*
Natalia Suvorova
O Arlequim Azul, óleo sobre tela
Com a ponta úmida do cigarro na
boca, que acabara de acender, Mathieu explica a razão de sua visita.
- O Zé,
cordialmente, me convocou.
- Não
queria, tinha programa melhor?
- Não,
nada disso.
- Háháhá!
Perder seu tempo comigo?
- Não é
perder. É um prazer fazer companhia a você.
-
Maravilha.
- Agora,
me conta, morre de mesmo medo de dormir aqui sozinha?
- Â-Hã.
-
Acredita em fantasmas?
- Não,
mas tenho muito medo deles.
- Pânico?
- Mais ou
menos.
- Medo de
quê?
- Do que
pode ter aqui e não dá para gente ver.
- Que
pode ter?
Suzana ri
com ironia. Nos olhos dela brincava uma expressão afetuosa e divertida.
- Não
sei. Mas sei que à noite fica tudo muito escuro. Sofro de nictofobia.
- Que
isso?
- Medo
escuro e da noite, o que me gera espécie de pânico. Temo assombrações... Ai,
não gosto nem de pensar nisso!
-
Imagino.
- Você
pode achar uma coisa cafona, mas é a pura verdade. Arrepio-me toda só de
lembrar – bule a mulher, rindo.
- É.
- Nasci
numa cidadezinha pequena no interior de Minas Gerais, onde gastei boa parte da
infância ouvindo histórias de assombração, de gente que participava de
conversas das almas do outro mundo nas encruzilhadas, nas sombras das
árvores...... Desde menina ficava assustada com casos e casos de aparições dessas
almas penadas! Eu não acredito que existam, mas é melhor se acautelar, não?
Risos:
Mathieu numa expressão atroz:
-
Mula sem cabeça?!... Bicho papão?!... Saci Pererê?!...
- Todos.
- Já
tratou disso?
- Tentei.
Não há terapia que dê jeito.
- Imagino.
- Sou
medrosa por natureza, Math. Rou’unha.
-
Engraçado.
- Acha?
- Bem,
bem... Posso ajudá-la enfrentar todos esses desafios, quer?
- Ã-Hã.
Não gosto de ficar sozinha por nada. Isso porque a gente começa a pensar
demais..., a se autoquestionar, principalmente. Não é mesmo?
Mathieu
encosta a mão no queixo.
- Podemos
trabalhar esse medo e espantá-lo de vez de sua cabecinha. Sou bom nisso.
Risos.
Suzana numa expressão oferecida:
- Ã-Hã.
- Sabe de
uma coisa, quando lhe conheci achei que era uma mulher metidinha a besta, cheia
de não-me-toques. Louca para afastar o Zé dos amigos.
- Sério?
- Logo vi
que não tinha nada disso. É uma figura legal que seduz e encanta com uma voz
serena e adocicada.
- Ainda
bem.
-
Corpinho de adolescente.
- Ai, meu
Deus! Corpinho!
- Sexy à
francesa: 1,60 de altura, 91 centímetros de quadris, 83 de bustos e 50 quilos
de peso.
- ...
-
Manequim 38, sim?
- Que
isso? Que isso? – admira a mulher, rindo.
- Estilo
mignon: magra de pernas torneadas, abdômen levemente arredondado e o olhar mais
sexy do mundo. Acertei?
Suzana
não responde.
- Acertei
nos predicados? - torna o rapaz.
Ela
continua calada. Depois abre o sorriso e suspira:
- Uau!
- Na
mosca?
- Quase. Quase.
- Quase. Quase.
- Sorte
de José Renato ter uma mulher como você.
- Hummmmmm!
- Muito
simpática e envolvente.
-
Simpática?
- Ã-Hã.
- Sabia
que falar que uma mulher é simpática e boazinha é o mesmo que dizer que ela é
feia e gorda?
-
Desculpe-me. Não foi isso que quis dizer, apenas usei a força de expressão.
-
Entendo. Não me acho horrorosa, mas estou longe de ser a formosura que você
desenha. De qualquer forma, obrigada.
