2011-01-03

15/XV - E DEUS CRIOU O DESEJO DE AMAR


*

 
 Natalia Suvorova

 
O Arlequim Azul, óleo sobre tela

 




              Com a ponta úmida do cigarro na boca, que acabara de acender, Mathieu explica a razão de sua visita.

- O Zé, cordialmente, me convocou.

- Não queria, tinha programa melhor?

- Não, nada disso.

- Háháhá! Perder seu tempo comigo?

- Não é perder. É um prazer fazer companhia a você.

- Maravilha.

- Agora, me conta, morre de mesmo medo de dormir aqui sozinha?

- Â-Hã.

- Acredita em fantasmas?

- Não, mas tenho muito medo deles.

- Pânico?

- Mais ou menos.

- Medo de quê?

- Do que pode ter aqui e não dá para gente ver.

- Que pode ter?

Suzana ri com ironia. Nos olhos dela brincava uma expressão afetuosa e divertida.

- Não sei. Mas sei que à noite fica tudo muito escuro. Sofro de nictofobia.

- Que isso?

- Medo escuro e da noite, o que me gera espécie de pânico. Temo assombrações... Ai, não gosto nem de pensar nisso!

- Imagino.

- Você pode achar uma coisa cafona, mas é a pura verdade. Arrepio-me toda só de lembrar – bule a mulher, rindo.

- É.

- Nasci numa cidadezinha pequena no interior de Minas Gerais, onde gastei boa parte da infância ouvindo histórias de assombração, de gente que participava de conversas das almas do outro mundo nas encruzilhadas, nas sombras das árvores...... Desde menina ficava assustada com casos e casos de aparições dessas almas penadas! Eu não acredito que existam, mas é melhor se acautelar, não?

Risos: Mathieu numa expressão atroz:

- Mula sem cabeça?!... Bicho papão?!... Saci Pererê?!...

- Todos.

- Já tratou disso?

- Tentei. Não há terapia que dê jeito.

- Imagino.

- Sou medrosa por natureza, Math. Rou’unha. 

- Engraçado.

- Acha?

- Bem, bem... Posso ajudá-la enfrentar todos esses desafios, quer?

- Ã-Hã. Não gosto de ficar sozinha por nada. Isso porque a gente começa a pensar demais..., a se autoquestionar, principalmente. Não é mesmo?

Mathieu encosta a mão no queixo.

- Podemos trabalhar esse medo e espantá-lo de vez de sua cabecinha. Sou bom nisso.

Risos. Suzana numa expressão oferecida:

- Ã-Hã.

- Sabe de uma coisa, quando lhe conheci achei que era uma mulher metidinha a besta, cheia de não-me-toques. Louca para afastar o Zé dos amigos.

- Sério?

- Logo vi que não tinha nada disso. É uma figura legal que seduz e encanta com uma voz serena e adocicada.

- Ainda bem.

- Corpinho de adolescente. 

- Ai, meu Deus! Corpinho!

- Sexy à francesa: 1,60 de altura, 91 centímetros de quadris, 83 de bustos e 50 quilos de peso.

- ...

- Manequim 38, sim?

- Que isso? Que isso? – admira a mulher, rindo.

- Estilo mignon: magra de pernas torneadas, abdômen levemente arredondado e o olhar mais sexy do mundo. Acertei?

Suzana não responde.

- Acertei nos predicados? - torna o rapaz.

Ela continua calada. Depois abre o sorriso e suspira:

- Uau!

- Na mosca?
         - Quase. Quase.

- Sorte de José Renato ter uma mulher como você.

- Hummmmmm!

- Muito simpática e envolvente.

- Simpática?

- Ã-Hã.

- Sabia que falar que uma mulher é simpática e boazinha é o mesmo que dizer que ela é feia e gorda?

- Desculpe-me. Não foi isso que quis dizer, apenas usei a força de expressão.

