beleza
distribuída em 1,67 metros de altura, 94 centímetros de busto, 61 de cintura e
89 de quadris, foi a primeira a ser fotografada nua para o Calendário Golden
Dreams, em 1952. Um ano depois, posou para edição número 1 de Playboy,
como disse.
- Admiro
a coragem e o desprendimento dessas mulheres.
- Eu
também.
Suzana,
envolvida por uma leve expressão de curiosidade, quis saber quem primeiro
registrou uma mulher pelada na história da fotografia.
-
Daguerre. O francês Louis Daguerre, inventor do novo processo de reprodução da
realidade, o Daguerreotipo – responde o rapaz.
- Não
imaginava.
- Ele era
pintor. Pensando em substituir o pincel e a tela num cavalete por um processo
mecânico, em que empregaria técnicas a partir do uso da luz para gravar no
papel a beleza do corpo feminino, Daguerre apresentou em Paris, no ano de 1839,
a foto Duas Mulheres em Pé, como nova tendência das artes plásticas.
-
Prostitutas?
- Não,
modelos profissionais. Marie e Louise posavam para pintores famosos da Belle Époque Francesa; em seus ateliers ou em academias de arte.
Depois
tomar um gole de cerveja, Mathieu pergunta:
- E você,
Suzana, não mostraria a geometria de suas curvas num ensaio fotográfico?
- Sou um
pouco tímida. Jamais conseguiria posar nua.
- De
jeito nenhum?
- Nem
pensar. Depois, nem altura tenho para tanto – responde a mulher sem titubear.
Risos. O
rapaz com malícia:
- Ora,
menina, quem disse que precisa ser grande para ser um mulherão?
- Nem
pensar. Nem pensar
- A
beleza e o sex appeal são qualidades
difíceis de definir, mas uma imagem espontânea e descontraída pode ser muito
evocativa. Concorda?
- Nunca.
- Pois
bem, quer mesmo passar os olhos por uma Playboy?
- Pode
trazer.
Mathieu
não hesita em se comprometer a emprestar a publicação:
- Claro.
E num tom
camarada, pergunta:
-
Querida, já ouviu falar em L’ Enfer de la Biliothèque Nationalle, Eros au
Secret?
- Nunca.
- Coleção
de obras imorais guardada, a sete chaves, na Biblioteca Nacional da França,
desde o século 19.
- Nunca
ouvi falar.
-
Implantada por Napoleão Bonaparte. A intenção foi romper com os limites e
divisões das ciências humanas e sociais, dentro de uma das mais importantes
bibliotecas do mundo.
- Fala
sério?
-
Trata-se de uma herança preciosa, que sai do anonimato para ganhar fama de arte
do amor sensual, ou a ele relativo. Nada melhor para preservação da memória na França
do ‘não sério’, que contempla a história da sexualidade a partir da libidinagem
e do riso, tudo aquilo que os discursos hegemônicos deixam de lado.
- Ah,
essa é boa! Uma anarcopédia?
- Ã-Hã. Acho
até que muitas pessoas se sentem ofendidas. Mas é um trabalho muito fiel ao
espírito popular da época. Verdadeiro tesouro da arqueologia pornográfica,
tendo o ciúme e o desejo como motor das narrativas. Estão lá publicações que
nos contam como viviam moradores da zona periférica de Paris, onde vigorava
alegórica depravação como forma de divertimento, maneira de matar o tempo e
aliviar o tédio. Uma comédia, talvez.
- Deus me
livre! – expressa a professora, atônita.
- Existe
de tudo. Pepitas em livros entre as prateleiras, onde até o silêncio exibe
cheiro de sexo, abrindo apetite para o leitor degustar parte da libidinagem de
um passado histórico. É como se o Marquês de Sade e outros escritores pornôs
estivessem dentro de uma loja de bricabraques sexuais a mostrar que o sexo
também fica cada vez melhor aos olhos dos viciados nesse empreendimento.
- Vindo
de Sade, então...
- Por que
diz isso?
- Ele era terrível, perverso. Incontrolável em suas paixões,
mantinha um trato erótico senil até com as criadas. Às mais graciosas, o cara
pagava para lhes mostrar partes do corpo, como os pés, trechos das coxas, as
curvas de um seio e coisas mais.
- Mesmo
racionalmente, querida, o desejo muitas vezes se impõe à razão. Freud, Jung e
Lacan sempre souberam disso. Niet e Shopenhauer também. Devoramos tudo à nossa
volta por conta dessa força irracional chamada desejo.
- Arre!
Risos.
Mathieu faz um gesto teatral.
- Ora,
Suzana, cai no real! Todo mundo sabe que um cinquentão venderia a alma pelo
amor de uma mulher jovem. Portanto, em meio à convivência com moçoilas que o
serviam como empregadas no seu Castelo era tudo que se podia esperar de um
homem que pregou, aos quatro cantos, que a medida do amor é amar sem medidas. Agita
o coreto!
