2011-01-03

06/VI - PALCO DE SONHOS

*

Toulouse Lautrec
 
A fertilidade de sua pintura está, justamente, em mostrar o
que é difícil de olhar sem aquela sensação surpreendente de choque.

 Ilusões Perdidas, óleo sobre tela.



Suzana levanta-se da poltrona subitamente.

- Aonde vai? – pergunta o amigo, curioso.

- Vou respirar.

Mergulhada na profundeza de sua inquietude íntima, ela caminha até a janela. Com os cotovelos apoiados no peitoral, acende um cigarro e debruça para a Avenida João Pinheiro. Examina o céu e as ruas vazias lá embaixo, e continua a pensar.

Absorta, permanece afundada dentro de si por alguns minutos, como se interrogasse a escuridão e a quietude da noite. Batia-lhe agitado o coração. De regresso à poltrona, senta-se sem falar nada, permitindo-se cair os braços no colo. Depois de um momento exclama:

- Oh, Senhor!

- Longa reflexão, heim?

- Bobagens da minha cabeça. Baboseiras.

- Você está bem? – pergunta Mathieu.

Entre um demorado silêncio entre eles, Suzana fumou outro cigarro. Em seguida, balança a cabeça num movimento de negação, dizendo:

- Arre!... Meus pensamentos não param, dão volta em círculos.

- O que há?

- Ô, Math, não é justo eu despejar meus problemas em cima de você. Deve estar de saco cheio com minha choradeira nos seus ouvidos.

- Nada disso.

 - Feito uma tonta, não parei de despejar lamúrias de um casamento que desmorona. Ai, que coisa mais chata! 

- Liga não – pondera o rapaz.

- Não sou de choramingar no ombro de ninguém. Nem de minhas amigas mais chegadas. Raramente peço ajuda a alguém, embora esteja sempre acessível a quem queira me pedir apoio. Minhas sinceras desculpas, viu?

- Não se incomode.

- Você é muito gentil.

- Somos amigos.

Pausa. Suzana:

- Chega! Chega de chorar mágoas.

- Também não é assim. Calma.

- Para que tanta calma?

- A situação exige. Paciência, querida, também ajuda a secar as feridas.

Suzana aperta os olhos para não chorar.

 - De certo modo, sim.

- Uma boa e descontraída conversa pode ser um santo remédio.

- Claro que sim.

- Criatura, porque não dá férias aos seus problemas? Uma viagem seria boa pedida.

- Viagem?

- Nada melhor para um casal se convencer de que a realidade é mais do que um sonho. Enfim, um passeio favorece a gente ver e sentir as coisas de outra maneira, de outra perspectiva; quebra o gelo. O clima de montanha, o barulhinho de mato, principalmente, e o isolamento ajudam o casal a relaxar. De acordo o poeta Mário Quintana, viajar é mudar a roupa da alma.

- Háháhá...

- Ora, Suzana, falo sério. Desconheço coisa melhor para arrancar ervas daninhas do caminho do que um refúgio ao ar livre, no meio do mato. Dar um tempo para discutir a relação e deixar que as queixas sejam resolvidas por um diálogo maduro. Mas, claro, em clima de namoro, como se estivesse fazendo uma segunda lua-de-mel. Assim, vocês podem recolocar todos os pingos nos “is” de uma vez por todas. Enfim, o amor é um dos melhores remédios, certo?

- Háháhá!

- Pode ser uma boa. Segundo Pascal, o último esforço da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a ultrapassam. É preciso ouvir, entender e mudar.

A mulher sorri, descrente. Recomposta na poltrona, diz:

- Zoa não, moço.

- É sério. Uma viagem favorece tudo isso, deixa as pessoas mais light. Os ânimos se abrandam e, sobretudo, ajuda a gente a lidar melhor com o bom sabor de uma vida amorosa. Vai por mim, vai..., não tem mais perfeita vacina contra o tédio do que um bom passeio de férias.

- Quer que eu faça papel de boba, quer?

- Não. Falo sério.

- Ora, Math, seu amigo só quer saber dele mesmo. Olha para si próprio o tempo todo.

- Deixa de tolice. Escolhem um lugar bonito, romântico. E vão curtir os dois..., ou os três. Como quiser.

- Difícil.

- Não acha que é um bom pretexto para azeitar a relação entre um casal estremecido?

- Ã-Hã.

- Anime-se.

- Ã-Hã.

- Ei, o gato comeu sua língua? – pergunta o rapaz diante do monossilabismo da amiga.

- Ele quer?

- Sugere. Conversa. Negocia.