- Entendo. Não me acho horrorosa, mas estou longe de ser a formosura que você desenha. De qualquer forma, obrigada.

Mathieu, com ar de mistério, põe dois dedos no rosto e fala em tom recital:

- Moça bonita com faces docemente rosadas, emolduradas por ondas de grossas mechas de cabelos negros. Olhos quentes, interrogativos.  Graciosa e viva nos gestos...

- Nossa!

- É uma rica fonte de inspiração poética, viu?

Risos. Suzana:

- É mesmo um galanteador e tanto.

- Não vai pensar que...

Suzana abana a cabeça.

- Jamais passaria cantada em mulher de um amigo, não é mesmo?

- De maneira alguma.

- Relaxa, cara! Sempre soube que nunca foi santo.

- Melhor assim.

- Quando te conheci, José Renato me contou, achando a maior graça, suas aventuras com as mulheres. Autêntico prafrentex. O mais atirado dos seus amigos.

- Prafrentex?!...

- Don Juan mineiro. Na linha do Agente 007, ele dizia que você é um predador da fauna feminina de Belo Horizonte, que não deixa nenhuma mulher passar na sua frente sem levá-la para cama. Ou para o sofá, para o banco do carro, para o bote salva-vidas, para o submarino ou para a nave espacial. Pega geral, nenhuma escapa da sua boa lábia.

- Lorota do Zé.

Depois de uma sonora gargalhada, Suzana:

- Acho que ele está coberto de razão, é mesmo um baita de um mulherengo!

- Não exagera. Não exagera.

- Womanizer igualzinho a Beto Roquefeller da novela das oito, aventureiro e cínico, que leva uma juventude desenfreada, bem maluca. De fala mansa, acumula sólida reputação de quem entende muito do ‘riscado’ com as características de um bom Don Juan, extrapolando sexualidade, sensibilidade, solidariedade e intuição.

- Menos, Suzana.

- Háháhá! Aposto que, muitas vezes precisou pular janelas, às pressas, levando as roupas nas mãos, à chegada inesperada de alguns maridos.

O rapaz ri e expressa:

- Boba!

- Com pinta de jovem à lá James Dean, ousado, forte e sedutor, deve convencer até as mais santinhas na nigtht a orar em seu secreto santuário. Qualquer mulher ficaria entusiasmada, molhadinha, só de olhar para o sorriso de seus olhos. Arrasa corações, não é assim, Tremendão?

  - Não estou com essa bola toda não.

- Ah, não! Nesse jeitinho maneiro de ser, a meio entre malícia e ingenuidade, deve pintar e bordar por aí – conclui Suzana sem rodeios.

- Passo longe da figura de galã. Baixo, barriguinha saliente...

A mulher leva o polegar direito aos olhos, observando:

- Esse é irmão desse.

Risos. Mathieu depois acender outro cigarro.

- Também pensa assim de mim?

- Você traz no rosto traços de uma pessoa aberta a relações sexuais curtíssimas. Está escrito na sua cara.

- Hã?

- De acordo com recente publicação no Journal of Evolution and Human Behavior, homens com o formato de queixo mais largo, nariz maior e olhos menores são menos dispostos ao relacionamento amoroso de longo prazo. São considerados homens fugidios, homens impossíveis.

O rapaz põe uma das mãos no rosto, admirado.

- Que papo biruta é esse?

- Reparando bem, mocinho, seu rosto não está longe desse perfil. Seus olhos, seus cabelos e seu nariz demonstram que você não é capaz de formar laços mais longos com ninguém.

- Chuta não, Suzana.

- Falo sério.

- Meu maxilar não é tão quadrado, nem tenho o nariz tão grande. E meus olhos não são pequenos assim.

A mulher, em tom de gozação, continua:

- Médios. Estão dentro da margem de erro, suponho. Pelas linhas do seu sorriso, acho que a ciência poderia ler nas suas fácies que você não tem inclinação para assumir um relacionamento sério com garota nenhuma.