Mathieu,
com ar de mistério, põe dois dedos no rosto e fala em tom recital:
- Moça
bonita com faces docemente rosadas, emolduradas por ondas de grossas mechas de
cabelos negros. Olhos quentes, interrogativos. Graciosa e viva nos
gestos...
- Nossa!
- É uma rica
fonte de inspiração poética, viu?
Risos.
Suzana:
- É mesmo
um galanteador e tanto.
- Não vai
pensar que...
Suzana
abana a cabeça.
- Jamais
passaria cantada em mulher de um amigo, não é mesmo?
- De
maneira alguma.
- Relaxa,
cara! Sempre soube que nunca foi santo.
- Melhor
assim.
- Quando te conheci, José Renato me contou,
achando a maior graça, suas aventuras com as mulheres. Autêntico prafrentex. O
mais atirado dos seus amigos.
-
Prafrentex?!...
- Don
Juan mineiro. Na linha do Agente 007, ele dizia que você é um predador da fauna
feminina de Belo Horizonte, que não deixa nenhuma mulher passar na sua frente
sem levá-la para cama. Ou para o sofá, para o banco do carro, para o bote
salva-vidas, para o submarino ou para a nave espacial. Pega geral, nenhuma
escapa da sua boa lábia.
- Lorota
do Zé.
Depois de
uma sonora gargalhada, Suzana:
- Acho
que ele está coberto de razão, é mesmo um baita de um mulherengo!
- Não
exagera. Não exagera.
- Womanizer igualzinho a Beto Roquefeller
da novela das oito, aventureiro e cínico, que leva uma juventude desenfreada,
bem maluca. De fala mansa, acumula sólida reputação de quem entende muito do
‘riscado’ com as características de um bom Don Juan, extrapolando sexualidade, sensibilidade, solidariedade e
intuição.
- Menos,
Suzana.
- Háháhá!
Aposto que, muitas vezes precisou pular janelas, às pressas, levando as roupas
nas mãos, à chegada inesperada de alguns maridos.
O rapaz
ri e expressa:
- Boba!
- Com
pinta de jovem à lá James Dean, ousado, forte e sedutor, deve convencer até as
mais santinhas na nigtht a orar em
seu secreto santuário. Qualquer mulher ficaria entusiasmada, molhadinha, só de
olhar para o sorriso de seus olhos. Arrasa corações, não é assim, Tremendão?
- Não estou com essa bola toda não.
- Ah,
não! Nesse jeitinho maneiro de ser, a meio entre malícia e ingenuidade, deve
pintar e bordar por aí – conclui Suzana sem rodeios.
- Passo
longe da figura de galã. Baixo, barriguinha saliente...
A mulher
leva o polegar direito aos olhos, observando:
- Esse é
irmão desse.
Risos.
Mathieu depois acender outro cigarro.
- Também
pensa assim de mim?
- Você
traz no rosto traços de uma pessoa aberta a relações sexuais curtíssimas. Está escrito
na sua cara.
- Hã?
- De
acordo com recente publicação no Journal of Evolution and Human Behavior,
homens com o formato de queixo mais largo, nariz maior e olhos menores são
menos dispostos ao relacionamento amoroso de longo prazo. São considerados
homens fugidios, homens impossíveis.
O rapaz
põe uma das mãos no rosto, admirado.
- Que
papo biruta é esse?
-
Reparando bem, mocinho, seu rosto não está longe desse perfil. Seus olhos, seus
cabelos e seu nariz demonstram que você não é capaz de formar laços mais longos
com ninguém.
- Chuta
não, Suzana.
- Falo
sério.
- Meu
maxilar não é tão quadrado, nem tenho o nariz tão grande. E meus olhos não são
pequenos assim.
A mulher,
em tom de gozação, continua:
- Médios.
Estão dentro da margem de erro, suponho. Pelas linhas do seu sorriso, acho que
a ciência poderia ler nas suas fácies que você não tem inclinação para assumir
um relacionamento sério com garota nenhuma.
- Que
coisa!
