2011-01-03

27/XXVII – LUZES DA RIBALTA

*
Sétima Arte
CinemaScope. Color by deLuxe

 Catherine Deneuve fotografada com Ives Saint-Laurent no lançamento do

do filme Belle de Jour, Paris.

 




 


          Suzana, espalhando a fumaça do cigarro com a mão, pergunta:

- E você, Math, vai muito ao cinema?

- Ah, sim, sou cinéfilo roxo. O bichinho da sétima arte me pegou desde cedo – responde o rapaz num tom imperioso.

- Aposto que não perde nenhuma chanchada em cartaz na cidade.

- Talvez. Faço parte do CEC.

- Hein?

- Centro de Estudos Cinematográficos.

- Maravilha.

- Eu me divirto muito com as velhas e sutis comédias brasileiras. Croc-croc! Sempre com um saquinho de pipocas na mão.

- Delícia! Adoro pipocas.

- Gosta de comédia, Suzana?

- Não descarto. Mas, desqualifico a maioria, especialmente, aquelas que se nutrem da arte da pancadaria, da porrada cômica. Não suporto.

- Mesmo?

- As que exploram humor negro, então! Nelas há escárnio, desesperança... Detesto.

- Bem... Bem... No momento político brasileiro, pressionado pelo regime militar, o povo precisa respirar. A chanchada acaba tendo essa função. Humor é coisa séria, Suzana. Como seu fim é fazer o povo divertir, consegue melhorar o astral da alma de milhares de brasileiros.

- Talvez.

Pausa. Mathieu:

- Sabia que o primeiro filme cômico que se tem notícia no planeta é o Regador Regado, de 1896, dos irmãos Lumière?

- Maravilha.

- Quando foi a estreia do personagem Carlito, de Chaplin?

- Em 1914 com a película Uma Corrida de Carro para Meninos. Não é um filme bom, mas as risadas são possíveis.

- Legal.

- Particularmente, não acho a comédia um gênero menor. O gênero quase sempre apresenta características de fazer pensar e levar à reflexão, porque há um traço de melancolia no comediante. São eles verdadeiras janelas abertas para o mundo.

- Talvez.

- O cinema cômico vai do palhaço mais clown, como Chaplin com seu humor inteligente, passando pelo poético Jacques Tati com seu brilho no texto, até nossas Chanchadas que produzem fitas para explorar o ingênuo, o sutil, o escrachado..., humor para o que der e vier.

- Háháhá! O pato versus o ganso: quak!..., quak!... – imita Suzana o cacarejo de um pato.

Mathieu solta uma gargalhada. Depois de um gole de cerveja e uma longa tragada no cigarro, diz:

- O momento atual do mercado mundial aposta nas comédias como receita certa para as bilheterias, que logo caem nas graças do povão. O diretor Carlos Manga, como rei da chanchada, é quem mais pode falar sobre isso. Dois elementos ele jamais abandona em seus filmes: o riso e a sexualidade.

- É.

-Então não gosta de nossa chanchada?

- Não me atrai nem um pouco.

- Não?

- Não. Quase sempre muita apelação, baixaria.

- Pois eu curto. Ankito, quase sem palavras e progressivas nuanças no rosto, conta histórias bobas que dão para rolar de rir. Zé Trindade é outro que diverte bem com seus trocadilhos de duplo sentido. Seu lance é interpretar várias facetas de um inquieto mulherengo, que vive a malandragem carioca com sua mente intoxicada pelos ‘roliços mocotós’ das atrizes, isto é, pelas pernas roliças e apetitosas das moças. Do mesmo modo, Grande Otelo e Oscarito, craques do riso com talento tamanho GG, que fazem humor inteligente, fino e ironia implacável, provocando gargalhadas na plateia. Dupla perfeita.

- Bobeira. Chanchada, seja qual for, passeia pelo território do escracho, do chulo, do besteirol. Tenho aversão instintiva por essas mixórdias – reprova Suzana.

O rapaz pousa a mão sobre a dela:

- Também não precisa distorcer tanto.

- Não é?

- Chanchada é alegria para o povão, que ri até não poder mais por um precinho de uma entrada de cinema. Patrimônio cultural referenciado até pelo presidente Getúlio Vargas, que se ligava nas fitas sabendo que rir é o melhor remédio os seus súditos. Por isso mesmo a comédia oferece bons lucros.

- É.

- O gênero retrata o bom-humor como característica nacional. Até os anos 1930 nosso cinema era visto como amador, mas a partir daí novos cineastas descobriram um público imenso disposto a rir apenas, até então negligenciado pela indústria cinematográfica. O Brasil é um dos países com mais salas de exibição do planeta, invadidos pela comédia, sabia?

- Pode até ser.