- Vai recusar e, por cima, tirar ‘sarro’ com a minha cara.

- Arrisca.

- Ah, Math!

- Dirá que está por aqui de compromissos.

- Diacho!

- Sem chance, cara. Sem chance. Não tem como argumentar com seu amigo. Primeiro ele, segundo ele e depois ele. Pessoa narcísica, só pensando em si. Arre!

- Me promete uma coisa?

- O quê?

- Tenta.

- Nem pensar.

- Tenta.

- Conheço a figura.

- Pelo menos faz sua parte.

- Ah, Math, não vou ficar atrás desse cara que nem uma tonta.

- Por favor!

- Não. Já dei tudo que tinha. Não jogo mais. Mais do que isso, fechei a porta.

- Ô, Suzana, casamento é um universo complexo que envolve o social, o erótico e a psicologia também. Tem que fazer por onde. Vamos, só mais uma vez?

- Não.

- Desse jeito...

- Agradeço a sugestão. Como disse, nosso casamento está enfermo, anda no pus. Respira por aparelhos, prontinho para receber extrema-unção. Não vale a pena.

- Caracas!

Suzana aperta uma das mãos na testa.

- Passou da hora de desligar os tubos. Cada dia fica mais intolerável, mais penoso. Isso é coisa que vem se arrastando por algum tempo.

- Bem, se é assim.... Uma viagem, se não for para mudar o nosso olhar, não vale a pena.

- Não. Não vale. Dos momentos de glória, só as lembranças. Quando o Zé formalizou o pedido de casamento foi um dia alegre, muito alegre na casa de meus pais e para mim, que ia escapar da férrea tutela paterna. Apostamos todas as fichas, imaginando que minha escolha fora a mais certa na maratona à procura da eterna felicidade.

- Acredito.

- Era uma jovem apaixonada. Por isso mesmo idealizei de tudo para dar certo. À toa. Bamburrei por pouco tempo. Aos poucos, ele começou a minar nossa relação. Ao colocar as garrinhas de fora, pude ver que José Renato possui o indicador maior do que o dedo médio. Em lugar de mimos, esculachos. Em vez de abraços, gestos agressivos. Gramei muito, cara.

- Poxa!

- Conheci o lado buldogue dele. O que mais ouvia da sua boca era que eu não compreendia nada de nada, um zero à esquerda. Diante de tanta agressividade pude ver que José Renato não era mais o homem que imaginei. Baratinou tudo. Eu me sentia muito sozinha e triste.

- Caramba!

- A partir daí a gente não se entendeu mais, arruinou tudo. Assim, do nada, com a instabilidade que eu não esperava dele, minha relação foi até o fundo do poço. A felicidade que era para ser perpétua, em pouco tempo fracassou de vez. Ai, que ódio!

- Difícil de acreditar! Até porque quem estudou filosofia não é pessoa má. Tem outro sentimento, um cuidado maior em respeitar os outros.

Em tom áspero, Suzana completa:

- Math, sentimento de abandono deixa qualquer mulher traumatizada.

- Compreensível.

- A sorte é que, normalmente, paixão dura pouco, não é?

- É.

- Esperava casar com um homem na expressão máxima da palavra, confiante de que ele ia me fazer feliz para o resto da vida. Sei lá, um homem romântico, sensível, capaz de entender as dúvidas e as inseguranças próprias da alma feminina. Queria algo sério, Math.

- Sonho de toda mulher.

- Antes de conhecer o Zé, tive apenas namoricos indefinidos e algumas pequenas paixões clandestinas, coisa de adolescentes no interior. Nada de mais, casos passageiros porque sempre fui muito reservada. Quando mudei para a Capital, eu queria liberdade para ser um pouco mais abusada com a minha sexualidade, namorar quem eu quisesse. Por mais intrigante que seja, pensava por isso para fora.

- Sim.

- Logo seu amigo me fisgou. Quando veio com essa de casamento, apaixonada até debaixo d’água, aceitei de cara como um desafio que não podia recusar. Achava o maior ‘barato’ um professor interessado por uma aluna bem mais nova.

- Interessante.

- Paixonite aguda, sabe como é?

- Ã-Hã.

- Ele me causava frisson e suspiros quando aparecia para dar a sua aula, logo me senti completamente atraída pelo cara, amor à primeira aula. Fascínio mágico, coisas da vida que ninguém explica direito.

- Sim.

- No começo tudo era azul. Era mesmo o melhor de todos os homens que conheci: inteligente, bom, engraçado, bonitão... Iludida, não deu outra, apaixonei, amando-o de ‘montão’!

- Sei como é.