- Tipo
homem da Marlboro, tipo infalível na arte de seduzir mulheres. Ora, Math, não é
difícil perceber que tem a mesma aura de masculinidade que o original dos
anúncios de tabaco. Você prefere amores relâmpagos, sem compromissos, cem por
cento erótico. É mentira, cara?
-
Caramba!
- Isso
mesmo. Pode até ser um ombro amigo, mas não perde a oportunidade dar o bote
naquela mulher que corresponda aos seus desejos.
- Ora
essa, quer dizer que a geografia dos traços faciais pode indicar a atitude de
uma pessoa num relacionamento amoroso, como se fosse o painel de controle de
sua personalidade?
- Para a
sociobiologia não há mistérios. Dizem os estudiosos dos meandros das relações
homem e mulher que sim. Em outras palavras, as feições do rosto moldam a
verdadeira personalidade de um homem.
- Blefe
deles.
- Sério.
- Eu
rebato qualquer estudo que faz associações entre medidas do rosto de um homem e
seu comportamento social.
Suzana
faz uma pausa e acrescenta:
- Hoje em
dia a margem de acerto da ciência é grande, garantem os cientistas, depois de
um trabalho exaustivo de pesquisas.
- Acha?
- Com
certeza.
- Vale o
mesmo para as mulheres?
- Não,
não vale. Os estudos foram feitos somente com indivíduos do gênero masculino.
- Pois
então me diga que tipo de homem querem as mulheres?
Suzana,
com ar professoral:
-
Conforme a pesquisa, a grande maioria aponta homens ligados a antigas tradições
românticas, bem-sucedidos, determinados e viris, claro. São os machos ‘alfa’
que, no melhor estilo, gostam até mesmo de aroma de flores.
- Regra
geral?
- A
análise não apresentou gráficos.
- E você?
- Preciso
dizer?
-
Gostaria.
- Nada
disso me tenta. Distinto do que idealizam os marmanjos que ficam na noite
circulando, circulando para assegurar uma madrugada com ardente desfecho
amoroso, eu correria léguas e léguas dos pegadores de plantão com os seus olhos
postos por todos os lados.
- Lobos
maus?
-
Interesse antropológico puro. É fatal. Quando conquistam, papam e descartam.
Depois procuram outra direção.
-
Caracas!
- Ora,
Math, a autoestima das mulheres depende da estima que elas esperam receber dos
homens. O funcionamento cerebral do gênero feminino é diferente. Nós buscamos
amabilidade, inteligência e bom humor na outra pessoa. Nunca ouviu isso da boca
de uma mulher?
- Pensa
assim de mim, Suzana?
-
Hummmmm!
Mathieu
faz uma pausa, olha a amiga e observa:
- Me acha
um caçador?
- Nato.
Sempre a fim de diversificar a dieta num rodízio insaciável e itinerante. Vive
numa interrogação constante – provoca a mulher.
- Ironia
não, por favor.
- Está
com uma morena hoje e quer uma loira amanhã. Imagino que a lista deve ser longa
e variada.
- Bolas!
-
Beijando todas do mesmo jeito, distribuindo os mesmos afagos... Não é mesmo?
- Putz!
- Para
homens como você que não fazem qualquer, qualquer, mas qualquer diferença entre
o corpo de cicrana ou beltrana e os outros corpos, digo que não é um tipo de
varão pelo qual eu lutaria.
- Não?
- O
bonito me encanta, mas o sincero... Ah!! Esse me fascina. Fecho com Clarice
Lispector.
O rapaz,
depois de uma golada de cerveja:
-
Imaginação fértil, hein?
- Para
alguns analistas, o trato com a sexualidade desenfreada pode não ser a marca
para determinar a personalidade, mas pode oferecer pistas de um quadro
psicológico que precisa ser ajustado.
-
Caramba!
-
Independente das pesquisas, você é dono de uma carinha que não nega seu
inquieto espírito de aventuras eróticas. Nela está escrito, com todas as
letras, que é um pegador incorrigível. É mesmo um playboy.
Mathieu verga o corpo na poltrona e solta uma risada.
Mathieu verga o corpo na poltrona e solta uma risada.
- Playboy?!...