-
Ridículo!
- Hoje,
se analisado no divã de um analista, o diagnóstico seria de um homem com a confiança
minada pela autoconfiança da deformação, que nunca escondeu uma necessidade
obsessiva por mulheres. Por aí.
-
Ridículo! – repete Suzana, enervada.
- Bem, o
que Sade fazia nas horas livres não é de minha conta, nem da conta de ninguém.
Diante da ausência de provas, e de vítimas, esses vacilos podem não passar de
boatos.
- Duvido.
- O
importante é que Sade produziu textos como se fossem seu diário íntimo, tão
recheados de fantasias ultrarrealistas que o leitor enfrenta dificuldades para
distinguir a fantasia da realidade. Tão apreciado pelo povão, que o levou a ser
reconhecido como escritor de maior expressividade erótica da Europa.
- Grande
coisa!
- Mas
ele, mesmo sendo um dos maiores escritores do gênero que exploraram com força
as quatro letrinhas de sexo, amante dos excessos, também se enraizava no
cotidiano. Sade publicou alguns trabalhos que distanciavam um pouco de só fazer
apologia à perversidade sexual ou, simplesmente, contar histórias alucinantes.
- Não
conheço.
- No
livro Justine ou os Infortúnios da Virtude, o escritor espelha o mundo para
provocar identificação de sentidos. Trata a concupiscência a partir da
reflexão, unindo seus princípios depravados ao universo da Filosofia, onde bem
reflete sonhos e anseios da alma feminina. Você já leu?
- Justine ou les Malheurs de la Vertu?!
Não, não li.
- Bem
mais do que um livro pornô. O texto é brilhante, sofisticado. Como bom e
criterioso cínico, Donatien Alphonse François não usou o sexo apenas para
diversão. Sua intenção, por mais incrível que pareça, também foi moralizadora
no contexto dessa obra.
- Exceção
à regra?
- Talvez.
Certamente, deu peso extra à produção libertina ao mostrar que desejar o impossível
pode ser outro capítulo da beleza feminina.
- Háháhá!
- É a
bola da vez, querida. Muitas livrarias no mundo têm colocado Justine em posição
de destaque nas vitrines, lugar incomum para obras consideradas obscenas.
Alçado à categoria dos bons romances, o livro está entre os, com temática
erótica, que ganharam ares de leitura descolada entre o público feminino.
-
Abomino. Aposto que sua alma pena no inferno.
Risos.
Mathieu:
- Aposto
que, se lá está, Sade jaze adorando!
- Argh!
- O
Marquês era tão sádico, Suzana, que vivia com um prendedor de gravata,
especialmente, moldado para ele. Design
brilhante! A peça, produzida por um renomado ourives de Paris, imitava um ramo
de ‘hera’ subindo pelo tronco de uma planta.
- Uai,
essa planta por quê?
- Menção
à sua característica de trepadeira, que cresce abraçada ao caule das árvores.
- Ave
Maria!
- Então?
- Ah,
Math, mesmo assim, Sade não me faz a cabeça.
- Isso é
outra história.
- Pode
até ser, mas...
Risos.
Mathieu:
-
Querida, o importante é que chegou a vez das publicações, voltadas para a
pornografia, hospedarem-se na mais célebre casa de livros do planeta. Obras
editadas em meados do século 17 e princípio do século 18, imprimindo num ritmo
vigoroso, peripécias sexuais de personagens do submundo francês.
- Deus me
livre!
- Desde
os gregos, romanos e culturas mais remotas ainda, existe no mundo apreciadores
da literatura erótica. As pessoas buscam isso para enriquecer suas fantasias,
que prometem prazeres sem fim.
- Háháhá!
- Dés à vu na história dessa história. Boa
ideia, não?
Depois de
um pequeno silêncio, Suzana:
- Devem
ser livros do baixo clero das letras, sem eira nem beira. Escritos por autores
de quinta categoria, que inventavam historíolas para difamar a sociedade
francesa.
- Ô,
menina, se tivesse dito isso a Oscar Wilde ele puxaria suas orelhas, dizendo
que assim como cada pessoa apresenta um timbre de voz, cada autor é capaz de
ser bom ou idiota à sua maneira, porque todo escritor é um grande provocador de
sonhos. E completaria: não há livros morais nem imorais. O que há são livros
bem escritos ou mal escritos.
-
Desculpe-me a arrogância.
Mathieu
contrai a testa. E assegura:
- Bons
livros levam-nos à reflexão, interatuam e emocionam. Fazem rir, chorar.
Principalmente, arrastam a gente ao mundo da fantasia. Enfim, um texto
literário, obra de arte que é, tem o direito de ser como é em sua integridade
porque, entre o sublime e o baixo-nível, com todos os humores e animosidades do
trecho, a distância é bem menor do que parece.