- Crente que o relacionamento iria adiante, dei tudo de mim nesse encontro, pensando que não haveria ponto final para uma história de amor tão bonita. Só ele não sacou nada, cada dia mais arrogante, volátil e mestre da manipulação, cada dia prestava menos atenção em mim. Olhava, mas não me via, ouvia mas não me escutava.

- Caramba!

- Passou a se comportar como afamado ‘marido everest’: altivo, frio e distante, pondo nosso casamento para girar em torno das suas necessidades. Olha aí onde fui me meter!

Mathieu esfrega as mãos e, com ar de brincadeira alude:

- Pobre e frágil princesa! Segundo André Capelão, lá no século 12, em seu livro Tratado de Amor Cortês, o amor é uma doença que acomete o pensamento de uma pessoa e a torna obcecada por outra pessoa, criando um vício incontrolável que busca penetrar em todos os mistérios da pessoa amada: suas formas, seu corpo, seus hábitos.

- Pior que é isso mesmo.

- Essa é a prova maior de que jamais devemos terceirizar nosso destino. O futuro é incerto, sempre.

- Fui uma debilóide, romântica, uma tonta!

O rapaz toma um pouco de cerveja, acende outro cigarro e arrisca:

- Pode ser a diferença da idade, não?

- Penso nisso todo dia. Mais de vinte anos.

- Tem suas limitações, claro.

- Sonhos e planos frustrados!

- É.

- Até hoje, Math, não consigo explicar como tudo isso aconteceu, como cai nessa armadilha?

- Acontece. Nem sempre é possível controlar as emoções.

- Às vezes o destino apronta cada uma com a gente, não é mesmo?

- Querida, muitos sentimentos não sabemos explicar, muito menos compreender, principalmente, no calor da paixão. São os velhos e conhecidos absurdos de um coração apaixonado, que desconhece fronteiras.

- Pior que é.

Pausa. Mathieu:

- Na verdade, nessa colisão de dois mundos tão diferentes, cada um se serviu do outro para atender seus próprios interesses. Um buscando no outro a resolução dos seus problemas.

- Talvez.

- Ele era o que é. Você estava cega e acreditou na sua conversa.

- Hilário até!

- O filósofo iluminista Voltaire dizia que a vida é como um jogo de cartas. Os jogadores recebem as cartas dadas, mas cabe a cada um deles a escolha e os riscos de como jogá-las.

- Tudo que a gente faz na vida tem uma consequência, não é mesmo? Joguei mal.

Risos. Mathieu.

- Na tradição machista, longe de ver as coisas na proporção que elas têm, os homens escolhem mulheres mais jovens para se casar e ter o controle da parceira, o que acaba empobrecendo as relações afetivas – pontua o rapaz.

- Isso mesmo! Só depois vi o tamanho da besteira que fiz, um mal passo. Ignorei toda uma lista de sinais vermelhos. De doer! De doer!

- Sei.

- Para dizer a verdade, querido, quando cheguei a peça tinha sido encenada e o seu protagonista estava de saída. Era tarde demais. Peguei a fila do último minuto como uma pateta!

- Não se culpe, você era jovem demais. História de amor mal resolvida pode acontecer com qualquer pessoa. Ainda, de acordo com Pascal, o coração tem razões que a própria razão desconhece. Pense nisso.

- Math, não me conformo.

- Ora, Suzana, quem nesse mundo nunca cometeu alguma besteira nesse sentido? O amor é um sentimento cego, totalmente, guiado pela loucura e, muito menos, escolhe hora para acontecer. Paixão é mesmo uma coisa incontrolável!

- Ave Maria!

- Na vida amorosa de um casal sempre houve encontros e desencontros, porque a mente humana é vulnerável a enganos e desenganos. E mais: quando imaginamos que sabemos todas as respostas, a vida altera todas as perguntas. Coisas da existência!

Suzana ergue os olhos e revela em tom censurado:

- Pelas cinco chagas de Cristo, não posso compreender porque tenho de passar por tudo isso?

- Carência afetiva..., impulso de união. Sei lá..., uma confusão afetuosa qualquer.

- Ah, Math, é como se estivesse no Purgatório, pagando meus pecados. Ai, não me conformo.

- Casamento, querida, envolve ensaio, roteiro e grandes cenários para transformar indivíduos em personagens de conto de fadas até que o tempo os separe. Enfim, os relacionamentos podem acabar a qualquer momento, ou melhor, costumam ter prazo de validade.

