2011-01-03

34/XXXIV – NOITE DE UM SONHO DE VERÃO


*

Minha noite com ela 

        O Estado das Coisas, de Wim Wenders. Atores Isabelle Wajngarten e Jeffrey Kime.




  
 
 
De repente a mulher retrai-se de um salto, visivelmente, constrangida. Sentada no meio da cama beija o rapaz de leve na testa. E, um pouco sem jeito, murmura:
- Ó meu Deus! Ó meu Deus!
- Que foi?
- Tolices.
- Fala.
- Bobagens de minha cabeça.
- Você está bem? Sente-se bem?
Suzana olha para ele de soslaio.
- Estou bem, claro.
Mathieu, depois de prender a respiração, pergunta com leve sorriso no rosto:
- Arrependida?
- Não.
- Então?
- Ai, difícil de acreditar!
- Hein?
Com os olhos arregalados, numa expressão de espanto, a mulher:
- Exagerei na dose. Nunca supus que eu pudesse chegar a esse ponto.
- Pensando o que, menina?
Depois de um risinho tímido, ela acende um cigarro mentolado.
- Estou até meio passada.
- Continuo na mesma. Diz logo, querida.
- Por dentro deve estar rindo de mim - conjetura a mulher com a face entre as mãos.
O rapaz estende-se sobre a cama e cruza os braços sob a cabeça.
- Rindo? Ora, por quê?
- Rindo do meu procedimento. Atravessei todos os limites. Bobeei.
- Limites!?... Continuo voando, Suzana.
- Estranho, agora, olhar para você.
- Se está se referindo... Não, não se aborreça nem precisa ficar embaraçada, viu? Querida, o amor é também a vontade de entregar o corpo às vontades e caprichos um do outro. 
- Ã-Hã.
- Não existe homenagem maior que um homem presta a uma mulher, à vontade dela. Momento divino, sintonizado com a alma. Descrito até no Cântico dos Cânticos..., de joelho, a mão posta. Uma asa trêmula de borboleta, doce lambida... Um terremoto emocional.  Salve!
- Ahhh!
- Sinaliza e reforça que o prazer do sexo está na extensão da pele toda, não concorda?
Suzana não responde. Ri apenas, enquanto olhava, maquinalmente, para o teto.
- Nenhum motivo de se envergonhar por querer descobrir novas formas de sentir prazer - assegura o rapaz.
- Não, não, não... Nada a ver. Sabe o que é..., Santo Deus, como direi?
- Fala.
- É que...
- Fala.
- Olha só: o que condenei ainda há pouco, acabei fazendo. Tomei a iniciativa, não podia. Deve achar que sou maluca, que surtei.
- Seja mais clara.
As têmporas da mulher também latejavam.
- Ô, cara, arrastei você para a cama. Vê se pode?
- Me arrastou, que isso?
- Não deveria ter feito nunca desse jeito – recrimina ela, envergonhada.
Mathieu não aguenta e cai na risada:
- Oh, não! Oh, não! Então é isso? Corta essa, meu amor!
- Passei da conta, Math. Ai, quando penso como aconteceu, dá arrepios na espinha, um aperto no coração..., me sinto péssima. É como se eu tivesse forçado entrada na sua intimidade... Não poderia estar aqui com você desse jeito.
- Para... Para... Para pelo amor do Deus... – altera a voz, em tom de brincadeira, o rapaz.
- Forcei a barra. Abusei..., isso me inquieta. Confunde.
- Sem culpa, vai.
- Aventura com o melhor amigo dele?!...
- Sem culpa e sem culpados.
- Minha cabeça gira a mil. Absurdamente, me deixei levar por esse furacão! – assume Suzana com cara meio esquisita.
- Bobinha!
- Desse modo é o mesmo que dizer: estou livre para ser amada, que sou todinha sua. Não é assim que os rapazes pensam?
- Conheço para isso um bom remédio.
- Qual?
- Ame. O melhor remédio.
- Ah!!!
          Mathieu com um carinho na face dela:
- Não fique com esse ar constrangido não. Aconteceu.
- Fui muito fraca.
- Não, não, não... Jogar fora os porque é um doce segredo para um amor proibido. Não foi bom?
Com um sorriso de ponta a ponta, ela:
- Amei.
- Então?
A mulher balança a cabeça. Suspira fundo, afaga os cabelos do rapaz e, com a voz doce e pausada, admite:
- Mesmo assim foi lindo. Tudo como eu imaginava, viu?
- Maravilha.
- Arrebatamento em lavra interna sem nunca ter cuspido fogo. Incandescente! Ai, essa tesura estava me consumindo – revela a mulher em tom de brincadeira.
- Olha!