- Claro.
- Não se
preocupe. A Biblioteca está cheia de livros eróticos notáveis, escritos por
autores de qualidade. Entre eles, boa parte com algum traço da estética
barroca, valorizando o erotismo na ficção. Isso mostra um valor literário mais
refinado do que mera narrativa de alvoroços libidinosos. Estão ali para
armazenar mais uma face da história cultural da França.
- Difícil
de acreditar!
- Sério.
- Grande
o acervo?
- Cerca
de dois mil livros, salvos das fogueiras da Inquisição. Todos ali guardadinhos,
cada um com sua história para contar, mostrando que a biblioteca tem a ver com
a liberdade. A liberdade de ler, a liberdade de ideias, a liberdade de
comunicação. Nada mais democrático, Suzana.
- Santo
Deus!
- Durante
o período pré-Revolução Francesa, a nobreza também passou a ser alvo de sátiras
- sexo e família foram abordados sem pudores. Autores mais abusados descreviam,
entre outras coisas, as experiências arriscadas das esposas de aristocratas
impotentes, com os empregados da família.
- Olha!
- Esposas
sexualmente rejeitadas pelos maridos, resolviam suas carências com algum
serviçal da casa. Verdadeiro samba do ‘criolo doido’!
- Vixe!
- Pode
acreditar. Ao relatar essas histórias os escribas distorciam os fatos de
maneira grosseira, abusando da subjetividade, da ironia, do sarcasmo como
convite à esbórnia com cenas abusivas e repugnantes de sexo.
-
Chocante!
- É assim
que, naquele tempo, ridicularizavam quase tudo através desses impressos, que
usavam a metalinguagem para espinafrar até as celebridades. Sobrava para os
ocupantes dos três níveis de poder. A estúrdia, em especial, tinha o objetivo
de atingir os aduladores e sanguessugas do Estado, expondo suas fraquezas e
seus bufos para um público ansioso por notícias dessa natureza. Nem gente
graúda com crachá do reino era poupada dessas informações pejorativas,
humilhantes e jocosas.
- Muitas
vezes inverídicas, não?
- Possivelmente.
- Meu
Deus!
- Enfim,
nesses suculentos livretos que ofereciam asas à curiosidade, a banalização do
sexo era extrema, no olho do mal. Um deles, Os Futuros Uterinos de Maria
Antonieta, chega ao ponto de revelar detalhes íntimos da vida da imperatriz.
Sem o menor pudor, o autor descreve seus pedaços de vida mais indigestos,
alardeados em picantes cenas de alcova.
-
Coitada!
- Na
mesma época, outra publicação com o nome de Antonieta e Ses Amis, na maior ousadia temática insinua um
romance lésbico dela com uma das damas da corte no Palácio de Versalhes,
Mademoiselle Cristiane, mostrando que sexo é como um monstro insaciável, quanto
mais você o alimenta mais quer.
- Curuis!
- O
acervo de fato é espantoso, desassoalha fatos escabrosos mesmo. Coisa de louco!
- Ai, dá
até calafrios, um troço por dentro.
- Nada
disso é inverossímil.
- Mas
essa lésbica na vida da rainha existiu mesmo?
- Conta a
história que se tratava de uma senhorita extremamente feia, tanto que Antonieta
chamava-a de ‘querida macaquinha’, mas era dotada de um magnetismo de sedução
tão grande que levava suas belas conquistas aos extremos de paixão. Dizem que a
sapatão tinha casos com boa parte das mulheres da corte.
-
Caramba!
- Graças
à Imperatriz, a celebridade mandava e desmanda na corte, vivendo no auge das
honrarias, no apogeu de vida. Após a morte de Maria Antonieta, acusada de
traição, Mademoiselle Cristiane foi presa, jogada numa masmorra e, após sete
anos de cativeiro, sem que seu processo tivesse sido instruído pelo judiciário,
foi guilhotinada.
- Documentos
comprovam essas histórias?
- Na
verdade, os historiadores não se contradizem, também não confirmam os fatos. Eu
tenho a impressão de que boa parte dessas histórias pode de ter sido um
trabalho puramente imaginativo. O povo é muito criativo, principalmente o
francês, não é mesmo?
- Pode
ser. Histórias do imaginário popular.
- Para a
Biblioteca o importante é preservar as publicações em sua sede, sendo ficção ou
não. Funciona como uma grande arca que guarda pequenas joias transgressoras da
sociedade francesa em séculos passados.
- Coleção
aberta ao público?
- Por
enquanto, não. Como se escondesse algo proibido e sagrado, somente acadêmicos
com visão totalitária da história têm acesso ao lugar. E com autorização
expressa.
- Por que
a censura?