- Sim.
- Passo
longe desse perfil, querida. Playboy é aquele jovem com vocação para viver em
um mundinho de vida mansa, desregrada e montado em privilégios econômicos. É
imprescindível ter grana sobrando na conta bancária para marcar presença em
todas as festas que pintam no pedaço. Enfim, é fundamental ser filho de papai,
de magnata, de grã-fino para passar o tempo todo consumindo.
Suzana bebe
um pouco de cerveja e, soltando fumaça com o cigarro nos lábios, diz:
- Pode
não ser um playboy ao pé da letra. Mas que, dentro de suas possibilidades,
diuturno explora suas inclinações sensuais. Minto?
- É meu
jeito de ser. Procuro ser gentil com as mulheres, só isso.
-
Perfeito cavalheiro que faz de tudo para atrair as fêmeas para seus braços. Não
pode ver uma colocar, entre os dedos, um cigarro que vai logo se oferecendo
para acendê-lo.
Mathieu
abona a observação com um risinho provocador.
- Ah, sim,
tenho o isqueiro mais rápido do Oeste!
- Ligeiro
demais para o meu gosto!
-
Divirto-me apenas. Não sou de fazer ‘pegas’ na BR-3, mas gosto de conquistar
‘brotos’ em point de baladas da
cidade.
-
Engraçadinho, você, hein?
- Não
vejo nada de mal.
Depois, recompondo-se
na poltrona, Suzana pergunta, indiscretamente:
- Ah, vem
cá, você teve um caso com Maria Olívia, não teve?
- Maria
Olívia! Maria Olívia!
- Sim,
Maria Olívia.
- Maria
Olívia?
- Como é
que foi? Ah, me fala, estou curiosa.
- Maria
Olívia... Maria Olívia...
- Não se
lembra?
O rapaz
olha para a amiga, sem dizer nada. Ela insiste:
- Ô,
cara, não se faz de desentendido.
- O quê?
- Ah, eu,
hein! Escorrega não, rapaz.
-
Iiiiih...
Suzana
ironiza, erguendo um brinde:
- Vive le quiabo!
- Às
vezes sou acometido por uma amnésia temporária.
- Transtorno
dissociativo de memória?
- Temporário,
claro.
- De
conveniência. Ai, que bonitinho!
- Uai, lapso
de memória pode acontecer com qualquer um. Ninguém está livre de um branco na
cabeça, viu?
- Deixa
de lero-lero.
- Juro.
- Não
brinca. Vamos, faz um esforço, faz.
- Algum
motivo especial?
- Não,
mas eu gostaria de saber, posso?
- Não
recordo – repete o rapaz dissimulado.
- Difícil
de lembrar? Não se preocupe, dou uma forcinha.
- É bom.
- Aquela
loira que, semanas atrás, enquanto conversávamos na entrada das Lojas
Guanabara, apresentei a você. Acha que não percebi que ficou a fim dela?
- Loira!
Loira!
- Vamos,
puxe pela memória.
-
Impossível.
Suzana
com certa firmeza, diz:
-
Lembre-se de que se o senhor saiu com ela foi porque apresentei a garota a
você.
E
acrescenta com ar de nobreza:
- Seja
cavalheiro, rapaz, vamos?
Por fim,
Mathieu admite:
- Sua
colega lá no Estadual Central que também estuda teatro com a Haydée
Bittencourt?
- Ela
mesma.
- Quem te contou?
- Que
importância isso faz?
-
Nenhuma.
- Então?
- Muito
simpática.
- Tiveram
um affaire?
Risos. A rapaz com
um risinho no canto da boca:
- Ô,
menina, dessa coisa de intimidade não gosto de falar.
- Ah, sem
essa.
- Nada
sério. Nada.
- Deixa
de fazer charminho, rapaz.
- Preciso
dizer? – Mathieu muda de posição no sofá, fingindo ingenuidade.
-
Enjoado! Não quer falar não fala.
- Suzana!
- Não é
da minha conta, não é da conta de ninguém, mas...
- Não
tenho nada para esconder.
- Então!