- Eu estou muito feliz – expressa Suzana com ar de muito contente.
- Bom ouvir isso.
- Você me compreendeu. Foi paciente comigo, tão afetuoso e delicado que me entreguei como se fosse meu de longa data. A noite foi perfeita, fiz amor como nunca.  Tudo como se eu estivesse no céu.
 - Maravilha!
- Tudo bem. Tudo ótimo. Valeu o atrevimento de subir para a superfície do meu corpo. Você foi a brincadeira mais séria que me aconteceu – cantarola Suzana, rindo. - A carne é mesmo fraca, não é?
- Êba!
- Não tenho do que me arrepender, palavra de mulher. Melhor, impossível. Quando penso no que aconteceu, fecho os olhos e sinto saudades. Ai, que delícia!
- Linda!
- Não hesitaria esse momento de felicidade com você, apesar da sensação inicial de medo e insegurança – afirma Suzana com o rosto inundado por um risinho sonhador.
Mathieu olha para a amiga com carinho.
- Isso que importa.
- Sim, sim. Mas...
- Mas?
- Seja lá como for, tenho que admitir que eu cometi uma travessura, uma grande travessura – recrimina a mulher, novamente, com as faces um pouco mais avermelhadas.
- Rolou. Não se culpe, nem procure culpados.
- É. Talvez não deva ligar para isso mesmo.
- Claro que
Suzana pensa um pouco e declama em voz suave:
- Que seja minha loucura perdoada. Porque metade de mim é amor. E a outra metade também - ensina Ferreira Gullar.
- Evidente. A gente nasce com dispositivo interno que nos adverte que sem amor a vida não vale a pena. Não vale. Freud foi mais longe diagnosticando que precisamos amar para não adoecer.
- Claro.
- Comum considerar pecado, errado ou doença as fantasias sexuais. Nada disso, a sexualidade ignora regras. Você soube reconhecer os sinais de seu próprio corpo e do meu também. Splish Splash!  Desejo é ótimo, nada melhor.
A mulher mostra a pontinha da língua e beija Mathieu de leve no rosto, confessando:
- Você é o máximo, cara!
E acrescenta:
- Entende a volição de uma fêmea como ninguém. Tem pegadas fortes, escreve bem e faz outras coisas melhor ainda. Háháhá...
- E você, gata, é adorável.
- Hummm!
- No silêncio da noite, confesso que me deu um pequeno susto.  Mas, foi insinuante vê-la, em sensual e profundo silêncio, me observando.
- Não esperava?
- Não.
Suzana sorri, descontraída.
- Acredita que tive medo. Achei que você nunca entenderia, não fosse me aceitar. Por outro lado, confiava que ia perceber meu recado.
- Ô, meu amor, como resistir a tamanha tentação?
- Danadinho, você me enfeitiçou.
Mathieu com o olhar dentro dos olhos dela:
- Posso confessar uma coisa?
- Esteja à vontade.
- Sempre tive a fim de você.
- Nada de novo. Arteiro e custoso como é não perde uma mulher que pinta na sua frente. Isso você não pode negar.
- Falo sério.
Suzana ri pouco convicta.
- Gracinha, quer que eu acredite?
- Sim.
- É natural as pessoas sentirem atração por outras que não sejam seus parceiros, principalmente, vocês homens que adoram novidades.
- Não estou mentindo.
- Ai, Math!
- Também não precisa fazer biquinho de francesinha curiosa.
             Pausa. Suzana toma um gole de cerveja e acende um cigarro.
- Posso dizer que, como mulher, há muito percebo que também tenho uma queda por você. Atração platônica! Como não era coisa que pulsava por uma série de razões, fazia de tudo para que o desejo não descesse para o corpo. Achava melhor não fazer confusão.
- Oh!
- Ao saber que viria dormir aqui, confesso que fiquei toda tentada. Sei lá, aquela sensação de que alguma coisa a mais poderia ocorrer nesse encontro, mesmo ciente de que a infidelidade é grave. Mais ainda, quando envolve sentimentos.
- Ã-Hã.
- Relutei. Relutei muito para acalmar tantos fantasmas, rondando minha cabeça. Não deu. Como aconteceu com Adalgisa, de Drummond, o cérebro não conseguiu impor limites ao meu corpo, mesmo com aquele friozinho na barriga.
- Adalgisa?
Suzana emposta a voz:
- Parti-me para vosso amor/Que tem tantas direções/E em nenhuma se define/Mas em todas se resume.
- Maravilha.