- Fazer rir dá muito trabalho, até porque uma das funções do humor é também despertar a consciência das pessoas. Veja o humor inteligente de Juca Chaves.  O pequeno notável está sempre de plantão para apontar o risível das decisões políticas do Distrito Federal. Suzana, agredir e tentar impedir o absoluto está no mote de uma comédia.

- Adoro o Juca.

Mathieu, tira do maço mais um cigarro e acende.

- Além disso, inspiradas nas chanchadas, muitas peças publicitárias foram criadas para atrair turistas ao Rio de Janeiro, dispostos a participar da vida animada e envolvente da Cidade Maravilhosa.

- Ótimo.

- Sem falar que, para outros, as chanchadas trazem lembranças de uma época de ouro do Teatro de Revista.

              - Das vedetes?

Com um risinho meio debochado, o rapaz inclinando e colocando a mão sobre as pernas da amiga:

- Elas estiveram no palco para promover a beleza do belo, querida. Em poses sensuais, as vedetes brasileiras satisfaziam tanto ao gosto do momento, quanto ao que é sexualmente estimulante e erótico para divertir homens de todos os níveis. Arrebatadoras! Apresentavam-se com muito glamour e as pernas mais bonitas do mundo, capazes de atrair atenção até dos deuses.

- Háháhá!

- É sério. Todas com muito it, gozavam de uma popularidade imensa. Sorridentes, cheias de curvas e muito bem produzidas causavam o maior rebuliço na plateia do teatro rebolado, onde só o silêncio era proibido. A maior festa de fantasias para os olhos masculinos, pode crer.

- Hummmmm!

- Extraordinariamente loucas eram admiradas por um mundo de homens reais, ao vivo e a cores, como se estivessem ali curtindo um Moulin Rouge no Rio de Janeiro. Lindas de ver, lindas de ouvir, o maior sucesso!

- Imagino.

- Uma coisa era você ver uma vedete nas páginas das revistas. Outra coisa era você sentir o pulsar erótico do original em cena no Teatro de Revista com suas plumas multicoloridas. Excita muito mais, o maior show da vida!

- Que coisa!

- As vedetes, destinadas a instigar e divertir, eram mesmo surpreendentes. Mantinham o tempo todo o PhD de pop star em alta, abrindo o misterioso ‘eu feminino’ aos espectadores empolgados. Tudo como se quisessem ser consumidas como um bom aparelho elétrico de uso diário. Quanto mais versátil, melhor.

- Ave Maria!

- Impressionante a capacidade de transformação delas no picadeiro. Durante um espetáculo, algumas mudavam a tal ponto a própria imagem que, muitas vezes, nem se reconheciam depois na foto do repórter fotográfico de plantão.

- Por onde andam?

- Hoje em dia joias cada vez mais raras de garimpar. Estão desaparecendo do mapa com tudo que faziam pela sensualidade do rebolado, que mantinha acesos todos os tesões da visibilidade teatral – afirma o rapaz, sorrindo.

          - Sinto muito.

- Posso dizer que o Teatro Revista chegou ao fim, quando caiu o pano sobre o último espetáculo produzido por Walter Pinto. Acabou-se sem o Grand-final de cascatas borbulhantes, mas com um elenco de 100 figurantes entoando a canção Na Baixa do Sapateiro, enquanto pombas brancas voavam do meio de uma bandeira do Brasil, em direção à plateia deslumbrada.  Posteriormente, nada de novo.

- Sério?

- Sério. Depois da apoteose da Companhia de Teatro Pinto, o Teatro Rebolado tomou outro rumo. Fantasiado de travestis refugiou-se nas boates e perdeu seu público tradicional.

- Cacildis!

- Ser vedete, querida, está fora da moda. O símbolo sexual ganhou outro nome: manequim. Moçoilas com maquilagem ousada no rosto e cara fechada constante, sem um pingo de alegria e nenhum prazer estético, é que estão em alta, na moda.

- Ã-Hã.

- Pior: branquíssimas, anoréxicas, mesmo sabendo que os médicos alertam que a linha que separa a magreza da doença é tão fina quanto a cintura das garotas, que se submetem à ditadura da julgada elegância.

- Isso mesmo. Todas adoecidas pela obsessão da pseudo boa forma, presas a um padrão de beleza ditado pela ditadura da hipocrisia imbecil da passarela – avalia Suzana.

- Basta ver as manecas do Denner na passarela que se apresentam com braços escalavrados, pernas nodosas e o rosto encovado, desfilando com trajes criados por uma trupe de ‘bichonas’ cheias de frufrus, que ninguém tem a audácia de usar em lugar nenhum. Babaquice!

Risos. Suzana:       

- Sem exagero, querido.

- Exatamente o contrário das antigas vedetes que, cheias de ‘rububu no bobobó’, enfeitiçavam o público pelo bom astral, pela sedução, pela magia e, pela alegria fashion, claro. Garotas saradas! Muito bonitas, ou muito engraçadas, todas com admirável veia artística.