- Que coisa!

- Tipo homem da Marlboro, tipo infalível na arte de seduzir mulheres. Ora, Math, não é difícil perceber que tem a mesma aura de masculinidade que o original dos anúncios de tabaco. Você prefere amores relâmpagos, sem compromissos, cem por cento erótico. É mentira, cara?

- Caramba!

- Isso mesmo. Pode até ser um ombro amigo, mas não perde a oportunidade dar o bote naquela mulher que corresponda aos seus desejos.

- Ora essa, quer dizer que a geografia dos traços faciais pode indicar a atitude de uma pessoa num relacionamento amoroso, como se fosse o painel de controle de sua personalidade?

- Para a sociobiologia não há mistérios. Dizem os estudiosos dos meandros das relações homem e mulher que sim. Em outras palavras, as feições do rosto moldam a verdadeira personalidade de um homem.

- Blefe deles.

- Sério.

- Eu rebato qualquer estudo que faz associações entre medidas do rosto de um homem e seu comportamento social.

Suzana faz uma pausa e acrescenta:

- Hoje em dia a margem de acerto da ciência é grande, garantem os cientistas, depois de um trabalho exaustivo de pesquisas.

- Acha?

- Com certeza.

- Vale o mesmo para as mulheres?

- Não, não vale. Os estudos foram feitos somente com indivíduos do gênero masculino.

- Pois então me diga que tipo de homem querem as mulheres?

Suzana, com ar professoral:

- Conforme a pesquisa, a grande maioria aponta homens ligados a antigas tradições românticas, bem-sucedidos, determinados e viris, claro. São os machos ‘alfa’ que, no melhor estilo, gostam até mesmo de aroma de flores.

- Regra geral?

- A análise não apresentou gráficos.

- E você?

- Preciso dizer?

- Gostaria.

- Nada disso me tenta. Distinto do que idealizam os marmanjos que ficam na noite circulando, circulando para assegurar uma madrugada com ardente desfecho amoroso, eu correria léguas e léguas dos pegadores de plantão com os seus olhos postos por todos os lados.

- Lobos maus?

- Interesse antropológico puro. É fatal. Quando conquistam, papam e descartam. Depois procuram outra direção.

- Caracas!

- Ora, Math, a autoestima das mulheres depende da estima que elas esperam receber dos homens. O funcionamento cerebral do gênero feminino é diferente. Nós buscamos amabilidade, inteligência e bom humor na outra pessoa. Nunca ouviu isso da boca de uma mulher?

- Pensa assim de mim, Suzana?

- Hummmmm!

Mathieu faz uma pausa, olha a amiga e observa:

- Me acha um caçador?

- Nato. Sempre a fim de diversificar a dieta num rodízio insaciável e itinerante. Vive numa interrogação constante – provoca a mulher.

- Ironia não, por favor.

- Está com uma morena hoje e quer uma loira amanhã. Imagino que a lista deve ser longa e variada.

- Bolas!

- Beijando todas do mesmo jeito, distribuindo os mesmos afagos... Não é mesmo?

- Putz!

- Para homens como você que não fazem qualquer, qualquer, mas qualquer diferença entre o corpo de cicrana ou beltrana e os outros corpos, digo que não é um tipo de varão pelo qual eu lutaria.

- Não?

- O bonito me encanta, mas o sincero... Ah!! Esse me fascina. Fecho com Clarice Lispector.

O rapaz, depois de uma golada de cerveja:

- Imaginação fértil, hein?

- Para alguns analistas, o trato com a sexualidade desenfreada pode não ser a marca para determinar a personalidade, mas pode oferecer pistas de um quadro psicológico que precisa ser ajustado.

- Caramba!

- Independente das pesquisas, você é dono de uma carinha que não nega seu inquieto espírito de aventuras eróticas. Nela está escrito, com todas as letras, que é um pegador incorrigível. É mesmo um playboy.
Mathieu verga o corpo na poltrona e solta uma risada.