- Não tem jeito, você pode ser solteira, casada ou separada, quando o desejo entra em jogo a alma fica vulnerável, mais leve. Não é assim?
- É.
- Tudo como se eu fosse uma bomba de efeito retardado que não possui detonador. O detonador foi você, Math. Foi capaz de compreender os sinais silenciosos emitidos por mim.
- Olha!
- A partir daí, sem nenhuma decência usufrui de seu corpo o quanto pude. Amei sem limites. Passei da página um e, talvez, já esteja escrevendo o enredo de uma novela, certa de que todo prazer tem seu preço e risco.
- Talvez.
Depois de um sorriso tímido, Suzana tapa os lábios com uma das mãos. E brinca:
- Nunca tinha visto outro homem pelado na minha frente, acredita? Nem mesmo em foto, a não ser os deuses das estátuas gregas ou romanas. Não é engraçado?
- Você é mesmo surpreendente, Suzana.
- Acha?
- Encantado.
- Encantado?
- Encantado pelos seus olhos da cor do mar, pela maciez de sua pele que amei...
- Enlouqueceu?
- Talvez.
- Quer que eu acredite?
O rapaz tosse e responde, rindo:
- Deve. Caso contrário eu não estaria aqui para viver essa história de período, gramaticalmente, composto.
- Ora, Math?
- Aconteceu, querida. Aconteceu.
Revestida por uma alegria nova, Suzana desce da cama e se veste. Pega o lençol no chão, cobre o rapaz e acaricia novamente seus cabelos fartos. Mathieu revira na cama, perguntando:
- Querida, aonde pensa que vai?
- Não vou fugir.
- Não vai mesmo.
- Aliás, vou. Fugir. Fugir... Fugir desse lugar, antes que me carregue – cantarola a moça.
- Engraçadinha!
- Penso ir para a Índia numa viagem espiritual. O paraíso é lá.
- O paraíso é aqui. Não posso te perder.
Olhando de viés para o rapaz, ela:
- Não?
- Não.
- Mais uma para o seu harém?
- Bobinha!
           - Háháhá! Dotado de qualidades de ator nato, você deve contagiar uma a uma das suas conquistas, não é mesmo?
- Que isso, menina?
Suzana, depois de uma breve reflexão:
- Seria capaz de ser feliz somente com uma mulher, fazendo de seu corpo único e insubstituível? Seria, Math?
O rapaz solta uma risada curta. Em seguida, expressa com doçura:
- Você foi perfeita, minha pupila. Inundou-me o corpo e a alma de consciência romântica. O resto deixa comigo.
- Sem brincadeira, cara.
- Falo sério. É a pessoa mais bacana que conheci em toda a minha vida, a companheira que pedi aos céus.
Suzana emudece. Ele:
- Ô, gatinha!
- Meu Deus, gostaria de ter aqui uma bola de cristal.
- Não estou brincando, juro.
- Confissões de um corpo ainda suado, claro.
- Não é não. Acredite.
- Amigos, amigos. Amores à parte.
- Hein?
- Mocinho, você é legal, cortês.  Inteligente e sensível. Mas, perigoso demais.
- Caramba!
- Bem, querido, preciso de ir para o meu quarto.
- Só mais um pouquinho? – pede Mathieu com um sorriso de familiaridade.
- Naninanão!
-Tem alguma coisa que possa fazer para que você faça o que eu peço?
Pausa. Suzana:
- Meu amor, um dia vai achar uma bela namorada e poderão viver um grande romance.
- Cuidado. Não dá ideia.
- Isso mesmo. A frase é velha, mas perfeita para a ocasião.
- Quem sabe já arranjei uma namorada espetacular?
- Já?
Silenciam ambos com os olhos um no outro. Suzana põe a mão sobre uma mão do amigo, curiosa:
- Que foi, Math? Está me olhando de um jeito!
- Tenho uma coisa para te dizer.
- O quê?
- Adivinha se puder.
- Não posso. Fala.
- Acabo de descobrir você. Seu rosto, é inesquecível. Os olhos, claros e cheios de ternura, me enxergam por dentro e por fora. O beijo, ah o beijo é maravilhoso. E as palavras, então? Mais doces do que o mel da Jataí.
- Nossa!
- Tudo muda o tempo todo. Eu mudei.
- Hein?
Mathieu revela em tom suave:
- Pintou um clima, deu liga. O universo conspirou a favor, o destino falou e a bússola apontou para você.
- Meu Deus!
- Já que a vida quis assim, farei tudo que puder para não te perder. É para valer.
- Bobo!
- Chegou a hora de você deixar de me ver só como amigo e gostar de mim como homem. Tudo que eu quero e sonho.