- Posso
dizer que não foi um tórrido romance, mas asseguro que a jovem tem os lábios
bem sensuais.
- Nossa,
que empolgação!
- Nada
muito além.
Suzana
inquieta-se na poltrona.
- Saíram
no seu carro?
-
Visitamos um Cine drive-in.
- Bonito!
Papo vai, papo vem... Ah, nem precisa perguntar se foram às vias de fato, não é
mesmo?
- Suzana!
- Os dois
num lugar desses, o céu é o limite, meu querido – assevera a mulher com um
olhar inquisidor.
- Hein?
- Isso
mesmo. Dentro de um automóvel a imaginação não respeita limites de velocidade.
Aposto que brincaram pesado, aproveitando até não poder mais.
-
Pensando asneiras.
- Ah,
Math, mulher que aceita sair sozinha com um rapaz no seu carro, sinaliza que
topa muito mais do que uns beijinhos, viu?
- Ficamos
restritos a uma boa conversa. Nada mais profundo. Portanto, não tem por que se
preocupar - segreda o rapaz.
-
Mentiroso.
- Juro.
Enquanto falávamos de teatro, principalmente, tentava completar as frases com
caricias nos seus braços, nos seus cabelos. Até ai tudo bem, mas, quando
arrisquei acarinhar seus ombros, Olívia se defendeu retendo meu gesto numa
demonstração de ser pouco sensível aos avanços masculinos. A partir daí, com
todo o respeito, não insisti mais. Pronto, contei tudo.
Pausa.
Suzana furiosa:
- Conheço
Maria Olívia e sei que não é mais virgem. Bebendo os dois dentro de um carro
num drive tudo pode acontecer, cara.
Tudo. Vai me dizer que não?
- Ora,
Suzana!
- Pode
abrir o verbo, vou entender.
- Foi
assim.
-
Mentira. Diz logo, cara.
- Calma.
Calma – pede o rapaz.
- Pelo
jeito será mais uma devassa na sua coleção de raparigas.
- Ora,
Suzana, menos. Entre nós não teve clima para mais nada, além do que eu disse.
Ela não deu chance para envolver intimidade nenhuma – rebate o rapaz.
-
Duvideodó! Ela é intelectual como você gosta.
- Não prejulgue
sua amiga.
- Háháhá!
- Também curto teatro. Levei o script de uma peça para a gente ler dentro do carro ou num banco de jardim.
- Também curto teatro. Levei o script de uma peça para a gente ler dentro do carro ou num banco de jardim.
- Sim. E
daí?
-
Chegamos a ler uns trechos.
- Sim.
- Foi
franca em dizer que não gostou. Disse que não tolera Teatro de Arena.
Com um ar
interrogativo, Suzana:
- Que tem
uma coisa com a outra?
- Não
curtiu minha peça. Achou um saco, moderna demais. Para ela o enredo não tinha
pé, apesar de ter cabeça. Achei engraçada a crítica, mas tive que engolir em
seco. Entende?
- Azar,
hein!
- Se não
gostou da peça, como iria gostar de mim?
- Coisa
boa!
- Como
nossas mãos diziam coisas diferentes, achei melhor saltar fora, mesmo vidrado
na garota.
- Nem
acredito.
- ‘Babado’ caído.
- ‘Babado’ caído.
- Uai,
dizem por aí que mulher difícil não é obstáculo para os bons pegadores. Pelo
contrário, redobra o estímulo.
-
Bobeira.
- Ô dó!
Jogou com o ‘se colar colou’ e se deu mal?
- É isso.
- Meus
sentimentos!
Risos.
Suzana continua com escárnio:
- Quando
uma mulher apresenta algo que interessa ao macho, deveria ser mais
condescendente com ele, não é mesmo?
- Hum?
- Afinal,
hoje em dia, para terem estatus de garotas moderninhas, a regra é dizer ‘sim’ a
todas as propostas masculinas. Não é desse jeito que pensam os ‘carinhas’ como
você?
- Bem,
bem... Mulher bonita e atraente nunca deveria mesmo usar a palavra não no
afetuoso trato com o sexo oposto. Muito menos bancar a gostosona – brinca o
rapaz, sorrindo.