- Como disse, fui aluna dele no curso de Letras. Saí de um regime de internato no Colégio Santa Maria direto para a faculdade, virgem de tudo. Da faculdade para o altar com véu, grinalda e flor de laranjeira nas mãos. Exatamente como manda o figurino das moças casadoiras, repletas de ilusões.

- Com direito a fotos no adro da Igreja?

Risos. Suzana:

- Também. Meu Deus, não gosto nem de lembrar!

- Mexe, ‘né?

- Recordar esse momento é um desgaste emocional muito grande. É como arrumar uma caixa de fotos antigas. Levanta uma poeira que nem sempre é agradável.

- Sei como é – concorda Mathieu.

- Diz um provérbio mouro que o diabo diz a verdade nove vezes para poder mentir melhor na décima.

- Pior que é.

- Há muito, nem para jantar, eu o Zé saímos mais. Ir ao cinema, então é coisa rara - confessa com amargura a mulher.

- Lacan estava coberto de razão quando tentou provar que completude não existe, porque o desejo é impossível de ser um quando há dois.

- Ã-Hã.

Suzana retira do maço outro cigarro. Acende e começa a fumar, serenamente.

- Era uma garota sem experiência, introvertida e por fora de tudo, mesmo convivendo com colegas que fumavam e falavam de sexo, ansiosas por erotismo e loucas para constituir raízes no prazer da transgressão. Todas liam sem parar o livro Le Deuxième Sexe.

- Boa obra. Com pegada de autoajuda, vem causando uma revolução na cabeça das mulheres mais modernas. Leu também?

- Sim.

- Parabéns. Exaustivamente lida pelos mais jovens, a obra de Simone tem sido a chave para abrir espaço de luta do movimento feminista. Inspirou roteiros de cinema com muitas discussões sobre a sexualidade. Basta ver Todas as Mulheres do Mundo, A Primeira Noite de um Homem e Bela da Tarde. Cada filme, a seu modo, registra a reviravolta do comportamento sexual nesses conturbados anos da década de 1960.

- Claro.

- Filmes apresentados com mulheres desencanadas, muita ação e um bom elenco para garantir filmes sensuais e divertidos.

- Ah, sim.

Mathieu, curioso:

- Teve aulas sobre educação sexual na sua escola?

- Vez ou outra a professora de Biologia dedicava um horário para abordar o assunto. Curioso é que ela se referia ao órgão genital feminino dizendo ‘lá’ ou, quando muito, pelo nome de aparelho reprodutor feminino. Lembro como se fosse hoje.

- É assim mesmo. Citar nomes das partes íntimas do ser humano ainda é como dizer um palavrão, mesmo sendo vagina a palavra-chave do tema. O termo popular, então! Quer dizer, o tabu que ainda ronda o assunto.

Suzana, com ar de espanto, meio desconcertada:

- Não me agrada nem um pouco essa palavra. Soa a pornografia, boca suja.

- Besteira, menina. Ambas são dicionarizadas. Vocábulos significantes para regiões diferentes do órgão sexual feminino. Muitas vezes, a censura aos dois vocábulos torna difícil fazer referência à genitália feminina.

- Lógico.

- Em termos técnicos, vagina designa o canal. Boceta, a vulva. Simples, não?

- Claro. Claro.

- Em torno desse imbróglio preconceituoso o único perigo é que, em algum momento, se demonize o dicionário também.

Risos. Suzana:

- Falar de genitália masculina, então...

- Posso imaginar.

- A professora vivia dizendo que era pecado mortal cometer sexo antes do casamento, até mesmo quando se faz sozinha. Vê se pode?

- Faz parte da pedagogia. Sabe-se a professora que, hoje em dia, há estimulo o tempo em qualquer lugar, principalmente, na televisão. Basta assistir a uma peça publicitária para perceber que as imagens, explorando a sexualidade, estão lá de maneira escancarada e ostensiva. O papel da escola é tentar fornecer meios de se evitar o sexo livre, principalmente, entre a juventude.

- Talvez. Só para se ter ideia, fiquei ‘baratinada’ quando ela esboçou o órgão sexual masculino no quadro negro. Era enorme. Acho que contextualizou assim para despertar receio mesmo. Quiçá por conta do seu próprio pânico fálico!

- Conservadorismo dominante! Não poderia ser diferente. Retratar, exibir e falar sobre vagina e pênis é proibido, na visão dos professores tradicionais, principalmente, das escolas dirigidas por padres ou freiras. De modo geral, artistas plásticos, historiadores, filósofos e até sexólogos, às vezes, demonstram as mesmas dificuldades. Espantoso, ‘né?

- Bastante.