- Baixa a bola, rapaz! E para de olhar para mim com olhos de promessas. Não brinca com coisa séria, muito menos minta para você mesmo. 
- Falo com a voz do coração.
- Não acha que está querendo estreitar demais a nossa amizade?
- Falo sério.
Pausa. Suzana rindo:
- Então me conta o que deixou esse jovem tão impressionado nessa mocinha casada com seu melhor amigo?
- Surpresa?
- Demais da conta, sô!
- Um pássaro azul acaba de cantar em meu ouvido que chegou o momento de me apaixonar por alguém e descobrir que o amor é o ingrediente mais secreto do sexo.
- Para com isso.
Mathieu dá uma risadinha meio sem graça:
- Espero que não esteja pisando em terreno interdito.
- Não é só isso.
- Para dizer a verdade, como disse, desejo você desde quando me foi apresentada pelo Zé. Lembra?
Suzana em tom de zombaria:
- Paixão arrebatadora?!...
- Sim.
- Háháhá... Mais fogo amigo, impossível.
- Aconteceu.
- Cafajeste romântico ou Don Juan apaixonado?
- Não importa. Seduziu-me de tal forma que não posso saber como isso ocorreu.
- Não?
- Falo com o coração a uma jovem discreta, religiosa e especialmente bela.
- Brejeira de sorriso suave e afetuoso que, como por encanto, enfeitiçou o rapazinho?
- Muito.
- Aí, aí você ficou apaixonado?! – caçoa Suzana.
- É o que sinto.
 - Você somente para mim, longe de outras mulheres?
Mathieu abre o sorriso e cantarola trecho de uma música de Noel Rosa:       
- Mas finalmente/Não sei por que/Eu gosto imensamente/De você...  
E conclui com outro do cantor Roberto Carlos:
- Falando sério..., estou guardando o que há de bom em mim/Para lhe dar quando você chegar...
- Háháhá! Acha que devo começar a crer em final feliz de mais um conto de fada?
- Por que não, princesa? Quem sabe já estamos vivendo a primeira noite de um grande romance.
- Nossa!
- Melhor dizendo: quem sabe vivemos a primeira noite de outros dias? Ou de centenas de diferentes dias que temos pela frente?
- My God!
- Quem sabe já plantamos aí uma sementinha que vai dar curva nova na geografia do seu corpinho abençoado?
Com um sorriso tranquilo, acariciando o ventre, Suzana:
- Seu bobo, eu tomo pílulas. Com elas, a mulher só fica grávida quando quer.
Os dois riram, trocando olhares. Suzana:
- Sou louca por crianças. São anjinhos, luz na vida da gente. Desejo gerar mais um pelo menos. Mas, não assim.
- Tudo bem, gata. Tudo muito bem... Não quero sua resposta agora. Vou esperar o quanto for preciso. Meu amor não tem pressa, pode esperar enquanto respira o aroma de uma felicidade há muito escondida.
- Maluquice!
- Não é não. Temos tudo para dar certo. Deixa acontecer.
 - Brinquedo perigoso! Vou indo. Tiau.
- Fica um pouquinho mais, fica.
- Nanã! E não me venha com essa carinha de menino manhoso.
- Ora!
- Que que há, Math? Tudo entre nós pode não ter passado de um sonho de uma noite de verão. Logo vai se dar conta disso.
- Como assim?
A mulher joga a cabeça para trás, cruza os braços e respira profundamente antes de responder:
- Melhor dizendo: aventura de uma noite só, exatamente, como você gosta, ser mais uma na sua cama. Sem repeteco, porque pegador não se apega.
- Suzana!
- Não é isso?
- Claro que não. Faria qualquer coisa para tê-la de novo. Viver sempre ao seu lado, te oferecer um destino cheio de alegria, viu?
- Math, existem amores para serem vividos de perto. Outros para serem vividos de longe.
- E o nosso?
- Só o tempo pode dizer. No momento o que posso dizer é que eu abri uma pequena fenda na porta do armário. Dei uma escapadinha. Agora é entrar no guarda-roupa de novo, trancar a porta por dentro e esperar novos sinais, dando tempo ao tempo. Tiau, tenho que ir.
Imediatamente Suzana fica de pé, de olho no relógio. Era tarde. Recolhe o sorriso e decide sair de uma vez, pensando que se não controlasse essa vontade, acabaria cedendo.
- Agora, preciso ir para minha cama recompor as energias e as ideias. Beijinhos.
Mathieu toma-lhe as mãos.
- Você treme.