- Playboy?!...

- Sim.

- Passo longe desse perfil, querida. Playboy é aquele jovem com vocação para viver em um mundinho de vida mansa, desregrada e montado em privilégios econômicos. É imprescindível ter grana sobrando na conta bancária para marcar presença em todas as festas que pintam no pedaço. Enfim, é fundamental ser filho de papai, de magnata, de grã-fino para passar o tempo todo consumindo.

Suzana bebe um pouco de cerveja e, soltando fumaça com o cigarro nos lábios, diz:

- Pode não ser um playboy ao pé da letra. Mas que, dentro de suas possibilidades, diuturno explora suas inclinações sensuais. Minto?

- É meu jeito de ser. Procuro ser gentil com as mulheres, só isso.

- Perfeito cavalheiro que faz de tudo para atrair as fêmeas para seus braços. Não pode ver uma colocar, entre os dedos, um cigarro que vai logo se oferecendo para acendê-lo.

Mathieu abona a observação com um risinho provocador.

- Ah, sim, tenho o isqueiro mais rápido do Oeste!

- Ligeiro demais para o meu gosto!

- Divirto-me apenas. Não sou de fazer ‘pegas’ na BR-3, mas gosto de conquistar ‘brotos’ em point de baladas da cidade.

- Engraçadinho, você, hein?

- Não vejo nada de mal.

Depois, recompondo-se na poltrona, Suzana pergunta, indiscretamente:

- Ah, vem cá, você teve um caso com Maria Olívia, não teve?

- Maria Olívia! Maria Olívia!

- Sim, Maria Olívia.

- Maria Olívia?

- Como é que foi? Ah, me fala, estou curiosa.

- Maria Olívia... Maria Olívia...

- Não se lembra?

O rapaz olha para a amiga, sem dizer nada. Ela insiste:

- Ô, cara, não se faz de desentendido.

- O quê?

- Ah, eu, hein! Escorrega não, rapaz.

- Iiiiih...

Suzana ironiza, erguendo um brinde:

- Vive le quiabo!

- Às vezes sou acometido por uma amnésia temporária.

- Transtorno dissociativo de memória?

- Temporário, claro.

- De conveniência. Ai, que bonitinho!

- Uai, lapso de memória pode acontecer com qualquer um. Ninguém está livre de um branco na cabeça, viu?

- Deixa de lero-lero.

- Juro.

- Não brinca. Vamos, faz um esforço, faz.

- Algum motivo especial?

- Não, mas eu gostaria de saber, posso?

- Não recordo – repete o rapaz dissimulado.

- Difícil de lembrar? Não se preocupe, dou uma forcinha.

- É bom.

- Aquela loira que, semanas atrás, enquanto conversávamos na entrada das Lojas Guanabara, apresentei a você. Acha que não percebi que ficou a fim dela?

- Loira! Loira!

- Vamos, puxe pela memória.

- Impossível.

Suzana com certa firmeza, diz:

- Lembre-se de que se o senhor saiu com ela foi porque apresentei a garota a você.

E acrescenta com ar de nobreza:

- Seja cavalheiro, rapaz, vamos?

Por fim, Mathieu admite:

- Sua colega lá no Estadual Central que também estuda teatro com a Haydée Bittencourt?

- Ela mesma.

- Quem te contou?

- Que importância isso faz?

- Nenhuma.

- Então?

- Muito simpática.

- Tiveram um affaire?

Risos. A rapaz com um risinho no canto da boca:

- Ô, menina, dessa coisa de intimidade não gosto de falar.

- Ah, sem essa.

- Nada sério. Nada.

- Deixa de fazer charminho, rapaz.

- Preciso dizer? – Mathieu muda de posição no sofá, fingindo ingenuidade.

- Enjoado! Não quer falar não fala.

- Suzana!

- Não é da minha conta, não é da conta de ninguém, mas...