- Sei.

- Não podemos esquecer nunca que a fase das vedetes no palco foi um grande indicador de mudanças na sociedade em todos os sentidos. Com elas o erotismo feminino começou ser vivido de modo mais natural no Brasil, tanto que a estrela do teatro revista Virgínia Laine recebeu das mãos do presidente Getúlio Vargas a faixa de Vedete do Brasil.

- Talvez.

Mathieu, depois de tomar um pouco de cerveja, acende um cigarro dizendo:

- Não perco os filmes de Jean-Luc Godard.

- Formidáveis.

- Podemos dizer que, de um modo geral, o componente poético no cinema decolou com os filmes Godard. Entre eles O Acossado, Pierrot Le Fou e Duas Ou Três Coisas Que Sei Dela, de 1967, apesar de ser um documentário.

- Gênio! – expressa a mulher.

- Criador que jamais devemos perder de vista, vai ficar para a posteridade.

- Sem dúvida.

Pausa. Mathieu:

- Anteontem, assisti 2001- Uma Odisseia no Espaço, o novo longa de Stanley Kubrick.

- O que achou?

- Magnífico. Kubrick, ao lado do roteirista Arthur C. Clarke, adiantou-se no tempo ao realizar o primeiro filme que levanta a hipótese da inteligência artificial. Na verdade, ele reinventa a ficção científica. Até então, os filmes desse gênero eram aqueles conglomerados de monstros com a missão de destruir cidades, principalmente.

- Isso mesmo.

- E, para oferecer um clima especial ao filme, Kubrick contou com uma trilha musical que remete à evolução da espécie humana. Por exemplo, a composição Tlzits Spake Zarathirstra, de Richard Strauss, foi inspirada numa obra de Nietzsche. É o mito iiietzchearzo do super-homem.

- Deve ser mesmo um filme muito interessante.

- Bem... Bem... Suzana, que outro filme em cartaz gostaria de ver?

            - Deixa-me ver? Ah, Belle de Jour, com Catherine Deneuve!

Mathieu balança cabeça em sinal de aprovação.

 - Buñuel! Boa escolha. Espetacular do primeiro ao último minuto, tanto que lidera a bilheteria mundial. Não é um longa que namora com a literatura clássica, mas é fantástico. Coisa de gente grande.

- Pretendo ver.

- Vai gostar. Com ares de filme noir dos anos 1950 e um ‘quê’ de Hitchcock, exibe um olhar cru sobre a sexualidade. Obra-prima. 

- Tudo com intensidade rara de se ver no cinema. Tão rara que sua repercussão fora da tela teve críticas das feministas, acerca das longas sequências de uma mulher nua na cama, numa insinuante exposição do seu corpo. Cenas bem fortes, viu?

- Sério?

- Além de tudo, a fita está aí para mostrar que a cinematografia não é só Hollywood, considerada a Capital Mundial do Cinema. Deu certo na França. Trabalha elementos característicos de um cineasta famoso pelo teor inflamável de filmes, que exploram os conflitos do universo feminino. Versão sem truques, pode conferir.

- Sim.

- Em cartaz na cidade, desde terça passada.  É um filme ousado e conservador. O tempo todo, Buñuel conduz os personagens em rota silenciosa de sexo compulsivo, exibindo a insaciabilidade da personagem, louca por jogos eróticos. Sobra vitalidade.

- Uau!

- Conservador, porque essa procura, necessariamente, é uma compulsão doentia. De cena em cena, Luís Buñuel Portolés nos remete a outras reflexões através de um roteiro envolvente, da maior relevância – enaltece Mathieu.

- Maravilha!

- História construída dentro de um motel, que serve como canal para revelar angústias e desejos de quem vive seu momento de amor em pedaços. A atriz interpreta Severine, uma mulher que resolve se prostituir, a fim de explorar seu próprio corpo numa tentativa de entender melhor os fetiches dos homens, e como suas mulheres reagem à traição.

- Caramba!

- Por outro lado, a oportunidade de observar Catherine Deneuve no auge da forma, contracenando em cenas picantes com vários homens numa película colorida e, em cinemascope, faz do longa um grande acontecimento. A superstar vive um furacão sexual na tela, seu desempenho é fantástico. Imprime a imagem da mulher ideal, da feminilidade absoluta, da atriz por excelência. Isso só justificaria seu valor.

- Claro.

- Poucas estrelas teriam a coragem de encarar um filme sobre uma jovem esposa de um médico, que transita entre a depressão e a voracidade sexual em questão de horas. Além do mais é marcado por uma fotografia requintada, de encher os olhos.

- Legal.

Mathieu, sorrindo:

- E ai, ficou curiosa? Quer saber um pouco mais do enredo?

- Fala.