- Háháhá!
Pausa.
Mathieu em tom de lamento:
- Não
embarcou na minha, nem eu na dela. É a mais pura verdade.
- Quer
dizer que Maria Olívia não caiu na sua ‘baba’?
- Ficamos
no zero a zero. Não deu jogo..., azeite!
- Ainda
bem.
- Por
isso não insisti em compor o calor sensual da existência com o frio cortante do
espírito crítico de sua amiguinha. Imagino até que ela exibe o típico
distanciamento para ser melhor desejada. Quem sabe, ‘né?
Risos.
Suzana observa com ironia:
- Bobo.
Também não precisa esnobar tanto numa verborreia crivada de flechas de erudição
de suas teorias machistas!
- Arre!
Suzana
respira aliviada.
- Foi bom
saber que nada de mais sério aconteceu entre vocês. Parabéns para minha amiga.
Deixou claro que não queria compromisso com um malandrinho como você.
- Quem é
que sabe?
-
Tolinho! Nem toda mulher se deixa levar como uma mercadoria com entrega na hora
certa. Aprendeu a lição?
-
Querida, as emoções da conquista estão ligadas à nossa disposição de correr
riscos. O fracasso faz parte.
- Ainda
bem.
- É quase
impossível decifrar uma mulher. Um sorriso, um gesto, um olhar feminino
pode significar muita coisa, ou nada. Assim sendo, digo que a mulher é sempre
uma experiência, um aprendizado, que temos que encarar com inteligência.
Portanto, seguir em frente é a palavra de ordem para satisfazer seus desejos.
- Tolo!
- Desde
pequeno aprendi a respeitar a autonomia de cada um em matéria de sentimento.
Fazer o quê?
- E
agora, Mathieu, vai continuar dar em cima dela?
-
Sentimentos misturados. Satisfação por conhecer uma mulher interessante e perda
por não conseguir dobrar seu coração?!...
- Me
responde, vai continuar dando em cima dela?
Risos e
uma pequena pausa. Mathieu:
- Bem...
De qualquer forma, valeu.
- Como
homem não fecha caminho para mulher nenhuma, aposto que deixou a porta
entreaberta para quando ela quiser voltar.
- Acha?
- Acho
não, tenho certeza.
Risos. O
rapaz alfineta:
- O
sucesso de um bom tenista é saber dominar a ansiedade e aprender a calcular o
momento exato de atingir a bola.
- É
mesmo?
- Amo as
mulheres e sou muito feliz por isso. Podem
vir quentes que estou fervendo...
- Bobo!
- Bem-vindas
suas amigas que não sejam moças duronas.
- Como é
que é?
- Alguma
coisa contra?
- Olha
como ele fala! Sem vergonha, se Maria Olívia tivesse dado chance seria mais uma
margarida no seu jardim, não é mesmo?
-
Desculpe-me. Disse isso maquinalmente, sem pensar.
- Sei
como é. Normalmente, um homem se sente orgulhoso ter tido infinitas aventuras
amorosas.
- Talvez.
Fique sabendo que não tenho a sedução como traço de mau caráter, mas como
proveitosa experiência sociológica. Uma mulher nunca é igual a outra, cada qual
possui um jeito de ser. Cada uma oferece seu charme, seu estilo e sua vocação.
O que temos que fazer é conquistar, decifrar e sentir.
- Deixa
de ser bobo, cara!
- Poetas
não têm mulheres, têm musas – brinca o rapaz, abrindo mais o sorriso.
- Santo
Deus, você é terrível!
-
Argumentos científicos estão aí para mostrar as diferenças entre homens e
mulheres. O macho, na gama de transferir seu estoque genético, tem apurado
instinto de conquistador desde a pré-história. Fenômeno que leva o macho a
sonhar com muitas parceiras sexuais na vida.
- Vixe!
- Ao
contrário, biologicamente falando, as fêmeas são mais preocupadas em buscar
provedores competentes e fortes para aumentar as probabilidades de sucesso da
prole.
- Ah,
essa não! Conta outra.