- Bateu um nervoso, passa logo. O calor está de matar. Preciso tomar novo banho e relaxar.
- Tudo bem.
- Math, trate de dormir.
- Apenas isso para me dizer.
Suzana sorri com ar sonolento:
- Vamos nessa, depois a gente fala mais. Uma Acácia Amarela para você. Beijinho.
- Hein?
- A flor que representa o amor secreto.
- Se é assim que quer.
A cabeça de Suzana dobra-se em arco, pendida sobre o peito. Depressa se ergue e leva aos lábios as mãos do homem, fazendo-lhe o carinho sapeca de uma mulher, sexualmente, tocada pela satisfação.
- Querido, tenho que aprender tudo do começo, inclusive a amar, viu?
- Sim.
- Se tivesse encontrado você antes, certamente, não teria minha alma deslumbrada pelo seu amigo. Coisas do destino. Coloquei a chave de minha felicidade no bolso da pessoa errada. É isso.
- Ã-Hã.  
- Agora, durma. Um dia quem sabe a gente se encontra para valer.
- Suzana!
          - Nossa Senhora vai te cobrir com seu manto sagrado, viu? Até logo mais, tenho que ir. Beijinho, beijinho, tchau, tchau!
Apoiado nos cotovelos, Mathieu aperta os olhos e solta um longo suspiro, fazendo à amiga um gesto de espera. Levanta-se da cama. Com as mãos estendidas, segura a cabeça da mulher de encontro a seu rosto e, sobre os lábios, pousa-lhe um beijo, outro e outros.
- A gente se ama e, contra o amor, não se pode quase nada. Agora, nada consegue mudar o que você significa para mim.
- Não?
- Estou apaixonado por você. Quer casar comigo?
- Você é tudo que desejo, mas precisamos colocar limites.
Num transporte de paixão, Mathieu aperta a mulher contra seu peito e pede:
- Dá-me um beijo, dá.
Ela faz que não com a cabeça. E, com ar de brincadeira, diz:
- Virgem Santa, o pegador foi pego mesmo?!
Risos. O rapaz:
- Querida, a mais preciosa das disposições do ser humano é o amor, seja ele que dimensão for. Assunto para a filosofia, para a psicologia, para a sociologia, para a religião, para as artes e para nós dois – resume radiante o rapaz com os olhos brilhando de expectativa.
- Querido, as portas estão abertas, mas ainda há muita coisa a dizer. A gente se vê de novo daqui a pouco, durma com os anjos.
- Ok.
Suzana inclina-se para trás, na ponta dos calcanhares. E ressalta:
- Por enquanto merecemos uma Acácia Amarela.
- Hein?
- Representa o amor secreto.
- Tudo bem. Tudo bem.
- Então fica assim, vou nessa. Tiau, tiau. Beijinho, beijinho.
Suzana reprime o bocejo, sorri e se desprende do corpo masculino em clima de alegria. Com a mente mexida pelas emoções da noite, junta suas roupas espalhadas e se veste. Estende o rosto, despede-se mais uma vez do rapaz, roçando de leve seus lábios nos lábios dele. E, com o risinho congelado nas faces, encolhe o corpo, abraça a si mesma e sai de mansinho para o seu quarto, desaparecendo no fundo do corredor sombrio.
Na sala, sobre a mesa de centro, ficaram dois copos: um sem nada dentro, outro com um pouco de cerveja. Também uma travessa suja com palitos, guardanapos de papel embolados, caroços de azeitona e um cinzeiro de vidro com muitos tocos de cigarro. Debaixo do móvel algumas garrafas vazias no chão.
Do lado de fora, o vento soprava lentamente. Às vezes um grande caminhão atravessava a toda velocidade a Avenida João Pinheiro, fazendo um barulho de trovoada, mas tudo estava tranquilo, tudo.
Amanhecia. 
 
- FIM -
 





                         

* FBN© - 2012 – Noite de um Sonho de Verão..., NUMA NOITE EM 68 - Categoria: Conto/Pocket-Book. Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: foto de uma cena do filme  O Estado das Coisas, de Wim Wenders. Atores Isabelle Weingarten e Jeffrey Kime. Link: http://numanoiteem68.blogspot.com.br/2011/01/35xxx-uma-noite-fora-de-serie-em-1968.html?zx=a2170e5d9127195c 

** Obra de ficção: qualquer semelhança com pessoas, fatos ou situações reais terá sido mera coincidência. *** Livro disponível na Internet. Rentabilizado pela Google.
 
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