- Muito bem. Buñuel explora a transexualidade de uma senhora bem casada, que aceitou a própria destruição. Lembra Ema Bovary, personagem de Gustave Flaubert, no livro Madame Bovary. Ambas viram na prostituição algo que nada mais poderia dar.

- Ã-Hã!

- Tanto o escritor francês como o cineasta mostraram o enfado de morte do casamento pequeno-burguês, que fazia suas protagonistas buscar emoções diferentes e vivas fora dele. No romance de e no filme, as duas mulheres provocam polêmicas ao mostrar que a vida dupla é o retrato preto e branco do desconforto feminino, mesmo em tempo de mudanças comportamentais.

- Virgem Santa! Continua falando...

- Severine, mulher casada com um cirurgião bem sucedido, mesmo vivendo uma união de aparente tranquilidade, não se sente feliz. Então parte para uma vida promíscua num bordel, onde expõe um abismo aberto a tudo e a todos. Enfim, o filme aborda o cotidiano de uma mulher viciada em sexo que se relaciona com sexólatras anônimos numa rotina, essencialmente, compulsiva.

- Imagino.

- A narrativa é um pouco fragmentada, coisa meio intelectualizada, sabe como é? Mas, logo a gente percebe que as conversas com seu esposo se limitam a trechos mínimos, enquanto os encontros amorosos são exibidos bem mais no ‘antes’ e no ‘depois’. O ‘durante’ é breve. Mas, recheado com cenas desagradáveis e asquerosas.

- Interessante.

- Em Bela da Tarde, Buñuel afirma com todas as letras que o sexo move as pessoas como nenhuma outra coisa conseguiria. Vai fundo. Leva o espectador pelas mãos em vez de jogá-lo no escuro. Lições de um filósofo!

- Isso é bom.

- A trama é essa, amiga. Não o vejo como uma crítica social, mas como substância que cada um deve avaliar depois de ver a fita. Um convite para fazer a gente refletir, refletir e refletir.

- Sim.

- Pois então assista ao filme para tirar suas próprias conclusões e ver que se trata de um cineasta com fama de produzir cinema para falar das mulheres, e dos seus dilemas, claro. Bela da Tarde seduz, instiga com força.

- Não perco por nada.

- Ninguém filma como Buñuel. Suas marcas autorais são inconfundíveis, os enquadramentos simétricos, a frontalidade de muitas cenas, a câmera que pouco se move. Belle resume a trajetória de um dos nomes mais completos do cinema mundial que, em cada filme, em cada gênero, conseguiu criar uma tensão diferente. Vale a pena conferir.

- Claro.

Pausa. Mathieu:

- Outro mérito do filme é que consegue a proeza de provocar risos na plateia, e, ainda fazer com que as pessoas meditem sobre os problemas do dia a dia na vida conjugal, tendo ou não traição envolvida.

- Vou assistir, sim. Pode deixar.

- Vá e curta o mais incendiário longa de Buñuel do momento. Seu estilista predileto faz uma pontinha. O filme é um drama poderoso, que promete acompanhar o espectador por um bom tempo. Está em cartaz na telona de 17 metros do Cine Palladium. Manda ver. Ótima sessão para você.

- Muito chique!

- Buñuel é essência, Suzana. Como Bergman, o cineasta influenciou como nunca a nossa cabeça, pontuou a formação e as angustias profissionais da nossa geração. Seu olhar ajudou a mudar tudo.

- Certamente.

O rapaz tira um cigarro do maço, acende. Depois de uma tragada demorada, observa:

- O Palladium é point.  Bom lugar para os rapazes levarem moças que querem conquistar à moda antiga, ou flertar com outras que se encontram sozinhas na noite, abertas a uma paquera, a um arrepio delicioso ou a uma aventura erótica. Ou seja, garotas que cobiçam praticar o doce esporte da conquista à moda moderna.

Risos. Suzana começa a fumar um mentolado. Cheia de si, revela:

- Sabe que fui à festa de inauguração dessa ‘sala’. Lembro como se fosse hoje. Ocorreu numa quarta-feira, no último dia de julho de 1963.

- Eu não. Ainda não morava aqui. Mas, em setembro passado, vi todos os filmes do 1º Festival do Cinema Brasileiro de Belo Horizonte, que consagrou o diretor Sérgio Bernardes Filho, pelo filme Dezesperato – exalta Mathieu.

          - Queria ter ido. Mas como? Imaginava olhar bem de pertinho o galã Raul Cortez, seu interprete principal. Tão bonito! Eu o vi em dois outros filmes e fiquei fã do ator.

Risos. Mathieu:

- Há alguns raros atores que têm a capacidade de servir de canal de verdade para o brilho. Raul possui esse dom. Filmaço!

Suzana apanha o copo e toma um pouco de cerveja. Em seguida, numa expressão curiosa, pergunta:

- Como cinéfilo de carteirinha, me diga qual é o melhor filme já produzido no mundo até esse final da década de 1960?