- Em pleno 1968, mesmo com todo avanço comportamental ainda há um medo de boa parte das mulheres em falar de sexo. Temos muito problema com isso. A percepção geral da sociedade ainda é que as mulheres devem ser encaradas como crianças. Podem ser vistas, mas não precisam ser ouvidas.

- Talvez.

- Eu penso que, quando se expõe uma imagem como objeto analítico reflexivo, ela deixa de ser pornografia.

- Ah, sim.

- Longe de um olhar esquizofrênico, defendo a tese de que qualquer imagem, embora de cunho erótico, perde o teor sexual quando transformada em arte, concorda?

Suzana aquiesce com a cabeça. O rapaz continua explicando seu ponto de vista:

- Maior exemplo disso são algumas obras famosas, como o Estudo para a Virgem, de Gustave Klimt; O Jardim dos Suplícios, de Augusto Rodin; Esperando Warren, de Edgar Degas e, especialmente o quadro A Origem do Mundo, de Gustave Coubert. Todos eles, com destaque para a ‘perseguida’, estão cuidadosamente expostos no Museu do Louvre e, em outros espaços culturais espalhados pelo mundo, como você bem viu.

- Claro.

- De qualquer forma, querida, nota dez para a sua escola que se preocupa em dar informações preciosas sobre o corpo humano. De forma geral, não é o que acontece. A sexualidade deve estar em palestras e no dia a dia dos mestres, da mesma forma como tratam todos os outros assuntos. Enfim, não podemos fingir que os desejos femininos não existem.

- Certamente.

- Temas assim, ajudam a entender melhor a tese de Simone de Bouvoir. Para ela meninas não nascem como meninas e, meninos não nascem como meninos. As crianças são moldadas de acordo com a sociedade em que vivem.

Pausa. Após tomar um pouco de cerveja, Suzana conta:

- Ai, meu Deus, até meus 16 anos era uma garotinha recatada e tímida, mal sabia como usar batom, acredita? Chupei bico até os 10 anos. Só parei quanto terminei o primário e comecei a fazer o curso de admissão para cursar o Ginásio, lá no interior. Mesmo assim, até hoje, vira e mexa me dou com o polegar na boca. Faço de tudo para o Junior não ver. Ô, vicio!

- Bom mesmo.

- Com as dificuldades todas de uma adolescente, tinha vontade de me esconder, de me apagar. Comportadinha, eu ligava para o que falavam de mim. Qualquer coisa me chateava. Queria logo ter 20 anos e não ser mais uma garotona desajeitada.

- Ansiedades naturais do ingresso na vida adulta, somadas à pressão de amadurecer sob os olhares de uma sociedade muito exigente! Isso é normal.

- Tanto que acabei desenvolvendo a minha sexualidade bem mais tarde.

- Acontece.

- Por isso mesmo que eu era uma mocinha tão retraída e cheia de medos. Temia o momento em que iria fazer pela primeira vez..., a dor..., o desconforto físico. Arre!

- Só rindo, querida!

- Ah, Math, na puberdade era magrela, meio desajeitada. Sofria porque os rapazes só queriam saber das garotas de corpo bonito, as gostosonas. Nunca imaginei que, no curso dos anos, um dia me transformaria numa mulher com o corpo sadio e abençoado pelas curvas que tenho hoje. Uma benção!

Mathieu sorri com descrição:

- Estou admirado.

- Com o jeitão de bronca da caipirona aqui?

- Com sua história de vida. Dá um livro.

- Sim.

- A arte imita a vida, diz o ditado. Bem... Menina bonita, errar faz parte das descobertas, e dos acertos, claro.

Suzana com ligeiro sorriso nas faces balança a cabeça concordando. Mathieu:

- Vai sair, numa boa, dessa vida maluca em que está vivendo com José Renato. Pode crer.

- Confio, professor. Custei, mas passei a ver o mundo de outro jeito. Amadureci.

O rapaz em tom macio, quase recitando:

- Meta a gente busca e caminho a gente acha. Desafio, menina, a gente enfrenta. Vida a gente inventa. Saudade a gente mata. Sonho a gente realiza.

- Bonito. Quem disse isso?

- Anônimo.

- Querido, buscando palavras em Cecília, vou aprender com a primavera a me deixar cortar para poder voltar inteira.

Mathieu cerra os olhos, imaginando. Logo espalma a mão sobre o peito e assegura em tom afetuoso:

- Bravo, menina! Assim é melhor.
 


 





* FBN© - 2012 – Palco de Sonhos... NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.:  Paraíso Artificial – tela de Toulouse Lautrec - Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/7vii-ilusoes-perdidas.html?zx=9ee472b8365dc60b

 

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