 

- Não tenho nada para esconder.

- Então!

- Posso dizer que não foi um tórrido romance, mas asseguro que a jovem tem os lábios bem sensuais.

- Nossa, que empolgação!

- Nada muito além.

Suzana inquieta-se na poltrona.

- Saíram no seu carro?

- Visitamos um Cine drive-in.

- Bonito! Papo vai, papo vem... Ah, nem precisa perguntar se foram às vias de fato, não é mesmo?

- Suzana!

- Os dois num lugar desses, o céu é o limite, meu querido – assevera a mulher com um olhar inquisidor.

- Hein?

- Isso mesmo. Dentro de um automóvel a imaginação não respeita limites de velocidade. Aposto que brincaram pesado, aproveitando até não poder mais.

- Pensando asneiras.

- Ah, Math, mulher que aceita sair sozinha com um rapaz no seu carro, sinaliza que topa muito mais do que uns beijinhos, viu?

- Ficamos restritos a uma boa conversa. Nada mais profundo. Portanto, não tem por que se preocupar - segreda o rapaz.

- Mentiroso.

- Juro. Enquanto falávamos de teatro, principalmente, tentava completar as frases com caricias nos seus braços, nos seus cabelos. Até ai tudo bem, mas, quando arrisquei acarinhar seus ombros, Olívia se defendeu retendo meu gesto numa demonstração de ser pouco sensível aos avanços masculinos. A partir daí, com todo o respeito, não insisti mais. Pronto, contei tudo.

Pausa. Suzana furiosa:

- Conheço Maria Olívia e sei que não é mais virgem. Bebendo os dois dentro de um carro num drive tudo pode acontecer, cara. Tudo. Vai me dizer que não?

- Ora, Suzana!

- Pode abrir o verbo, vou entender.

- Foi assim.

- Mentira. Diz logo, cara.

- Calma. Calma – pede o rapaz.

- Pelo jeito será mais uma devassa na sua coleção de raparigas.

- Ora, Suzana, menos. Entre nós não teve clima para mais nada, além do que eu disse. Ela não deu chance para envolver intimidade nenhuma – rebate o rapaz.

- Duvideodó! Ela é intelectual como você gosta.

- Não prejulgue sua amiga.

- Háháhá!
           - Também curto teatro. Levei o script de uma peça para a gente ler dentro do carro ou num banco de jardim.

- Sim. E daí?

- Chegamos a ler uns trechos.

- Sim.

- Foi franca em dizer que não gostou. Disse que não tolera Teatro de Arena.

Com um ar interrogativo, Suzana:

- Que tem uma coisa com a outra?

- Não curtiu minha peça. Achou um saco, moderna demais. Para ela o enredo não tinha pé, apesar de ter cabeça. Achei engraçada a crítica, mas tive que engolir em seco. Entende?

- Azar, hein!

- Se não gostou da peça, como iria gostar de mim?

- Coisa boa!

- Como nossas mãos diziam coisas diferentes, achei melhor saltar fora, mesmo vidrado na garota.

- Nem acredito.
           - ‘Babado’ caído.

- Uai, dizem por aí que mulher difícil não é obstáculo para os bons pegadores. Pelo contrário, redobra o estímulo.

- Bobeira.

- Ô dó! Jogou com o ‘se colar colou’ e se deu mal?

- É isso.

- Meus sentimentos!

Risos. Suzana continua com escárnio:

- Quando uma mulher apresenta algo que interessa ao macho, deveria ser mais condescendente com ele, não é mesmo?

- Hum?

- Afinal, hoje em dia, para terem estatus de garotas moderninhas, a regra é dizer ‘sim’ a todas as propostas masculinas. Não é desse jeito que pensam os ‘carinhas’ como você?

- Bem, bem... Mulher bonita e atraente nunca deveria mesmo usar a palavra não no afetuoso trato com o sexo oposto. Muito menos bancar a gostosona – brinca o rapaz, sorrindo.