Depois de matutar por um instante, Mathieu:

- Ah, são tantos. Mas, assim, assim de supetão, votaria no Citizen Kane, de Orson Welles, rodado em 1941. É o melhor filme de todos os tempos. Até os dias de hoje, claro.

- Por quê?

 - Pela capacidade de seu diretor de arrancar emoções da plateia o tempo todo, principalmente.

- Tão especial assim?

- Orson revolucionou, fincou raízes, fez florestas. Mudou o entendimento da sétima arte para tornar seu longa a síntese do cinema moderno -  o único sobre o real significado da vida contemporânea. Não copiou ninguém enquanto muitos, de lá para cá, tentaram imitá-lo, atrapalhadamente. Depois dele, o cinema só evoluiu para não sair do lugar – sustenta Mathieu.

- Cidadão Kane!?...

- Construído em cima da palavra rosebud.

- Rosebud?

- Botão de rosa, para os ingleses. Simboliza um código para a felicidade, o desejo e o sentido da vida - conclui o rapaz, sorrindo.

- Olha!

- A trama gira em torno do jornalista Charles Foster Kane, interpretado pelo próprio diretor, com 25 anos na época. Foi o primeiro longa-metragem dirigido por Orson Welles.

- Não sabia.

- Película fascinante! Apresenta o poder da palavra de transformar ideias em fatos. É a poesia em forma de cinema. Muito legal.

- Por que rosebud?

- Wells arquitetou uma referência poética ao clitóris como o que há de mais íntimo, misterioso e encoberto no corpo de uma mulher. Nada muito preciso. Os atos sexuais são filmados de forma superestilizada, poeticamente, descritivas.

- Legal.

- O filme é malicioso, mas em nada difamador, muito criativo. Marcou sua época devido às inovações, sobretudo nas técnicas narrativas e nos enquadramentos cinematográficos. O roteiro é brilhante, tanto que o longa foi considerado, por grande parte da crítica especializada, como o maior filme da história até o momento, figurando em primeiro lugar na lista do American Film Institute. Assista você também.

Suzana balança a cabeça suavemente, concordando:

- Não dá para perder. Vai entrar para a minha lista, pode deixar.

- Pois então fique atenta na programação das seções de arte dos jornais. Há muito tempo Cidadão Kane está fora do circuito comercial, apesar de ser um dos filmes mais trabalhados da cinematografia estadunidense.

- Estou ligada. Cite mais duas fitas.

- Também gosto de filmes de Fellini. Doce Vida é genial. Mas, filme que gostaria de ter uma cópia comigo para sempre é Luzes da Ribalta, de Charlie Chaplin.

- Pelo jeito admira os mais antigos!

- Certa vez, o filósofo Henri Bérgson, ao ver as películas de Lumière, entusiasmado com o milagre do cinema de ressuscitar as pessoas na tela, declarou que o cinema é importante para vermos como se moviam os antigos. É isso, nada mais acertado.

Pausa. Suzana:

- A produção cinematográfica brasileira, fora as chanchadas, como anda?

- Vai bem.

- E o Cinema Novo?

- O movimento, que tem Glauber Rocha como líder, abre um canal para fazer história na história da cinematografia de vários brasis. Está aí para provar que nosso cinema ainda possui o que dizer e capacidade para conquistar um bom público, mesmo não sendo orientado pelo mercado.

- Não me atrai, muito menos desperta interesse. Penso que é cinema feito para um grupo restrito de interessados.

- Você pode até não ser ligada em cinema de protesto. Ainda assim é, praticamente, impossível que não conheça a irreverência dessa figura chamada Glauber Rocha. Assistiu Deus e o Diabo na Terra do Sol?

- Uma das piores fitas que já vi na minha vida. Divaguei o tempo todo.

- Caramba!

- Aborrecido demais, uma chatura! Longas sequências em silêncio deixam o filme tedioso. Intolerável, pedante.

- Sério?

 Algumas cenas tomadas de maneira muito realista, especialmente, a que representa o fuzilamento do Corisco por Antônio das Mortes, causa um stress físico e psicológico tão grande que nem sei como aguentei chegar ao segundo rolo.

- E Terra em Transe?

Suzana dá de ombros.

- Não me aventuro.

- Longa para reflexão, querida. O enfoque, abarrotado de conotações maquiavélicas, faturou o Festival de Cannes em maio do ano passado. Na solenidade de entrega do prêmio, Glauber aproveitou o evento e quebrou o protocolo para ler um manifesto contra a Ditadura no Brasil. Achei bacana.

- Folgo em saber.

- Soltou o verbo, sem temer o peso da censura brasileira.

- Parabéns.

- O cara tem lá seu mérito, sim.