- Não
sei. Talvez a direção da Biblioteca ache que esse acervo exibe coisas que o
povo não está preparado para ver. Mesmo fechado, ele tem algo a dizer, pode
crer.
- Talvez.
- O certo
é que, agora mais ainda, podemos dizer que, em algum lugar dessa biblioteca, há
uma página escrita para cada um de nós, perpetuando também a literatura pornô.
- É.
- Suzana,
há mais de um século, desde que o francês Gustave Coubert pintou seu quadro A
Origem do Mundo, um retrato realista da genitália feminina que você já viu no
Louvre, artistas franceses erguem a bandeira do ‘encare e aceite’ a vida como
ela é. Mesmo assim, ainda hoje, a representação realista do sexo na arte
encontra restrição, não é bem-vinda.
- Talvez.
- Suponho
que, no futuro, esse tesouro erótico seja disponibilizado ao povo, até porque
livro na prateleira esquecido é ração para as traças.
- Não
posso acreditar que tem gente interessada nesse tipo de leitura. Mas, como há
gosto para tudo...
- Ora,
Suzana, devemos ter menos preconceito com relação ao sexo e mais abertura para
o erotismo. Hábito que, sem dúvida, estimula o poder do pensamento.
- Arre!
- Defende
a ideia a escritora Anais Nin, dizendo que o erotismo é uma das bases do
conhecimento de nós próprios, tão indispensável como a poesia.
Pausa.
Suzana:
- Não tem
jeito, o ser humano é absurdamente sexista.
- Até eu,
seduzido pelo tema, lancei uma revista de nus no Brasil. A censura proibiu a
circulação por considerá-la provocadora.
- Qual o
nome?
- Nus.
Pelo menos creio que foi uma das primeiras experiências em lançar nas bancas
uma revista masculina, genuinamente, brasileira.
- Nu
artístico ou erótico?
Mathieu
ri com malícia.
-
Artístico, sim senhora. Longe de querer colocar a nudez como símbolo
libertário, minha revista exibe novas versões do nu, distantes do sentido
erótico.
-
Reticências!
- Na
capa, a silhueta de uma singela mulher brasileira.
- Sem
jogo de cena, Math. Conta outra.
- Juro.
Posso mostrar a você um exemplar.
- Quero
ver, mocinho.
- Quando
quiser.
Suzana,
revirando os cabelos.
- Eu
tenho curvas e sempre vou ter. Mas, fique sabendo que não toparia posar nua de
jeito nenhum para uma revista masculina, nem que a vaca tussa. Só de saber que
a intenção é excitar alguém eu me bloqueio, não conseguiria.
- Fique
tranquila. Não vou convidá-la para modelo na minha revista.
- Tolice
da minha parte?
O rapaz
responde com outra pergunta:
-
Repetindo a pergunta de Freud: o que querem as mulheres?
- Parem
de perguntar o que uma mulher quer? Claro que não podemos responder. Somos
feitas de segredos, tudo se esconde: os sonhos, o umbigo, as axilas, a
vagina... Que graça teria abrir o jogo assim?
-
Caramba!
- Ora
bolas, por que desejaríamos ser claras? Por fim ao mistério?
- Talvez.
- Um
homem precisa ter habilidades para intuir, descobrir aos poucos os desejos de
uma mulher. Adivinhar. Queremos ser decifradas pelas mãos e pela boca dos
homens, sem contrariar o ponto ‘G’ da alma, claro. É o melhor jeito para
conquistar nossa intimidade.
Pausa.
Mathieu:
- Desde o
começo dos tempos os homens tentam desvendar o mistério feminino e, sem
sucesso. Os poucos que atravessaram seus portões só conseguiram explicar e
transmitir as coordenadas de sua travessia através de um personagem astucioso
como Don Juan.
- Talvez.
Mas, posso dizer que Edmund Freud, com notável coragem e conhecimento,
incursionou no misterioso universo feminino e nos revelou detalhes deles, sem
dúvidas. Mas, isso aconteceu numa época em que as mulheres não podiam muita
coisa, concorda? Hoje em dia, acho que seria muito mais válido perguntar o que,
afinal, querem os homens.
- Tem
razão.
- Mais
importante do que saber o que queremos é a gente mesma descobrir o que
almejamos, além de chocolate e homens que não mentem.
-
Louvável. Caso que, até Freud amargou certa frustração ao partir desse mundo,
sem nunca ter entendido completamente a cabeça do gênero feminino.
Risos.
Suzana, em silêncio, acende outro cigarro e começa a fumar, distraidamente.
* FBN© - 2012 – O Sol nas Paredes
de uma Biblioteca..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria:
Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: Playmate after
Rokeby Venus", de Salvador Dali, 1966. Publicada na revista Playboy. Link:
http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/25xxiv-o-sol-nas-paredes-de-uma.html
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