- Háháhá!

Pausa. Mathieu em tom de lamento:

- Não embarcou na minha, nem eu na dela. É a mais pura verdade.

- Quer dizer que Maria Olívia não caiu na sua ‘baba’?

- Ficamos no zero a zero. Não deu jogo..., azeite!

- Ainda bem.

- Por isso não insisti em compor o calor sensual da existência com o frio cortante do espírito crítico de sua amiguinha. Imagino até que ela exibe o típico distanciamento para ser melhor desejada. Quem sabe, ‘né?

Risos. Suzana observa com ironia:

- Bobo. Também não precisa esnobar tanto numa verborreia crivada de flechas de erudição de suas teorias machistas!

- Arre!

Suzana respira aliviada.

- Foi bom saber que nada de mais sério aconteceu entre vocês. Parabéns para minha amiga. Deixou claro que não queria compromisso com um malandrinho como você.

- Quem é que sabe?

- Tolinho! Nem toda mulher se deixa levar como uma mercadoria com entrega na hora certa. Aprendeu a lição?

- Querida, as emoções da conquista estão ligadas à nossa disposição de correr riscos. O fracasso faz parte.

- Ainda bem.

- É quase impossível decifrar uma mulher.  Um sorriso, um gesto, um olhar feminino pode significar muita coisa, ou nada. Assim sendo, digo que a mulher é sempre uma experiência, um aprendizado, que temos que encarar com inteligência. Portanto, seguir em frente é a palavra de ordem para satisfazer seus desejos.

- Tolo!

- Desde pequeno aprendi a respeitar a autonomia de cada um em matéria de sentimento. Fazer o quê?

- E agora, Mathieu, vai continuar dar em cima dela?

- Sentimentos misturados. Satisfação por conhecer uma mulher interessante e perda por não conseguir dobrar seu coração?!...

- Me responde, vai continuar dando em cima dela?

Risos e uma pequena pausa. Mathieu:

- Bem... De qualquer forma, valeu.

- Como homem não fecha caminho para mulher nenhuma, aposto que deixou a porta entreaberta para quando ela quiser voltar.

- Acha?

- Acho não, tenho certeza.

Risos. O rapaz alfineta:

- O sucesso de um bom tenista é saber dominar a ansiedade e aprender a calcular o momento exato de atingir a bola.

- É mesmo?

- Amo as mulheres e sou muito feliz por isso. Podem vir quentes que estou fervendo...

- Bobo!

- Bem-vindas suas amigas que não sejam moças duronas.

- Como é que é?

- Alguma coisa contra?

- Olha como ele fala! Sem vergonha, se Maria Olívia tivesse dado chance seria mais uma margarida no seu jardim, não é mesmo?

- Desculpe-me. Disse isso maquinalmente, sem pensar.

- Sei como é. Normalmente, um homem se sente orgulhoso ter tido infinitas aventuras amorosas.

- Talvez. Fique sabendo que não tenho a sedução como traço de mau caráter, mas como proveitosa experiência sociológica. Uma mulher nunca é igual a outra, cada qual possui um jeito de ser. Cada uma oferece seu charme, seu estilo e sua vocação. O que temos que fazer é conquistar, decifrar e sentir.

- Deixa de ser bobo, cara!

- Poetas não têm mulheres, têm musas – brinca o rapaz, abrindo mais o sorriso.

- Santo Deus, você é terrível!

- Argumentos científicos estão aí para mostrar as diferenças entre homens e mulheres. O macho, na gama de transferir seu estoque genético, tem apurado instinto de conquistador desde a pré-história. Fenômeno que leva o macho a sonhar com muitas parceiras sexuais na vida.

- Vixe!

- Ao contrário, biologicamente falando, as fêmeas são mais preocupadas em buscar provedores competentes e fortes para aumentar as probabilidades de sucesso da prole.

- Ah, essa não! Conta outra.