- Pode até ser, mas não é o suficiente para me converter em fã do Cinema Novo, porque nunca gostei.

- Querida, com o endurecimento do regime, a saída que restou aos cineastas mais contestadores foi investir em uma cinematografia que documenta o real como forma de resistência. Isso é o Cinema Novo no Brasil.

- Não me seduz. Eu..., eu prefiro, de longe, a atuação de um Jerry Lewis, fazendo caras e bocas, com seu estilo de comédia supersimples. Divirto-me à beça com suas confusões.

- A mim também.

- Ou de um Mazzaropi com suas comédias românticas.

 - Amacio Mazzaropi?

- Seus filmes, com característica própria de determinadas regiões do país, estão o tempo todo a serviço da emoção. Permitem-me rir ao mesmo tempo em que me comovem.

– Mazzaropi mudou os parâmetros econômicos da arte cinematográfica no Brasil. Tornou-se mito do cinema rural brasileiro. Também gosto.

- Nunca ri tanto ao assistir As aventuras de Pedro Malasarte. O maior ‘barato’!

- Se ama filme que faz rir, entrou em cartaz O Homem Nu. Apresenta Leila Diniz numa atuação delirante ao lado do ator Paulo José.

- Tem a ver com a obra do Fernando Sabino?

- Do livro à tela. Adaptação, sim. Porém, mais perto da realidade do que da ficção. Mostra um diretor habilidoso na condução de seus personagens, juntando comédia e ação.

- Legal.

- Romances em geral, quase sempre dão filmes fracos, porque não têm a linguagem original do cinema. Só um bom diretor consegue vencer o grande desafio de transformar linguagem literária em linguagem cinematográfica. É o caso. Nessa fita, Roberto Santos perpetrou uma montagem bem próxima ao texto de Sabino, contrariando aquela velha tradição de ruptura. Conservou os elementos da narrativa, personagens e situações essenciais, mostrando uma realidade crua e bem nua, hiper-realista. Já leu o livro?

- Ainda não.

- Bom ler antes. Observar a transposição das palavras para a tela e perceber como Sabino é dono de uma carga dramática incrível. Dono de uma pegada firme esbanja inclinação para a sétima arte, narrando o mundo de forma acessível e detalhada. No texto dele nada de errado, nada se choca.

- Maravilha!

- Mestre em materializar corpos e rostos caricatos, com humor peculiar, e a preocupação com o texto, Sabino tira risadas da plateia, principalmente, nos trechos em que as trapalhadas da nudez são pontuadas. É muito engraçado o esforço do personagem para fugir da polícia e dos curiosos. Diverti-me muito.

- Me fala um pouco mais do filme.

- Agora, não. Leia o livro.

- Ô, Math!

- Não posso contar, senão perde a graça.

- Só um tiquinho mais.

- Tudo bem. Tudo bem. Narra as confusões causadas por um professor de música que fica, acidentalmente, nu do lado de fora do seu apartamento. Pelado mesmo! Sem nada para cobrir as suas vergonhas.

A mulher não contém o riso.

- Nossa! E aí?

- Recomendo ler o livro, é fabuloso.

- Pleeeease!!! Só mais uma palinha, vai.

- Bem, a partir daí, do jeito como veio ao mundo, o cara passa por uma série de situações inusitadas, fugindo de um lado para o outro pela cidade. Move-se como fera acuada que precisa se proteger de uma população escandalizada. Longa que nos faz dobrar de tanto rir. Sorrir da vida, do mundo e de nós mesmos. É ótimo, precisa ver.

- Nota?

Pausa. Mathieu:

- Não sou crítico, apenas gosto de cinema.

- Nota?

- Fita produzida com orçamento limitado e trama enlouquecida, garante diversão através de intérpretes do primeiro escalão do cinema nacional. Granjeia elogios por onde passa, mas...

- Mas?

- Bem, de zero a dez dou oito.

- Oito?

- Não é um mau filme de jeito nenhum. A história é boa, mas exagera um pouco nos clichês. Não chega a abonar o talento do diretor Roberto Santos, entretanto atrai com os quiproquós da trama. Faz o espectador pensar e rir ao mesmo tempo.

- É.

- Não podemos esquecer que tem Leila Diniz, levando cores para a tela preta e branca. Por sinal, está ótima na fita.

- Legal.

- A trilha sonora, produzida para criar atmosfera divertida durante quase todo tempo, cumpre o seu papel de animar uma ficção leve, divertida e bem-comportada. Vale conferir. Veja o filme, mas leia o livro também.

- Vou fazer isso, prometo.

Mathieu suspira. Toma um pouco de cerveja e volta a falar do longa:

- Me impressiona a inteligência corporal de Leila. Explora uma liberdade cênica, indiscutivelmente, maravilhosa. Essa coisa que inova, mexe. É a nossa Bardot. Tão fatal quanto a voluptuosa figura de Brigitte em seus dias de glória, que esbanjava talento e muita energia para qualquer papel.