- É por
aí que explica a preocupação da mulher de casar com um sujeito capaz de
sustentar uma relação por longo tempo, um bom partido. Caso contrário, ela
corre o risco de criar seus filhos longe da ajuda e da proteção do pai deles.
- Pior
que é.
Pausa.
Mathieu:
-
De certa maneira, a psicologia evolutiva encara como natural o desejo das
mulheres serem atraídas, inconscientemente, por homens parecidos com seus pais,
já ouviu falar nisso?
- O que
tem a ver?
- A boa
imagem paterna deixa uma espécie de impressão emocional, gravada no cérebro
feminino.
- Ah,
essa é boa!
- Coisas
da ciência, querida.
Suzana
com um sorrisinho torcido:
- Louco
por elas, não tem jeito?
- Qual o
‘pó’?
- Posso
até imaginar que a porção feminina que entra na constituição do seu corpo deve
ser lésbica.
- Putz!
- Não é?
- Bem,
bem... Como observador e estudioso da bioexistência feminina, e ciente de que
as mulheres constituem a metade mais bela do mundo, tudo que vem delas me
interessa, faz parte do meu texto. A mulher é o maior símbolo da existência. A
diferença é que algumas sabem, outras não.
- Hummm!
- A vida,
querida, se confunde com um bom projeto literário, exige os excessos. Portanto,
torna necessário viver louca e intensamente para a gente ter boas histórias para
contar.
- Tipo
Don Juan ou Casanova?
- Nem um
nem outro. Apenas um rapaz latino americano que acredita no sexo como grande
tomada para se ligar ao lado bom da vida – responde Mathieu sob o olhar
admirado da mulher.
- Quanta
obsessão?!
–
Alexandre Dumas dizia que sexo não é tudo, mas 100 por cento do prazer da arte
de viver. Para ele, tamanha dádiva é como se fosse um fascínio autorizado pelos
deuses. Louva-se a permissão bem clara no terceiro poema do Cântico dos
Cânticos: teus seios são dois filhotes, filhos
gêmeos de gazela, pastando entre açucenas.
- Virgem
Maria!
- Toda
libertação, Suzana, passa pelo riso, pelo abraço e pelo sexo. Da mesma forma,
toda opressão passa por uma negação de ambos.
- Ora
veja só! Eu nunca havia pensado nisso.
- Anos
mais tarde, depois de muita reflexão, Alfred Kinsey confirmou a teoria.
- Quem?
- Zoólogo
norte-americano que passou boa parte de sua vida estudando o orgasmo humano. Em
1948, lançou o livro Comportamento Sexual no Macho Humano e, em 1953,
Comportamento Sexual na Fêmea Humana.
- Nunca ouvi falar.
- Nunca ouvi falar.
- Não
importa. O que importa é saber que poesia e orgasmo aproximam os amantes do
sagrado. Certo?
Pausa.
Suzana, depois de tomar um pouco mais de cerveja:
- A
propósito, Math, me promete uma coisa.
- Se
tiver ao meu alcance.
Suzana
sorri.
- Pelo
jeito do andar de sua carruagem vai jogar charme para todas as mulheres do meu
grupo de amigas, certo?
Mathieu
solta uma sonora gargalhada. Ela:
- Fique
longe delas, viu?
O rapaz
faz que sim com a cabeça. Depois, com o cigarro aceso na boca, ele solta devagar
a fumaça em direção rosto da amiga, dizendo:
-
Bobinha, não vê que falo tudo isso só para te
chatear.
- Deus
queira. Deus queira – pronuncia a mulher repetidas vezes, segurando a mão que
lhe oferecia o amigo.
Ela pega
os dedos do amigo e os afaga. Leva-os aos lábios e começa a beija-los
delicadamente, como se tivessem neles sinais de alguma coisa superior, capaz de
induzi-la a conhecer alguém intensamente.
* FBN© - 2012 – E Deus Criou o Desejo de Amar..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Romance de Geração - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: Arlequim Azul – Natália Suvorova. Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/16xvi-e-deus-criou-o-desejo-de-amar.html
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