- É por aí que explica a preocupação da mulher de casar com um sujeito capaz de sustentar uma relação por longo tempo, um bom partido. Caso contrário, ela corre o risco de criar seus filhos longe da ajuda e da proteção do pai deles.

- Pior que é.

Pausa. Mathieu:

 - De certa maneira, a psicologia evolutiva encara como natural o desejo das mulheres serem atraídas, inconscientemente, por homens parecidos com seus pais, já ouviu falar nisso?

- O que tem a ver?

- A boa imagem paterna deixa uma espécie de impressão emocional, gravada no cérebro feminino.

- Ah, essa é boa!

- Coisas da ciência, querida.

Suzana com um sorrisinho torcido:

- Louco por elas, não tem jeito?

- Qual o ‘pó’?

- Posso até imaginar que a porção feminina que entra na constituição do seu corpo deve ser lésbica.

- Putz!

- Não é?

- Bem, bem... Como observador e estudioso da bioexistência feminina, e ciente de que as mulheres constituem a metade mais bela do mundo, tudo que vem delas me interessa, faz parte do meu texto. A mulher é o maior símbolo da existência. A diferença é que algumas sabem, outras não.

- Hummm!

- A vida, querida, se confunde com um bom projeto literário, exige os excessos. Portanto, torna necessário viver louca e intensamente para a gente ter boas histórias para contar.

- Tipo Don Juan ou Casanova?

- Nem um nem outro. Apenas um rapaz latino americano que acredita no sexo como grande tomada para se ligar ao lado bom da vida – responde Mathieu sob o olhar admirado da mulher.

- Quanta obsessão?!

– Alexandre Dumas dizia que sexo não é tudo, mas 100 por cento do prazer da arte de viver. Para ele, tamanha dádiva é como se fosse um fascínio autorizado pelos deuses. Louva-se a permissão bem clara no terceiro poema do Cântico dos Cânticos: teus seios são dois filhotes, filhos gêmeos de gazela, pastando entre açucenas.

- Virgem Maria!

- Toda libertação, Suzana, passa pelo riso, pelo abraço e pelo sexo. Da mesma forma, toda opressão passa por uma negação de ambos.

- Ora veja só! Eu nunca havia pensado nisso.

- Anos mais tarde, depois de muita reflexão, Alfred Kinsey confirmou a teoria.

- Quem?

- Zoólogo norte-americano que passou boa parte de sua vida estudando o orgasmo humano. Em 1948, lançou o livro Comportamento Sexual no Macho Humano e, em 1953, Comportamento Sexual na Fêmea Humana.
            - Nunca ouvi falar.

- Não importa. O que importa é saber que poesia e orgasmo aproximam os amantes do sagrado. Certo?

Pausa. Suzana, depois de tomar um pouco mais de cerveja:

- A propósito, Math, me promete uma coisa.

- Se tiver ao meu alcance.

Suzana sorri.

- Pelo jeito do andar de sua carruagem vai jogar charme para todas as mulheres do meu grupo de amigas, certo?

Mathieu solta uma sonora gargalhada. Ela:

- Fique longe delas, viu?

O rapaz faz que sim com a cabeça. Depois, com o cigarro aceso na boca, ele solta devagar a fumaça em direção rosto da amiga, dizendo:

- Bobinha, não vê que falo tudo isso só para te chatear.

- Deus queira. Deus queira – pronuncia a mulher repetidas vezes, segurando a mão que lhe oferecia o amigo.

Ela pega os dedos do amigo e os afaga. Leva-os aos lábios e começa a beija-los delicadamente, como se tivessem neles sinais de alguma coisa superior, capaz de induzi-la a conhecer alguém intensamente.
 





* FBN© - 2012 – E Deus Criou o Desejo de Amar...,  NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: Arlequim Azul – Natália Suvorova.  Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/16xvi-e-deus-criou-o-desejo-de-amar.html
  

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