- Babou, hein?

- É mesmo uma atriz empolgante, de virar a cabeça de qualquer cristão. Nua, loira e linda também esbanja sedução no filme Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira que, apesar da fita ter muitas cenas cortadas por serem pesadas demais para os censores - eles ainda defendem uma ninfa em versão bem comportada – sobrou muita coisa para ver. De qualquer forma, é muito gostoso assistir um filme com uma atriz tão disponível como a Leila, não é mesmo?

Suzana surpresa:

- Nuazinha?

- Ã-Hã! Nuazinha em pelo.

- Ah, mentira!

Mathieu suspira:

- Meu Deus, aquela coisinha escultural, toda nua! Um pedaço de mulher, que coisa linda! De arrepiar, perder o fôlego – brinca Mathieu com um risinho carnal.

- Ficou bobo?

- Frutinha assim, acelera os batimentos cardíacos de qualquer cristão. Que boca! Que olhos! Que corpo! Que cabelos!

Suzana pergunta inquieta:

- Numa época em que censuram até tragédia grega e fantasias de escolas de samba, como esse filme foi liberado?

- Por certo, os censores cortaram cenas carregadas demais e negativas à sociedade brasileira, mas entenderam que o veto à triunfante nudez de Leila Diniz, em nome da dignidade das mulheres, seria um insulto às próprias mulheres.

- Talvez.

- Protagonista nata, fora de série. A atriz possui o dom no rosto de quem pode estampar tudo o que sente, inclusive. Tanto é que, desempenhou bem o papel de uma professora misteriosa, mostrando a alma safada inquieta de uma espécie de carochinha inquieta.

- Não vi.

- Passa da hora dela fazer um ensaio fotográfico nos moldes da norte-americana Bette Page, que posou para a revista Playboy usando apenas um gorro de papai Noel na cabeça. Leila é a nossa sex symbol.

          - Aí, seu tolo, que a censura veta mesmo!

- Quem é que sabe?

- Despojada demais para o meu gosto, fogo na roupa – observa Suzana.

E, após um gole de cerveja, admite:

- Ela possui seus méritos, seus encantos sim. Tanto que já é o espelho feminino de muitas jovens brasileiras. Reconheço.

              - De fato. Ainda garotona nas praias do Rio, com a cara e o cabelo do verão, já revelava nas curvas de seu corpo o poder de sedução. Em pose de top, desde então Leila mergulhava de biquíni na imaginação masculina.

- Poxa!

- Gosto do jeito como Leila se mexe, de seu sorriso ruidoso, de seus cabelos nem tão longos e, principalmente, de seu estilo despojado de se vestir com aquela pitadinha de receita boa.

- Hummmmm!

- Como ninguém, cada vez mais turbinada pela sexualidade, continua aí se impondo como musa da barriga negativa e músculos saudáveis, que veste roupas extravagantes para mostrar diferentes maneiras de exposição de sua irreverência. É uma diva bem humorada que faz furor por onde passa, que faz minha cabeça.

- Ela é doidinha, improvisa o que lhe dá na telha – expõe Suzana com muxoxo.

- Sempre na mira de uma máquina fotográfica, a atriz se tornou poderosa formadora de opinião que está aí para irritar e provocar os tradicionalistas. É a cara da nova mulher do Brasil: imponente, viva, em movimento. Por isso mesmo é uma espécie de porta-voz das que encaram a sexualidade sem medo e culpa.

- Eita!

- Admiro sua ousadia. Em nosso país, é preciso reunir muita coragem para defender, em público, que qualquer um pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra.

- Dessa vez, ela pisou feio na bola.

- Ora, Suzana, disse isso como crítica ao moralismo e à ortodoxia que guiam a Igreja e o Regime Militar brasileiro.

- Talvez. Mas é bom pegar mais leve.

            Risos. Mathieu:

- Na voluptuosidade dos seus 23 anos, com um rostinho que consegue exprimir inocência e malícia ao mesmo tempo. Tão feminina e bela..., tão sapeca..., tão provocante e feliz com suas tiradas divertidas e sua gargalhada famosa que, se Freud tivesse conhecido Leila, teria nos poupado o divã, ‘né?

- Ã-Hã!

- Anjo rebelde como a escritora Pagu que, na década de 30, escandalizou a sociedade com namoros breves, Leila Diniz mostra que, de peito aberto, pode usar a beleza para defender seus ideais e provar que tem o mais precioso tipo de coragem, o de lutar pela liberdade ampla e irrestrita das mulheres.

- Ã-Hã!

- Atriz se revela incansável combatente. Tanto que já virou ícone do movimento feminista no Brasil.

Suzana, depois de pensar um pouco.

- Pagu foi militante comunista, não foi?

- Pertencia ao PCB. Tão entusiasmada com a causa comunista que, obedecendo a ordens do próprio partido, aceitava trocar sexo por informações sigilosas.

- Sério?

- Não é segredo. Outra que admiro é Norma Bengel.

- Boa atriz. Para frente como Leila.

- É dela o mérito de filmar a primeira cena de nu frontal do cinema nacional na fita Os Cafajestes, de Ruy Guerra.

- Uai, Math, você conseguiu assistir esse filme?

- Numa sessão improvisada, escondida, mas vi. Erótico ao extremo.

- Então mereceu a censura?

- Não. Tudo não passou de um falso moralismo da Igreja que não gostou das cenas de nudez. E muito menos da história transgressora de dois playboys que se aproveitavam, sexualmente, das mulheres.

- De mais, não é?

- Um atraso. Jango, ou melhor, o presidente João Goulart acabou concordando com o pedido da Igreja e, menos de duas semanas da estreia nos cinemas, dia 23 de março de 1962, a película encerrou sua trajetória de sucesso com todas as cópias retiradas do circuito pela censura da época.

- É.

- Enquanto esteve em cartaz, Os Cafajeste lotou salas registrando mais de dois milhões de bilhetes vendidos. Portanto o título de pioneira é dela e com um ‘que’ a mais: gotosíssima. Sexy sem economia, arrasou.

Houve um silêncio prolongado. Em seguida, Suzana toma a mão do amigo, curva-se e a acaricia.

- Math, já escreveu seu roteiro para cinema?

- Sim, senhora.

           - Com vedetes?

O rapaz com uma risadinha divertida:

- Mais belas, sensuais e atraentes do que nunca, posso garantir. Mulheres concupiscentes da cabeça aos pés, envoltas em echarpes de plumas rosa, hena à vontade nas sobrancelhas e em torno dos olhos. E, sempre aparecendo com picolé vermelho na boca para incendiar a imaginação dos espectadores das salas de cinema.

- Nada mau como fantasia, gostei da ideia.

- Só porque aquele momento do teatro rebolado passou, não quer dizer que foi só uma fase. Sexo, em qualquer época, vai condimentar o conteúdo de qualquer filme. Chama público.

- Bem-dito seja!

Risos. Mathieu:

- Ora, Suzana, eu não posso fazer um filme careta, moralista, fato que não sou. Quero uma produção moderna, cheia de juventude. Sensualidade absoluta.

- Onde imagina rodar?

- Búzios.

- Caramba!

- Estrelado por uma atriz de voz envolvente, sobrancelha perfeita, pele de pêssego e olhos esfumados com make à prova de emoções. Enfim, que seja objeto de desejo de todos os homens, claro.

- Quem?

- Alguém que reflita o brilho e a perfeição absoluta de Sandra Breia. Ela possui essa luz, um talento notável! A sensualidade continua sendo sua marca registrada.

- Pensando alto, rapaz.

- Desde que, no verão de 1964, uma das mulheres mais bonitas do universo, Brigitte Bardot, deslizou seus pesinhos pelas areias silenciosas do balneário, o local passou a encantar, especialmente, cineastas de vários lugares, tornando-se uma esquina do planeta. Em Búzios as coisas acontecem.

Pausa. Mathieu gesticulando:

- Set à beira-mar. Meu plano é fazer tomadas com muita luz natural na praia de Jeribá, na orla Bardot, na Rua das Pedras, na Manoel Turíbio de Farias..., por ali. Búzios tem na cidade, nas águas tranquilas e na história seus principais atrativos. Portanto, imagino que é uma escolha perfeita para meu longa.

- Chique!

- Filmado no verão, claro. A luz do sol dá mais vida aos rostos, corpos, árvores, praia, cidade... Luxo à Bardot, tudo em high key.

- Chave de alta? Como assim?

- Expressão do glossário fotográfico que sinaliza imagem formada, basicamente, em tons claros. É absolutamente fantástico.

- Torço por você.

- Obrigado.

- Vou assistir como sua megafã.

Mathieu suspira tranquilo. Recostado na poltrona olha com curiosidade os globinhos de ar que subiam, sem cessar, no copo de cerveja, enquanto apertava com mais força a mão de Suzana.

- De fato, querida, sonho alto.

- Três, dois, um..., gravando! – parodia Suzana, rindo.

- Luz, câmara, claquetes... E muita ação e emoção em cena – brinca Mathieu, permitindo que todas as emoções viessem à tona naquele momento.

 
 
 
 
 


* FBN© - 2012 – Luzes da Ribalta..., NUMA  NOITE  EM  68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: Catherine Deneuve fotografada com Ives Saint-Laurent no lançamento do filme Belle de Jour, Paris. Link:
http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/28xxviii-cinemascope-color-by-deluxe.html?zx=f6b046458f7543a1
 
                                               - 27 -